Teletransporte - parte 10

Raimond já havia se distanciado há tempos de Richard, à medida em que o fígado dele metabolizava o álcool e o tirava da corrente sanguínea. Isto dificultava cada vez mais o controle sobre seu corpo e, mais ainda, Raimond começava a ficar preocupado com Gerald, seu companheiro de rua encarnado de anos!! Estava acostumado com ele, apesar de saber que era mais difícil de possuí-lo. Mas era certo! Antes algo que temos certeza que uma coisa duvidosa, né? E foi assim que Raimond deixou o cascão vazio de Richard, dormindo naquela cela de Londres que nem ele nem Richard se lembravam de como haviam chegado lá...

— Professor Richard??? Sim, policial! É ele mesmo! Acho que ele... bem, extrapolou um pouquinho na comemoração, né?

— Mal parava em pé, amigo!

— Não é comum dele, nunca vimos ele fazer isto. Mas... apesar de bêbado feito uma vaca, não cometeu nenhum crime, né?

— Não. Nós o colocamos aqui mais para segurança dele próprio mesmo! Nem conseguia mais parar em pé!

Richard despertou aos poucos naquela cela de prisão londrina. Sua cabeça latejava! Os sons captados de fora, estimulando seus nervos auditivos, enviando sinais ao seu cérebro, o nervo vestibulococlear transmitindo informações ao lobo temporal do cérebro, obrigando-o a interpretá-las, era insuportável!!! Por quê simplesmente não o deixavam em paz????

— Venha conosco, Doutor Richard!!! Achamos que algo aconteceu no teletransporte, e o senhor não está capaz ainda de tomar decisões por si próprio! Nos acompanhe, e vamos tentar entender o que aconteceu de errado...

Richard simplesmente obedeceu. Por quê? Não sabia. Parecia o melhor a se fazer naquele momento. Ah sim ele sabia o porquê!!! Porque, fazendo assim, seguindo as instruções daqueles que vinham buscá-lo na prisão, talvez os estímulos parassem! Talvez isto fizesse com que seu cérebro parasse de ser estimulado!

Mas percebeu logo que não seria tão fácil assim! Acompanhando seus companheiros de trabalho, saindo da delegacia foi invadido por sons, luzes, imagens, movimentos, cheiros... Tudo atrapalhando a paz absoluta que tentava atingir em seu cérebro! Percebeu logo que aquele nada que tanto desejava, aquela total ausência de estímulos externos, nunca seria conseguida! E tentou se acostumar com isso...

— Por quê nos evitou assim, professor? Não gosta de nossa companhia?

Sim, ele se lembrava de gostar! Se lembrava como eram prazeirosos esses momentos de comemorações com os colegas de trabalho! Mas, ao mesmo tempo... não conseguia revivê-los, mesmo trazendo as lembranças registradas nas conexões sinápticas entre seus neurônios. Lembrava deles, dos fatos, do que aconteceu, até em mais detalhes do que imaginava antes poder lembrar! Mas não lhe despertavam maiores emoções, maior envolvimento. E ele simplesmente não sabia explicar o porquê disto...

— Enchendo a cara com um morador de rua, professor? O que se passou pela sua cabeça?

Ele não sabia. Não queria saber. Nem se importava em saber. Só queria paz, que cessassem as perguntas, as cobranças... Lembrou-se de um cartão-chave em seu bolso.

— Podem me levar ao meu hotel, por favor?

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Seu rosto era repugnante!!! Aquele tique nervoso, aquele movimento involuntário dos dedos esfregando o lado direito de seu rosto, já haviam deixado uma marca profunda! Mesmo no plano etéreo!

— Apenas matéria, senhor! Um cascão, corpo material sem espírito caminhando a esmo por aí!

— Um cadáver?

— Não era cadáver, senhor! Perfeitamente funcional, coração batendo, pulmões funcionando... Mas nenhum espírito ocupando-o, controlando suas vontades.

— Não é possível!! Tentei tanto fazer isto, sem sucesso!

Rice Dläv'kraft, o Mestre Sombrio da Face Vazada, ainda não conseguia acreditar naquilo que o mensageiro lhe informava! O que ele procurava há uns dois séculos, sem sucesso, um corpo totalmente desprovido de seu espírito, apesar de completamente funcional, caminhando pelas ruas de Londres? Apenas esperando para ser apanhado? Bom demais para ser verdade...

— Como, exatamente, ele apareceu? Quero saber de todos os detalhes, por favor...

* continua *