De novo... e de novo... e de novo...

— É imprudente continuar nesta direção!! — alertava a equipe de astrônomos pelo rádio, de uma distância um pouco mais segura daquele buraco-negro supermassivo no centro da via-láctea.

— A estrutura da cápsula ainda está estável! A rotação do buraco-negro ainda compensa os diferenciais gravitacionais que causam a espaguetificação da matéria.

— Não recomendamos se aproximar mais! — a distorção sonora, semelhante ao efeito de um antigo disco de vinil pré-histórico reproduzido numa velocidade superior à projetada, evidenciava que já existia uma distorção temporal apreciável entre os dois observadores. — Está chegando num ponto sem retorno!

Esta última frase mal foi compreendida, acelerada como estava pela distorção temporal na qual recebia as informações do exterior! Isso deveria ser um alerta para o perigo da situação, mas ele ainda insistiu, tentou chegar um pouco mais longe. Quando mais teria esta chance, de obter informações assim tão confiáveis, direto da fonte.

— O perdemos, pessoal! — lamentou o cientista que mantinha contato com o amigo, sabendo que ele havia sido fatalmente sugado pelo horizonte de eventos do buraco negro. — Melhor nos afastarmos agora, se não quisermos compartilhar do mesmo destino. Teimoso, David!!! Teimoso demais! Você sempre foi assim mesmo... Só espero que tenha sido rápido o suficiente para que não tenha sofrido.

Eles recuaram ligeiros. Sabiam bem que os 5 minutos que estiveram naquela órbita, acompanhando a descida suicida de David, representavam 27 anos lá fora, na estação espacial permanente que orbitava o buraco negro do centro da galáxia. Reconheceram alguns amigos, já bem envelhecidos, mas também muita gente nova. Isto já era esperado. Estudar na prática buracos negros envolvia muita disciplina, desprendimento, compreender que um experimento de alguns minutos em suas proximidades acarretaria em retornos a mundos que talvez eles nem mais reconhecessem. Isto fazia parte do trabalho. David, infelizmente, foi imprudente e tentou ir além.

Mas de seu ponto de vista as coisas não aconteceram exatamente assim. Fôra capturado pelo buraco negro, sem sombra de dúvidas! Aprisionado em seu horizonte de eventos, onde o tempo não mais avançava. Estacionado para sempre num instante. Para sempre? Como assim? Nem mesmo os buracos-negros são eternos!!! Podem durar bastante tempo, mas não para sempre!

O horizonte de eventos daquele buraco-negro supermassivo no qual David havia sido capturado diminuiu. Stephen Hawkin havia previsto isto no século XX, e agora David confirmava na prática que ele acertara a previsão! Pares quânticos de partículas e antipartículas surgem o tempo todo no vácuo. Normalmente são aniquilados por seus complementares nas vizinhanças, voltando ambos ao nada. Mas as regiões próximas às bordas do horizonte de eventos de um buraco negro são especiais! Pouco além dele, na verdade numa camada de espessura minúscula, incomensurável, pode acontecer de um par se formar do vácuo em direções opostas, e enquanto uma das partes formadas cai fatalmente em direção ao buraco negro, sem chance de voltar, seu complementar consegue escapar para o universo em torno dele! Esse desequilíbrio altera a entropia no interior do buraco-negro, fazendo-o diminuir de tamanho. É a conhecida Radiação Hawking, que faz todo buraco negro evaporar aos poucos, consequência deste inusitado desequilíbrio quântico na formação espontânea de pares de partículas em nosso universo!

O horizonte de eventos no qual David originalmente ficou preso recuou, diminuiu de tamanho, e ele ficou livre temporariamente. Sua percepção de tempo, antes tendendo ao infinito, voltou a assumir uma cadência finita, e ele voltou a "existir", pensar sobre o que acontecia à sua volta. Quanto tempo se passou? Para ele foi instantâneo! Logo escapou do horizonte de eventos, que aliás foi sua última reação pouco antes de se prender a ele. Pela primeira vez...

— Controle! Consegui escapar! Aguardo novas instruções.

Nenhuma resposta, além de estática. Ruído branco em todas as direções! Eles não estavam mais lá? Que tratantes!! Abandonaram ele assim, sem mais nem menos?

— Controle! David falando! Escapei do horizonte de eventos! Aguardo novas instruções...

Novamente, apenas ruído branco no canal de comunicação. Ele tentou reavaliar sua situação, verificar onde estava. Pediu ao computador central da cápsula reconhecimento das estrelas próximas, para saber de que lado do buraco negro ele saiu do centro da via-láctea.

"NENHUMA ESTRELA OU CONSTELAÇÃO RECONHECIDA NO ESPAÇO CELESTE AO REDOR"

Como? A aproximação teria danificado o computador? Pediu um auto-diagnóstico...

"NENHUMA FALHA DETECTADA EM HARDWARE OU SOFTWARE"

Repetiu a solicitação de reconhecimento celeste, com a mesma resposta:

"NENHUMA ESTRELA OU CONSTELAÇÃO RECONHECIDA NO ESPAÇO CELESTE AO REDOR"

Abriu a escotilha da cápsula para ver com os próprios olhos o que estava acontecendo e... cadê as estrelas??? Nenhuma estrela visível!!! Breu absoluto por todos os lados! O que estava acontecendo?

— Controle! Controle! Parem de brincadeira, aprendi minha lição! Cadê vocês? — tentou num último ato desesperado.

