Pioneiro do tempo

- Hoje é o seu dia de sorte - anunciou o guarda da NKVD com um sorriso sardônico, antes de abrir a porta da cela sem janelas onde estava preso o engenheiro Sergei Pavlovich Koroliov. O interpelado encolheu-se ao ouvir àquelas palavras. Havia sido torturado após ser preso sob falsas acusações de conspiração, e o guarda talvez estivesse se referindo à uma execução. Sim, antes ser fuzilado do que ter que passar novamente por outra sessão de tortura, pensou.

- O que houve? - Indagou finalmente, erguendo-se.

- É o seu dia de sorte, estou te dizendo - insistiu o guarda, fazendo um gesto para que saísse do cubículo. - A NKVD tem um novo chefe. E agora, você é um homem livre.

Koroliov passou pela porta da cela, ainda achando que aquilo era algum truque perverso. Mas pouco depois de receber seus poucos pertences pessoais na administração carcerária, e ser encaminhado para a sala do chefe da segurança da prisão, confirmou o que o guarda havia dito.

- Temos um novo chefe, e ele acha que você pode ser mais útil à União Soviética aqui, do que numa mina da Sibéria - informou-lhe o oficial.

Koroliov engoliu em seco. Ser mandado para trabalhos forçados num gulag siberiano equivalia praticamente à uma sentença de morte. Escapara por pouco.

- Então... posso voltar para casa? - Indagou ansioso o engenheiro.

- O chefe quer ver você primeiro - declarou o oficial, expressão enigmática.

- O... chefe? - Koroliov lançou um olhar confuso para o homem.

- Beria, o novo chefe da NKVD - explicou o oficial. - Ele te salvou do gulag.

* * *

- Você já ouviu falar dos trabalhos deste homem? - Indagou sem rodeios Beria, o recém-empossado diretor da polícia secreta, ao receber Koroliov em seu amplo escritório no edifício Lubianka - o mesmo local onde o engenheiro estivera preso ainda a pouco. Em suas mãos, exibia algumas folhas datilografadas.

- Camarada diretor... - murmurou Koroliov, antes de apanhar os papéis que lhe eram estendidos. Após ler algumas linhas, balançou afirmativamente a cabeça.

- Sim, sei de quem se trata... é um americano, Robert Goddard. Ele desenvolve trabalhos no desenvolvimento de foguetes de combustível líquido.

- Foi o que me disseram - ponderou Beria, entrelaçando as mãos sobre a mesa. - Você teria interesse em integrar uma equipe de cientistas voltada para o desenvolvimento de foguetes... como arma de guerra?

E antes que Koroliov abrisse a boca:

- Trata-se de uma iniciativa ultrassecreta, da qual somente eu e o secretário Stalin temos pleno conhecimento.

Koroliov imaginou que caso recusasse, a opção de ser enviado para o gulag ainda estava em aberto.

- Seria uma honra, camarada diretor - assentiu diplomaticamente. - Todavia, posso perguntar porque o estado está direcionando recursos para esta iniciativa, em vez de, por exemplo, novos projetos de aeronaves? Eu sou engenheiro aeronáutico, não exatamente um especialista em foguetes.

Beria inclinou-se sobre a mesa em direção a Koroliov.

- Porque é o que os alemães estão fazendo, com base no trabalho desse Goddard - declarou. - Não vamos descuidar do desenvolvimento de aeronaves, mas precisamos ter uma alternativa para o caso disto não ser suficiente. Há uma guerra se avizinhando, e eu não creio que Hitler irá se satisfazer apenas com a anexação dos sudetos.

Koroliov, embora surpreso com o interesse dos nazistas em foguetes, não pôde deixar de concordar com o diretor da polícia secreta.

- Sábias palavras, camarada diretor - reconheceu.

* * *

- É uma honra conhecê-lo, Projetista Chefe - disse o cosmonauta após ser admitido no gabinete do chefe do programa espacial soviético, decorado com diagramas emoldurados e maquetes de foguetes e cápsulas espaciais. O homem corpulento, de cerca de 60 anos de idade, estava de pé aguardando a entrada do visitante, e sorriu ao estender a mão para que ele a apertasse.

- Você está pronto para fazer história, major?

- Não me diga que fui escolhido para ser o primeiro homem a pisar na Lua, Projetista Chefe? - Redarguiu o cosmonauta, bem humorado.

- Muito mais do que isso - sugeriu o interlocutor, estendendo a mão para uma maquete de cápsula espacial. - Você vai ser o primeiro homem a viajar no tempo.

E diante da expressão de surpresa do cosmonauta, acrescentou:

- Desenvolvemos um novo propulsor, capaz de atingir 10% da velocidade da luz; você irá testá-lo, a bordo da cápsula "Pioner". Você sabe... Einstein, dilatação temporal...

O cosmonauta assentiu, balançando a cabeça.

- Sim, Projetista Chefe... mas quando disse "viajar no tempo", achei por um segundo que falava literalmente.

O Projetista Chefe abriu as mãos, numa confissão de incapacidade.

- Somos a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, mas ainda não podemos tudo, meu caro Ippolit Tikhonovich.

- [30-12-2023]