Detalhe besta

Certa vez um cientista, muito conhecedor de tudo (quase tudo), construiu a máquina que faria um buraco através do planeta, do Brasil até o Japão. A abertura estaria localizada na Praia de Cananéia e sairia nas proximidades de Kyoto. Pelo túnel passaria uma pessoa de cada vez, ou um comboio de indivíduos, e o buraco seria revestido com um material especial, que ele próprio inventara para manter todo o percurso do túnel à temperatura de 18 graus, mesmo onde o magma chega a 6 mil graus centígrados.

O eixo imaginário da Terra tem 40.075 quilômetros e a viagem teria precisamente 40.075.002,0 metros, ou seja, o viajante chegaria ao ponto antipodal com impulso suficiente para elevar-se 2 metros acima do solo e, como ele tinha 1,80 de altura, sofreria uma queda de apenas 20 centímetros.

A máquina levou anos para ser construída mas, depois de pronta, bastaram poucos meses para a construção do túnel. Ele mesmo faria o primeiro teste. No dia e hora previstos no cronograma, vestiu o traje especial, colocou o capacete e o cinto de utilidades para emergências e, tranqüilo quanto a exatidão dos seus cálculos, preparou-se para a partida. No minuto e segundo exatos cronogramados para a largada, colocou os pés na abertura do túnel, respirou fundo e pulou, confiante na perfeição dos cálculos.

— Caramba! Não sei falar Japonês! – lembrou-se, de repente, preocupado. Como poderia ter esquecido este detalhe? Mas logo seu cérebro genial imaginou uma solução e ele prosseguiu tranqüilo na façanha que registraria seu nome na História da Ciência. Tem japonês que fala Português, não? "Falar Japonês... pra quê? Detalhe besta!" – murmurou.

Durante horas a queda prosseguiu, com velocidade crescente até o núcleo do planeta. Era impulso suficiente para chegar ao destino e elevar-se 2,0 metros acima do solo nipônico, exatamente como previsto. Um dispositivo de aceleração colocado no capacete compensava as perdas de velocidade devidas aos atritos.

Quando o relógio marcou o exato minuto e o exato segundo previstos para a passagem pelo centro da Terra, o cientista teve uma sensação estranha. Era a sensação de estar voltando para o ponto de partida. "Que será? Deve ser outro detalhe besta, de solução fácil. Os cálculos estão exatos" – ponderou.

Quando o relógio marcou o minuto e o segundo exatos previstos para a chegada no outro lado do mundo, os japoneses viram o cientista sair do buraco, elevar-se 1,98 metro de altura, para depois cair no chão. Mas... estranho... ele saiu com os pés para cima, cabeça para baixo, e ao cair quebrou o pescoço. Teria evitado a morte se, ao entrar no buraco, entrasse de ponta-cabeça. Um detalhe besta! Os cálculos estavam perfeitos!

Marco Antonio Mondini
Enviado por Marco Antonio Mondini em 14/12/2023
Reeditado em 23/01/2024
Código do texto: T7954195
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.