A Esperança de um Contato

Acreditava-se, entre os habitantes da luminosa Cerat, que um adolescente deve se dedicar de modo integral aos estudos científicos que lhe foram atribuídos de acordo com seu perfil bioenergético. Além disso, os adolescentes eram estimulados desde a infância a buscar uma conexão mais profunda com a benevolente e misteriosa entidade responsável pela criação do universo que lhes serve de morada. O estímulo simultâneo à racionalidade e à espiritualidade foi a bem-sucedida maneira que os habitantes do planeta Anelar encontraram para evoluir em harmonia.

Embora não fosse exatamente um adolescente peculiar, Kalen era dotado de insaciável curiosidade, característica que fora muito estimulada por seus tutores biológicos. A curiosidade atrai novos conhecimentos, dizia um dos mais famosos aforismos daquela avançada civilização.

Cerat era a principal megalópole do cone sul. Para lá convergiam adolescentes de vários locais da confederação com o objetivo de aprofundar e diversificar estudos científicos, além de aprimorar técnicas de meditação. Popularmente conhecida como a cidade juvenil, era alegre e festiva não apenas em razão de sua famosa iluminação, mas sobretudo pela energia vigorosa irradiada pelos jovens estudantes e por seus supervisores. Um centro de conhecimento e de diversão destinado à evolução integral.

Os lians, como se autodenominavam os habitantes de Anelar, possuíam a habilidade de visualizar essas energias e, até mesmo, de serem nutridos por elas, numa troca constante de emanações que renovava a saúde de seus corpos.

Recentemente, aquela civilização fora surpreendida por uma descoberta que muitos já não consideravam possível. Depois de incontáveis séculos de procura, finalmente seus cientistas conseguiram confirmar a existência de uma cultura familiar além de seu sistema estelar: seres baseados em carbono, fruto de semelhante processo evolutivo. O dispositivo lançado em um passado remoto e que agora viajava pela periferia de outra galáxia enviara imagens de criaturas cuja composição corpórea assemelhava-se aos lians, bem como de engenhos por elas construídos (alguns, inclusive, colocados em órbita de seu respectivo planeta), de modo a comprovar que se tratava de uma civilização inteligente.

Segundo apuraram, as imagens tinham origem no terceiro planeta de um sistema formado por uma estrela única: um pequeno mundo aquático permeado por cinco continentes.

Estavam diante da prova definitiva de que as sementes que lhes deram origem foram também semeadas em outro mundo. Era inevitável que quisessem conhecer seus habitantes, mas havia obstáculos. Seus conhecimentos apontavam para a existência de limites impostos pelo próprio universo. Para alguns, seria uma espécie de regramento estabelecido pela entidade criadora para que cada civilização planetária evoluísse a seu tempo, conforme as peculiaridades e merecimentos próprios.

Embora a velocidade da luz fosse um óbice intransponível ao contato físico entre as duas civilizações, talvez fosse possível uma comunicação intermediada pelo antigo dispositivo. Os membros do Conselho Superior de Anelar decidiram confiar essa tarefa ao principal centro de ensino da cidade juvenil, de modo a propiciar aos jovens um novo e valioso estímulo ao intelecto, além de lhes dar a oportunidade de estabelecer contato com outra civilização, conhecendo novas culturas e ampliando sua capacidade de estabelecer laços de amizade.

Em poucos dias, Kalen e seus companheiros, com o auxílio de um grupo de supervisores, encontraram uma maneira de acessar informações armazenadas no antigo dispositivo. Ficaram deslumbrados com as imagens obtidas do pequeno mundo aquático, que mostravam uma natureza em estado primitivo, de uma beleza pungente que só viam em seus estudos históricos. Estavam habituados com outro tipo de beleza, mais tecnológica e artificial, o que lhes estimulou ainda mais a curiosidade.

Alunos e supervisores passaram a tentar desvendar como seriam as emanações daquele lugar e se haveria a possibilidade de se alimentarem de suas energias, trocando vibrações de paz e amor com os habitantes do pequeno planeta azul. Sugestões de novas programações para o provecto engenho logo surgiram, até que uma delas recebeu a aprovação dos supervisores e foi referendada pelo Conselho Superior. A proposta envolvia o retorno do dispositivo àquele sistema estelar e o seu pouso no planeta vizinho – um mundo ainda menor, que abrigara vida em uma época remota.

A partir daquele mundo avermelhado, seria enviada uma sonda que, ao chegar na atmosfera do terceiro planeta, encaminharia uma mensagem ao órgão que identificaram como um centro de deliberação mundial (os nativos o chamavam de ONU – Organização das Nações Unidas). Essa mensagem incluiria um clamor pelo fim das dissidências, pois os estudantes de Cerat foram capazes de identificar que o paradisíaco planeta vivia um momento de extremismos e conflitos. A racionalidade e a espiritualidade estavam em desarmonia, mas os lians conheciam meios para harmonizá-las e desejavam cooperar.

Seriam ouvidos?