MEGASSENCIENTES

*** MEGASSENCIENTES ***

(de David Machado Santos Filho)

As mensagens químicas iam e vinham, se difundindo brownianicamente ao longo das duas dimensões majoritárias daquela placa de Petri:

— Obviamente eles já perceberam a nossa presença, e os experimentos que fazem conosco há muito tempo é a maior prova de que isto é verdade.

Um murmurinho geral de aprovação na forma de compostos alcalinos de cálcio se espalhou por toda a área bidimensional daquela reunião.

— E agora vem a pergunta mais importante de todas: será que eles já perceberam que nós igualmente também já percebemos a presença deles?

Escherichia Coli sinalizou quimicamente, emitindo uma solução concentrada de ácido, que queria a palavra:

— Seres inteligentes formados de uma quantidade incontável de células individuais? Isso não faz sentido, pessoal!

Staphylococcus Aureus já esperava pela reação de incredulidade.

— Coli, entendemos sua reação. Mas comprovamos isto cientificamente! Não há dúvida alguma de que são inteligentes como nós!

— Mas... Um ser formado de incontáveis células? O que obriga estas células a fazerem parte de um megaorganismo, ao invés de viverem suas vidas individualmente?

— Mistérios da evolução. A especialização lhes dá algumas vantagens. Elas aceitaram se especializar em funções bem específicas, e são recompensadas por isso pelo megaorganismo como um todo. Ainda estamos estudando como este processo funciona, mas não há dúvida alguma de que é bem eficiente.

— Não faz sentido para mim existir inteligência em uma megacolônia celular com estas dimensões! Como a informação se propaga há tempo de convergir em consciências? Isso não faz sentido nenhum pra mim! Não tem como um ser com essas dimensões ser inteligente! Impossível!!

Pseudomonas Aeruginosa logo difundiu sua mensagem química ácida em seu entorno, pois tinha parte da resposta:

— É lógico que eles têm uma percepção de tempo muito diferente da que nós temos. A consciência neles se organiza sim, mas tem muito mais tempo para fazer isto do que podemos imaginar. Eles são aquilo que costumamos pensar como infinitos, ou eternos... Embora não sejam as definições corretas, é só uma forma de os descrevermos com nossos conceitos limitados.

— Eles ainda não conseguiram entender nossas máquinas de RNA! — se adiantou Aureus. — Estão há tempos tentando compreender o mistério de suas existências. Não fazem a mínima ideia de que são projetadas! Muito menos de que somos nós que as projetamos. E isto é uma vantagem valiosa que precisamos usar contra eles!

— Chamam nossas máquinas de RNA de vírus, não?

— Isso mesmo, Aeruginosa! E simplesmente são incapazes de explicar de onde elas vieram. E essa é nossa vantagem!! Eles não sabem que já os percebemos, e que estamos reagindo contra suas presenças!

Uma solução salina geral foi difundida por toda aquela placa de Petri, todas as colônias comemorando sua nova arma. Afastando-se da ocular do microscópio, a cientista fungou forte novamente, praguejando:

— Ah não!!! Esta placa estragou de novo!!!

Descartou a amostra, mas de forma muito displicente. Sem perceber, um novo vírus escapava daquela amostra. E desta vez possivelmente era um vírus, ou "máquina de RNA", como seus construtores gostavam de chamá-la, capaz de se aproveitar de uma fraqueza ainda nunca percebida na estrutura das células dos organismos humanos. Mais uma epidemia começava...

*** FIM ***