Ruído branco por todos os lados, nenhuma resposta. Teve uma ideia. Não queria acreditar nela, inclusive esperava que ela não se confirmasse. Mas, como cientista, não podia desconsiderar nenhuma hipótese: pediu uma nova estimativa do raio do horizonte de eventos do buraco-negro. E ele havia diminuído... Seu pior pesadelo concretizado! Demora muito para o raio de um buraco-negro diminuir, evaporando por Radiação Hawking! Mas havia acontecido!!! Ele fôra engolido pelo buraco-negro, preso "para sempre" em seu horizonte de eventos! Mas esse "para sempre" não era um "para sempre" de verdade, pois nem os buracos-negros são eternos! Ele havia retornado, pelas estimativas iniciais, talvez centenas de trilhões de anos de sua época original! Nem mesmo sua galáxia parecia existir mais, o que o céu vazio e escuro em todas as direções parecia comprovar! Orbitava o centro dela, escombros gravitacionais de sua majestade original! Provavelmente resultado da colisão com o buraco negro central de Andrômeda, que já deveria ter acontecido há Éons inimagináveis no passado! Humanidade? Provavelmente desaparecida há muito tempo! Sua herança? Vidas sintéticas criadas por ela? Aparentemente se passou tempo suficiente para que elas também desaparecessem, ou haveria lá alguém esperando por ele, como relíquia fóssil de um passado distante! Não, David concluiu que ressurgiu numa idade do universo que não fazia mais sentido ele voltar a existir, e tomou a melhor decisão que poderia tomar: acionou os foguetes da cápsula para dar meia volta, retornando ao horizonte de eventos do buraco-negro.

Ele tentou dormir. Voltar ao nada. Mas despertou de novo! Num universo bem diferente! Voltou a ver luzes em todas as direções. Mas não eram mais estrelas. Na verdade, isso ele descobriu com uma pequena ajuda do computador central, eram buracos-negros centrais de outras galáxias explodindo por todas as partes do universo, depois de terem evaporado e diminuído de tamanho num nível de compactação insuportável mesmo para os quarks! Ou algo mais primordial ainda que os quarks, cuja natureza ele reconhecia ser incapaz de tentar ao menos imaginar. Como chegavam até ele, com o universo se expandindo agora mais rápido que a luz? Sim, porque sua nova estimativa de raio do buraco-negro central da remota via-láctea mostrava que ele estava agora há trilhões de trilhões de trilhões de trilhões de distância temporal em relação à época original! Ele poderia tentar ficar lá. Explorar o que havia mudado. Mas... para quê? Para quem? De que serviria aquilo que viesse a descobrir sobre o futuro remoto de nosso universo, que agora ele podia presenciar com os próprios olhos? Acelerou o máximo que pôde de novo em direção ao buraco-negro, agora com um raio bem menor em seu horizonte de eventos. Lógico que ele sabia que a aceleração que escolhesse não faria a mínima diferença, foi uma decisão irracional. Mas, provavelmente sendo o único ser pensante de seu universo original agora (não poderia provar o contrário por mais que tentasse), se permitiu decidir coisas com certa irracionalidade.

Isto se repetiu de novo... e de novo... e de novo... David se perdeu na contagem de quantas vezes despertou num universo cada vez mais velho, irreconhecível, e se decidiu por entrar de novo no buraco-negro. Olhou seus cilindros de ár. Anos de oxigênio à sua disposição, ao menos na sua escala de tempo! Comida... alguns meses! Concluiu que se tentasse de novo entrar no buraco negro, o processo se repetiria, o horizonte de eventos diminuiria seu raio, e ele despertaria num outro universo bem mais estranho. Decidiu então: "CHEGA! Não vou mais voltar para lá! Por mais inútil que possa parecer, deixa eu estudar este universo aqui à minha volta". Calculou o tamanho do buraco-negro atual, e tentou estimar a partir disto quanto tempo havia se passado. A quantidade de zeros da cifra o deixou atordoado!!! A própria quantidade de zeros de seu número, o expoente de dez, precisava também ser expresso como um expoente de dez para ser representável finitamente, num número legível! O universo estava quente de novo! Mas agora eram os fótons chegando de todas as direções, de todos os buracos-negros do universo que evaporavam e espalhavam suas entropias. Tentou detectar matéria. Pouca matéria disponível! Não haviam mais muitos prótons livres, por exemplo, pois neste futuro distante eles já haviam começado a decair. E sem prótons, sem elétrons aprisionados a eles, sem átomos, sem moléculas, sem matéria, sem planetas, estrelas, nuvens de gás. O universo era um enorme NADA em toda parte crivado por todos os lados por energias se propagando. Não havia mais formação de pares de partículas complementares no vácuo quântico? Bom, os buracos-negros ainda diminuíam, portanto o processo deveria continuar ao menos nas proximidades de seus horizontes de eventos...

Mas David e sua cápsula, bom, eles eram exceção no atual universo! Sua simples presença, reaparecendo como fósseis cósmicos vivos de um horizonte de eventos muito antigo, causaram um desequilíbrio neste universo de nada que se expandia sem parar. Felizmente o processo foi muito rápido, não deu tempo dele sentir dor no processo. Mas ele e sua cápsula de exploração se compactaram rápido numa singularidade de matéria e energia. A singularidade começou a se expandir acelerada, dando origem a um novo universo...

*** FIM??? ou novo começo? ***