Vertedouro

Quando o cruzador zokari "Taphaluet-II" entrou em órbita da Terra, há muito que a civilização que existira no planeta havia desaparecido. Grandes massas de gelo cobriam a maior parte da superfície, e a vida remanescente parecia concentrar-se no entorno das regiões equatoriais.

- Esse período glacial poderá persistir ainda por milhares de anos - informou a oficial de ciências ao comandante. - Parece inútil tentar estabelecer uma nova colônia por aqui nestas condições.

- É uma pena. O terceiro planeta está bem posicionado dentro do seu sistema solar, e as condições de vida sem o gelo seriam bastante adequadas para a nossa espécie.

- Se o senhor deseja marcar o lugar para futuras avaliações, - redarguiu a oficial de ciências - eu sugiro que deixemos um transportador automático de captura abaixo da camada de gelo ao norte, e um receptor de análise próximo ao equador, numa área livre de geleiras.

- Esses transportadores funcionam por amostragem? - Questionou o comandante.

- Eles transmitem qualquer matéria biológica, viva ou morta, dentro de determinadas especificações, que entre no seu raio de ação num período de tempo determinado - explicou a oficial de ciências. - Como atualmente só há gelo ao norte, se o transportador for ativado, saberemos que a superfície está novamente desimpedida e povoada por seres vivos. Então, o receptor transmitirá um alerta subespacial, para que uma nave da frota venha fazer uma nova avaliação.

- Mas, como você mesma disse, isso poderá levar milhares de anos - ponderou o comandante.

- Certamente não seremos nós quem voltaremos para verificar a alteração das condições ambientais - admitiu a oficial de ciências.

E assim foi feito. Um termoprojetor da "Taphaluet-II" abriu um poço de dois quilômetros de profundidade numa geleira no hemisfério norte do planeta, no fundo do qual, sobre rocha sólida, foi instalado o transportador. Em seguida, a nave deslocou-se para um ponto próximo da região equatorial e instalou o receptor de análise, cem metros abaixo da superfície. Foram realizados alguns testes práticos envolvendo animais nativos, vivos e mortos, os quais tiveram pleno êxito. Concluídos os trabalhos, a "Taphaluet-II" deixou a órbita da Terra e partiu para o seu próximo objetivo.

Como seria de esperar, nem a nave nem qualquer dos seus tripulantes, jamais retornaram àquele sistema solar.

* * *

- Um gerador de distorção cronoespacial? - Indagou perplexo Amir Tarik.

- Não exatamente um gerador, mas um transportador automático de captura zokari - esclareceu Najla Isam. - Do tipo que eles usavam há uns 10, 20 mil anos atrás. São máquinas bastante resistentes, que funcionam por energia geotermal, e portanto podem durar centenas de milhares de anos. Só que ocorreu uma falha no receptor há alguns milhares de anos atrás, e foi justamente isso que chamou a nossa atenção para o lugar onde localizamos o transportador: norte dos antigos Estados Unidos da América. Era uma área que, na época em que o tarnsportador foi instalado, devia estar sob uma camada de quilômetros de gelo.

- E ele estava jogando as amostras para um ponto na costa de Gaza - observou Tarik.

- Era onde estava o receptor de análise - explicou Isam. - Mas houve alguma atividade geológica extrema na região, e ele foi danificado. Para tentar fazer com que a amostra chegasse ao receptor, o transportador distorceu os vetores cronoespaciais de cada amostra, fazendo com que ela se manifestasse aleatoriamente num período de 100, 150 anos, no passado ou no futuro, dentro das coordenadas originais. Enquanto não havia vida inteligente, no planeta, isso passou desapercebido.

- Mas corpos de animais estranhos e mesmo de pessoas sem roupa, em várias épocas da história de Gaza, começaram a despertar a atenção - ponderou Tarik.

- Era o transportador tentando entregar amostras ao receptor - assentiu Isam.

- E isso explica o fato dos zokari jamais terem voltado para implantar uma colônia aqui - comentou Tarik. - Afinal, o receptor não estava mais funcionando quando a última era glacial terminou.

- Talvez se isso houvesse acontecido, nos teríamos nos livrado de uma série de problemas na história da humanidade - sugeriu Isam.

- Mas iríamos nos tornar uma colônia de um império estelar - replicou Tarik.

- Ao menos, estaríamos unidos enquanto habitantes da Terra, já que nossos colonizadores seriam de fora deste mundo... e não de um outro continente.

Tarik fez um gesto afirmativo.

- Um inimigo externo talvez nos houvesse unido enquanto espécie - ponderou. - Mas, jamais saberemos.

- [31-12-2023]