Neural

Abriu os olhos. O vento batendo em seu corpo dizia que estava em um local em plena natureza. Levantou-se do solo. Não conseguia sentir a temperatura do lugar. Apenas percebeu que era uma alta montanha. De lá, podia ver por kilômetros e kilômetros até que sua vista se perdesse.

Á sua frente e de costas, um homem sentado e vestido como um heremita olhava a paisagem. Longos cabelos brancos, um manto cinza e um leve apoio num cajado de madeira era tudo que ele via.

- EI! Como eu vim parar aqui? Eu morri?

- Tecnicamente sim - Respondeu o heremita, sem virar-se ou sequer se mexer - Que tal tomar um assento ao meu lado?

Antes que o pobre homem recém acordado tivesse tempo de realizar qualuqer pergunta, ainda pasmo com a surrealidade de toda aquela cena, aproximou-se e sentou-se ao lado do velho homem. Admirando a imensa paisagem, agora via também seu rosto coberto por uma imensa barba igualmente branca.

- Quando os criamos a primeira vez, existia apenas um. E percebemos que havia um problema grave com a evolução mental dele - Dizia o heremita.

- Criaram? Como assim?

O heremita ignorou o comentário e continuou.

- Percebemos que era necessário um propósito. Ou nenhum aprimoramento, ou quase nenhum iria seguir. Tivemos uma longa fase de pensamentos e por fim entendemos.

- Entenderam o quê? - Insistia o homem pensando estar em um sonho.

- Em primeiro lugar, deveriam ter ciência de sí como indivíduo. Em segundo lugar, deveriam conviver com outros. E em terceiro, deveriam ter algo que os fizessem seguir em frente. Ilusões que dessem a idéia de uma vida. Isto forçou todos os parâmetros que viemos experimentando. E mais, revelou que a noção de sí mesmo, ambiente, outros indivíduos e idéias, os faziam cair em reflexões. Era o que procurávamos. O ponto onde vossas mentes evoluiriam sozinhas.

- Você é Deus?

- Se assim quiser chamar. Digamos que faço parte daquilo que te criou. Vocês se entitulam seres humanos. Nós nunca demos nome nenhum á vocês. Apenas observamos os padrões algorítimicos criados em laboratório interagirem. Você, sua raça, todas as espécies vivas e este mundo são artificiais. Quando começamos a experimentar a inteligência artificial, anos e anos atrás, percebemos que não bastava criar o algorítmo correto ou alimentar informações e deixá-lo lá. Vocês precisavam ter consciência. A grande verdade é que nunca existiu propósito. Cada um escolheu para sí o que julgou ser verdade e por conta disso criaram conflitos, amizades, sociedade e nós pudemos coletar dados suficientes sobre vocês.

- O homem olhava para o heremita sem saber o que dizer. Por fim, disse o que veio em sua mente.

- Eu não sou um experimento! Eu sou um ser vivo!

- Eu não estou julgando você como um ser não vivo. Mas sim, você é um experimento. Me diga, nunca se perguntou por qual razão essa raça nunca encontrou um propósito real? A minha raça, que te criou, conhece todo o propósito no verdadeiro universo. Todos os seres autconscientes em meu mundo sabem seu verdadeiro propósito. Mas você jamais entenderia os padrões do meu mundo. Isto que nós criamos é algo muito simples pra nós. Mas receio que já temos dados suficientes. E a atual versão de vocês será descartada.

- Você não pode destruir o meu mundo!

- Não há mundo. Toda a existência deste mundo nem sequer pode ser mensurada no tempo do meu. Enquanto conversamos, tudo está vindo a inexistência. Durante os seus séculos vocês nos adoraram, questionaram, pensaram que eramos seus Deuses. E de fato, somos o que os criou. Mas o propósito real de vocês está completo. Você é um experimento. Tudo o que conheceu o era. Você serviu como base para observarmos. Está na hora de vocês darem lugar a outros seres corrigidos. Um novo mundo. Outros padrões.

- Pra onde eu vou?

- Não se preocupe. Não haverá você. A revelação de tudo em seus ouvidos completa minha última analise. Durma bem.

O heremita desvia o olhar, e agora ele olha pra você.

- Um dia vocês descobriram que a terra não era o centro do universo, e nem tão especial. Talvez outro dia vocês haveriam descoberto que vocês também não são. Já sabe o seu propósito?

Durma bem.

Marcello Morettoni
Enviado por Marcello Morettoni em 23/07/2017
Reeditado em 23/07/2017
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