Só Eu e o Céu Escuro

Uma luz vermelha incessante piscava no interior de meu traje espacial, era o alerta do suporte de vida, não resistiria muito mais, meu tempo estava acabando.

Além daquela fraca luz vermelha, uma outra, vinda de todas as direções, invadia meu olhar, era a Via-Láctea, bem diferente ali na distância sem fim do espaço, longe da Terra, longe do Sol, longe o suficiente de qualquer outra estrela que pudesse ofuscar seu brilho.

Era engraçado, mesmo com todas aquelas estrelas, milhões e milhões, tudo ao redor era escuridão e frio, frio que penetrava meu traje roubando até as últimas gotas de calor. Porque o Universo era tão escuro, mesmo com estrelas por todos os lados? “Por que é a noite escura?” – perguntariam os antigos, esse era o paradoxo de Olbers. Seja como for, não havia estrelas por toda a parte e, mesmo se houvesse, o céu continuaria escuro.

Escuridão, essa era a palavra, mesmo lá fora havendo tanta luz ela vinha de longe, de muito longe e seu comprimento de onda se desviava tanto que o pouco que chegava até mim não era suficiente para ver detalhes em meu próprio traje que, de um branco brilhante, torna-se apenas um cinza pálido. E debaixo daquele cinza pálido estava eu, perdido. Perdido em meio a tudo e em lugar algum, protegido por uma fina camada de material compósito insuficiente para guardar meu corpo da morte.

Pois eu iria morrer em breve. Morreria só e esquecido, e talvez no futuro, talvez em algumas dezenas, centenas, milhares ou, mais provavelmente, milhões de anos, meu corpo fosse encontrado por outros seres humanos. Humanos não, talvez criaturas de outra ordem, se houvessem. E quem sabe seria estudado, fatiado, clonado ou mesmo ressuscitado. Não, sabendo do imensurável tamanho da Galáxia e do Universo eu tinha certeza que as chances de ser encontrado por qualquer civilização no decorrer da existência do cosmo eram quase nulas. Eu deveria desistir, em pouco tempo meu corpo estará congelado, e permanecerá assim até ser sugado por uma estrela, desintegrado pela radiação ou esperara pelo fim derradeiro da própria morte do Universo quando a última estrela se apagar daqui há um trilhão de anos ou mais.

Não me importava, quando fui ao espaço pela primeira vez eu sabia que não queria morrer em terra, queria estar lá, onde tudo começou, onde os átomos que compõem meu corpo foram forjados pela primeira vez. Só não esperava morrer só.

Só. Mas quem disse que estava só? Quem sabe havia algo mais? Algo como uma divindade talvez, algo que governasse a ordem, e desordem, das coisas. Quando jovem já me disseram que a vida era uma ilusão, o Universo, e tudo que nele havia, seriam uma alucinação, uma simulação, pois dele não percebíamos nada mais a não ser a falsa impressão dada por nossos sentidos.

Podia até ser, talvez um computador gigante, onipotente, onipresente e onisciente estivesse nesse momento calculando cada segundo passado, presente e futuro de minha vida. Talvez minha história esteja sendo escrita por alguém debaixo de um céu como aquele pelo qual navego a deriva. Letra por letra, palavra por palavra, a história de um astronauta perdido entre as estrelas, em seus últimos momentos de vida, contada por alguém a noite, talvez para si mesmo, talvez para que outros ouçam ou leiam.

Sim, talvez eu nunca tenha nascido, mas outros estejam lendo agora a história da minha vida, bem, pelo menos o fim dela...

A luz vermelha no interior do meu traje começou a se enfraquecer, já sinto frio, muito frio, e também vejo as estrelas se apagando, efeito da falta de oxigênio e excesso de gás carbônico. As estrelas se apagam, uma a uma, como farão realmente todas daqui um trilhão de anos. E se tudo é mesmo uma simulação, se realmente alguém, em algum lugar, acompanhou realmente o fim de minha jornada, eu peço desculpas por não poder continuar mais, preciso ir, não sei pra onde, talvez nem vocês o saibam, esse é um mistério do qual compartilhamos.

Adeus.

Luciano Silva Vieira
Enviado por Luciano Silva Vieira em 08/10/2022
Código do texto: T7622643
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