Os benfeitores

- Vinte milhões? Como vão transportar vinte milhões de pessoas? - O general McGee estava realmente impressionado.

- Disseram que possuem grandes naves para... bom, eu diria que para transporte de animais, embora não tenham usado esse termo - redarguiu o major Andrew Noble, comandante da base no lado oculto da Lua e responsável pelo primeiro contato com os nar'ghon.

- Então, não é a primeira vez que fazem isso - ponderou o general, mão no queixo. - E eu fico me perguntando o que aconteceu com os passageiros das viagens anteriores...

- Os nar'ghon asseguram que estão fazendo um trabalho de preservação genética - discorreu Noble. - Eles visitam planetas como o nosso, que possuem alguma tecnologia espacial, mas ainda não tem capacidade para exploração interestelar, e oferecem seus serviços. No caso, justamente o que nós precisamos: propulsores de antimatéria que nos permitirão chegar muito próximo da velocidade da luz.

- Desconfio que nos monitoraram durante muito tempo antes de fazer contato - replicou o general. - E já sabiam exatamente o que poderíamos pedir em troca da sua... atividade benemerente.

- Essa hipótese não pode ser descartada - admitiu Noble. - Mas os nar'ghon justificam suas ações, diante da raridade de espécies inteligentes capazes de atingir o estágio da exploração espacial, antes de se destruírem em alguma guerra global. Eles então, retiram uma parcela representativa desta espécie e as implantam em um ou mais mundos adequados, sob sua supervisão, para que caso ela venha a se extinguir no planeta original, possa ainda sobreviver e progredir em outros pontos da Galáxia.

- Tudo isso soa muito bonito, e a proposta de nos cederem tecnologia de antimatéria é a cereja do bolo - McGee, braços cruzados, voltou-se para a grande janela panorâmica do escritório de Noble, por onde via-se a desolada superfície lunar sob um céu negro pontilhado de estrelas que não piscavam. - Mas temos que nos perguntar, além do aspecto ético de cedermos vinte milhões de humanos para alienígenas dos quais nada sabemos, o que nos acontecerá se não concordarmos com os seus termos?

Noble entrelaçou as mãos sobre a escrivaninha de plástico à sua frente.

- Se eles dominam a geração de energia com antimatéria, devem possuir armas capazes de destruir um planeta inteiro - admitiu. - Não seríamos páreo para os nar'ghon; e depois, eles poderiam recolher os vinte milhões que pediram, sem oposição.

McGee descruzou os braços e balançou afirmativamente a cabeça.

- Essa é uma conclusão lógica, major. Mas não vamos causar pânico, não é?

- Não senhor - Noble descruzou as mãos e aguardou, em expectativa.

* * *

- O governo está oferecendo terras para colonização em outros planetas! - Exultou Édgar Vera, ao chegar em casa naquela noite. Os Vera eram cinco: pai, mãe e três crianças, vivendo num apartamento alugado de quatro cômodos, no centro velho e decadente da cidade.

- Não somos gente do campo - redarguiu a esposa, Juliana. - E o que vamos fazer noutro planeta?

- Dar um futuro para as crianças! - Entusiasmou-se Édgar. - E o governo garante que teremos máquinas para preparar a terra e cuidar de todo o trabalho na roça; nós vamos fazer somente a supervisão.

- Se eles têm dinheiro pra investir nisso, porque não melhoram as condições de vida aqui mesmo, na Terra? - Juliana o encarou, testa franzida.

- Parece que descobriram uma nova tecnologia de transporte - argumentou Édgar. - Deve sair mais barato nos levar para outro lugar do que ajeitar essa bagunça aqui.

Juliana pareceu finalmente se convencer com a ideia. E as crianças... essas adoraram a perspectiva de ir para outro planeta e ter todo o espaço que quisessem para correr e brincar.

* * *

Um ano depois, o general McGee voltou ao escritório do major Noble, na Lua.

- Missão cumprida! - Declarou Noble. - Todos os vinte milhões solicitados pelos nar'ghon embarcaram nas naves de transporte e estão a caminho do seu destino.

- Felizes e contentes, - ponderou o general - embora nem mesmo nós saibamos para onde estão indo. Ou o que será feito deles lá.

Noble abriu as mãos.

- Bom, senhor, isso não é mais problema nosso. E nos livramos de vinte milhões de indesejáveis.

O general olhou pela janela panorâmica, antes de complementar:

- Com toda essa história de preservação, é curioso que os nar'ghon não tenham se interessado em levar exemplares da nossa fauna e flora; somente humanos.

Noble fez um gesto afirmativo.

- Espero que gostem de comida sintética.

- [08-08-2022]