[miniconto] A Noite Perturbadoramente Longa

Tirando o amante desiludido, ninguém percebeu que aquela noite estava estranha.

Não se via as estrelas. Não se via os planetas. Nenhum corpo celeste estava lá para furar de brilho o grande manto escuro do universo.

Não havia nada no céu - nada, senão a lua.

E uma lua diferente. Que não azul, pálida, marmórea, nem nada já cantado pelos poetas.

Era uma lua tingida de amarelo. Um amarelo gasto. Como se fosse um sol, mas muito, muito cansado.

Lá embaixo, naquela Terra subitamente única, as pessoas só perceberam a estranheza da noite quando deu notícia urgente no meio da novela. E o povo, entre risos descrentes, correu para fora de casa e torceu o pescoço para o alto.

'E não é que é verdade?', comentou alguém.

Os pessimistas foram os primeiros a berrar: 'A profecia se realiza!'

Os otimistas se defenderam: 'Existe profecia boa!'

Os jovens apenas dançaram, de imediato e em frenesi, em torno de fogueiras altas e garrafas rapidamente vazias.

A noite, por sua vez, seguiu na estranheza: a lua simplesmente não se mexia. O relógio deu meia noite, duas horas, quatro, seis, oito horas da manhã. Mas que manhã se a lua (' É mesmo a lua?', alguém duvidou) ainda estava lá, olho aberto, amarelo e cansado no meio do céu?

Só algumas horas depois, quando todos, afinal, decidiram voltar às suas vidas normais - com gravata sufocando, notebook na pasta, e uma maçã para comer no meio do expediente - que, enfim, aconteceu.

A lua amarela ganhou a sombra de um véu. Uma lua minguante. Um olho que se fechava. Mas que minguou e se fechou não em dias, e sim num curto minuto.

E quando ela sumiu, e sumiu sem dar sinal algum de retorno - 'A Crescente Que Nunca Veio', diriam os livros de História -, finalmente o arrepio gelado desceu rasgando pela coluna.

A Terra embarcava no abandono de uma noite perturbadoramente longa.