A alavancagem

A Guardiã encontrou Ludwig Baumer, tenente SS, inconsciente e preso às ferragens do seu avião Dornier de reconhecimento. O verão antártico estava no fim, e uma inesperada tempestade de neve acabara por tirar o piloto do curso e fazer com que se chocasse contra os flancos de uma montanha na cordilheira Shackleton, próximo ao mar de Weddell. Baumer não iria resistir muito se não fosse resgatado e levado para algum lugar abrigado, mas sua base, o acampamento no Oásis Schirmacher, estava à mais de 200 km de distância em direção norte. Então, mesmo avaliando quem Baumer era e o que representava, a Guardiã deu-lhe o benefício da dúvida - e o levou consigo para sua morada subterrânea. Mas, da mesma forma que fizera com os outros postulantes, isto também representou uma pequena, mas decisiva, lição de vida.

* * *

- Lutz?

Baumer acordou aos poucos, ouvindo alguém chamá-lo de muito longe, pelo apelido. Onde estava? Um quarto mergulhado na penumbra. Uma cama com dossel... lembrando muito o quarto de sua avó, na velha herdade em território sudeto.

- Lutz?

A voz, feminina mas infantil, estava mais próxima. Tentou erguer-se, apoiado nos cotovelos, mas sentiu-se tonto. Afundou novamente na cama fofa.

E então a viu inclinando-se sobre ele, seu rosto e seus cabelos mais escuros do que a penumbra do quarto. Era uma garota. Doze, treze anos, talvez. Parecia uma nativa de Samoa, com uma vasta cabeleira ondulada emoldurando um rosto oval e dois olhos negros e compassivos.

- Lutz... você acordou... - ela sorriu.

- Quem é você? Como sabe o meu nome? Que lugar é esse?

Ela colocou um dedo macio sobre os lábios dele.

- Psiu! Não se esforce... você precisa dormir e recuperar as forças. E depois, eu o levarei ao Oásis. Seus amigos ficarão felizes ao vê-lo... temem que tenha morrido!

- Então... eu não estou morto? - Perguntou ele, cautelosamente.

A garota riu.

- Extraí um lugar da sua mente que me pareceu acolhedor... a casa da sua avó. Ou melhor, o quarto dela. Essas simulações são trabalhosas de manter... muitas variáveis...

- Simulação? - Indagou ele, intrigado.

- Sim. Você está no meu domínio subterrâneo... acho que podemos denominá-lo meu Reich... - Deu uma risadinha. - Mas, diferentemente do seu Reich, o meu não tem por objetivo dominar a humanidade. Muito pelo contrário: estou aqui para ajudá-la a se ajudar.

- Quem é você? - Repetiu Baumer.

- Pode me chamar de Samaria. Como na parábola do Bom Samaritano.

- Samaria... uma nativa samoana como aquelas das histórias que minha avó contava quando eu era criança? - Retrucou Baumer, cético.

- Assumi esta forma para que visse que não pretendo lhe fazer mal. Se o desejasse, bastaria deixá-lo para morrer no seu avião destruído.

- Compreendo... eu acho. Então, essa não é sua forma verdadeira? E o que é você, realmente? Como posso saber que não estou delirando?

- Você saberá quando estiver de volta ao Oásis. E eu lhe darei o plano completo de alavancagem... que você deverá repassar aos seus líderes. A partir do momento em que aceitarem os termos, serão oficialmente considerados postulantes.

- Postulantes... ao quê?

- Ao conhecimento que lhes abrirá as portas das estrelas.

* * *

Baumer foi encontrado por seus companheiros da Expedição Antártica Alemã, dois dias após o seu acidente aéreo, vagando sem rumo na vastidão gelada do Oásis Schirmacher. Fisicamente, parecia em perfeita forma, embora estivesse claramente em choque. Não soube dizer onde estava seu avião, nem como conseguira chegar ali sem ele.

E, o mais intrigante, trazia num bolso do seu casaco de aviador, um livrinho encadernado em metal azul-escuro, com folhas feitas de um plástico resistente. Nele, em caracteres góticos e perfeito alemão, estavam as instruções para adesão a um contrato de alavancagem. Um contrato que, como prometera Samaria, abriria ao Reich não só o domínio do mundo... mas as portas das estrelas.

Desde que, antes de mais nada, reconhecessem, primordial e explicitamente, a superioridade feminina.

- [21-09-2017]