Sementes de pedra

[História anterior: "Mudança permanente"]

Em sua primeira visita ao planeta Laqsih, Forrester havia notado que as árvores-rhusi distribuíam-se de modo simétrico pela superfície da floresta equatorial de Tramh, guardando sempre uma distância equivalente entre um indivíduo e outro. Através do drone que programara para recolher sementes das árvores citadas (algo que lhe fora expressamente interdito pelos anfitriões qyamun), constatou que sua observação empírica possuía embasamento. As árvores-rhusi estavam dispostas nos vértices de uma retícula imaginária sobreposta ao terreno, cujas arestas mediam 0,65 km cada. Como o padrão repetia-se até onde ele podia mensurar, sendo quebrado apenas por acidentes geográficos que impossibilitassem o crescimento de árvores, tornava-se fácil prever onde o próximo rhusi iria se plantar para a assim chamada "mudança permanente". Por razões óbvias, Forrester não comunicou suas descobertas à Hasim, o sacerdote que lhe servia de guia no mundo-floresta, pois imaginava que tal interesse era suspeito para alguém que teoricamente estava ali apenas para recolher exemplares da exuberante vegetação local. Portanto, solicitou uma segunda visita à Laqsih, desta vez com o intuito de passar mais tempo no planeta, e munido de instrumentos que lhe permitissem avaliar o que havia de tão especial nas interseções da retícula.

- Já tenho uma boa quantidade de amostras de plantas, - declarou ao solicitar uma nova autorização de visita às autoridades de Tahfir, o planeta-central do Território Qyamun - mas preciso voltar para fazer análises do solo de Tramh, que me permitam reproduzi-lo na estufa que estou construindo.

Como Forrester portava-se como um cientista, e não como o contrabandista que realmente era, o pedido foi concedido sem grande demora. E lá foi ele a bordo de sua nave pessoal "Dédalo", acompanhado do mesmo sacerdote Hasim que o ciceroneara da vez anterior. Pousaram mais próximos ao sopé das montanhas de Naqsah, pois Forrester queria testar sua teoria numa área limítrofe à floresta, mas ainda não dominada por ela.

- Então, desta vez você vai cavar? - Indagou Hasim, acompanhando a movimentação com interesse.

- Preciso ter uma boa ideia da composição do solo nesta região - explicou Forrester, enquanto preparava uma sonda-robô que faria o trabalho de prospecção e perfuração. O veículo estava programado para fazer varreduras nos vértices da retícula mais próximos à orla da floresta, e caso nada de interessante fosse encontrado, avançar gradualmente para o interior da mesma.

- Quando falou em análises de solo, imaginei que iria apenas recolher amostras de terra - insistiu Hasim, as mãos azuis de três dedos entrelaçadas à frente do corpo.

- No geral, sim - ponderou Forrester. - Mas talvez tenha que extrair seções verticais do terreno para análise posterior. Quero que o ambiente na estufa seja o mais próximo da realidade local.

Hasim pareceu concordar com a exposição, e durante algum tempo, acompanhou o deslocamento da sonda sobre o terreno acidentado. Como nada de anormal ocorreu enquanto observava, acabou por pedir permissão para fazer a meditação diária e recolheu-se ao seu camarote. Era o sinal que Forrester estava esperando para dirigir a sonda a um dos vértices e fazer uma cuidadosa análise do que havia abaixo da superfície - se houvesse ali algo digno de nota.

Curvado sobre o monitor tridimensional que exibia a leitura das camadas do solo, Forrester teve sua atenção recompensada poucos minutos depois, quando, à uma profundidade de 4,5 m, o escâner acusou a presença de um objeto que era obviamente artificial e que só poderia ter sido colocado ali intencionalmente: um diamante multifacetado, do tamanho de um coco. Os dados obtidos eram precisos o suficiente para reproduzir o artefato ao nível molecular, não sendo necessário removê-lo do lugar, algo que certamente despertaria as suspeitas de Hasim - ou mesmo finalizaria de modo abrupto a sua carreira de pesquisador no Território Qyamun.

Restava agora confirmar se o padrão repetia-se no próximo vértice, e para lá seguiu a sonda. Mais alguns instantes, e Forrester comprovou que havia outro diamante, idêntico ao anterior, enterrado à mesma profundidade. Para encerrar o ciclo de análises, dirigiu a sonda até a árvore-rhusi mais próxima da orla da floresta, e que havia crescido exatamente sobre um dos vértices.

Quando o escâner revelou que sob o gigante verde também havia um imenso diamante, Forrester comandou a sonda para fazer o caminho de volta e recolher algumas amostras de solo pelo caminho. Parte do mistério estava solucionado: os rhusi plantavam-se exatamente sobre os diamantes enterrados, antes de transformarem-se nas árvores mais poderosas da floresta. O porquê o faziam, e quem os programara para tal, era algo que pretendia descobrir na sequência.

Forrester duvidava que os qyamun fossem os responsáveis por aquilo.

- [31-05-2019]