O Político Que Alimentava Todos

 

Preâmbulo

 

No final do século XXI, o mundo estava bem diferente de quando se ouviu pela primeira vez falar de carros elétricos, de smartphones e de viagens espaciais — nos museus mais renomados, podemos contemplar tais relíquias e outras peças arcaicas do início desse século que estão relativamente bem conservadas. Elas sempre estimulam a mente do espectador a imaginar-se naquele período.

 

Bem, sabemos hoje de países que existiram naquela época em razão das ciências históricas e arqueológicas. Elas felizmente se desenvolveram muito graças aos avanços da computação quântica. Pode-se até reproduzir certos eventos da época em hologramas com bastante detalhes. É incrível! Eu particularmente amo revisitar as performances de Michael Jackson. Mas, voltando ao ponto, alguns países ainda permanecem atualmente, entretanto uns ganharam mais territórios e outros se dividiram em Norte e Sul, ou em zonas. Alguns se fundiram. Naturalmente, novas línguas surgiram. Graças à tecnologia sofisticada de tradução, você, meu bom leitor, estará lendo esse texto na língua mais íntima e própria para você.

 

Muitas coisas mudaram de lá para cá. Tornaram-se sofisticadas, mas outras estarrecedoramente permaneceram as mesmas! Na verdade, apenas duas coisas se conservaram essencialmente as mesmas, e podemos dizer que são uma só: a política e a democracia.

 

Meu bom leitor, você já conhece o sistema. Eu seria presunçoso de lhe explicá-lo. Os obsoletos Homo sapiens do início do século XXI já o conheciam. Céus! Até os bestiais romanos! Portanto, quero explanar a você uma história da humanidade de todos os séculos.

 

***

 

Em meados do século XXI, existia um político. O típico o qual promete na campanha para ganhar votos, mas depois de eleito legisla e governa para si mesmo. Ele era um glutão voraz e beberrão, um exemplar alcoolomaníaco. Adorava grandes banquetes e cerimônias públicas assentadas para definir novas (vulgo velhas) políticas sociais para o bem do povo.

 

E o dinheiro para bancar essas cerimônias? Bem, meu perspicaz leitor, claro que era fruto dos penosos impostos coagidos contra o povo. Monarquia, República, Império, Feudalismo, Comunismo… Todos arrancam ouro, dólares, créditos dos mais descartáveis. Claro! Claro...

 

Nosso ilustre político comia, devorava e engolia de tudo o que podia na hora das refeições. Conhecia de cor molhos, temperos e pontos. Bebia etílicos a metros cúbicos. Seu salário cobria o melhor do tratamento médico mais renovado daquela contemporaneidade, logo ele podia afundar-se em carboidratos, lipídios e álcool sem se preocupar com as doenças muito comuns do início do século. Além dessas doenças obsoletas, ele também não precisava se preocupar com DST.

 

Seu “hobby” noturno (longe dos aposentos da sua idônea esposa católica praticante) consistia em conhecer, no sentido bíblico, mulheres profissionais, versadas em anatomia e fisiologia humanas, habilidosas em extrair o deleite mor corpóreo de um homem. E graças ao explosivo avanço das ciências químicas, ele poderia tomar o comprimido azul — a tradição antiga o manteve na cor azulada — e nosso político ganhava o vigor de um urso ensandecido para copular.

 

Deveras um político com grandes ambições. Um grande homem!

 

Aconteceu que num dia seu corpo colapsou, implodiu como um eletrônico que entra em curto e gera fogo, depois de um forte estalo. Muitas dores lhe atacaram e lhe faziam ranger os dentes e a rezar para deuses dos quais ele nunca acreditara. Jesus foi clamado como “O Santo Buda, Filho de Nossa Senhora Parvati” pela boca do nosso simpático político. De fato, ele estava assaz vulnerável.

 

Visto esse caso, foi levado rápido ao hospital — o melhor deles, o crème de la crème que havia no Estado, e lá lhe fizeram exames de J, exames de U e mais exames de S, T e até O. Seu plano de saúde cobria tudo, tal como suas camisinhas lhe cobriam o membro para as suas cobiçadas meretrizes. Cada exame, dependendo de qual, custava na média de três a doze salários-mínimos de um trabalhador comum.

 

Após os exames, foi informado ao político pelo médico de que ele havia desenvolvido um câncer no estômago, um em estágio avançado. Contudo, ele entrou na lista de receptores para um novo órgão. Como um homem público influente, importante para a manutenção política da Nação, ele recebeu em menos de duas semanas dois órgãos compatíveis a ele. Nessa época, o receptor do órgão podia decidir qual peça queria receber. A durabilidade de um órgão era estendida — Créditos à biologia e às ciências fisiológicas. Os médicos lhe relataram os prós e os contras de cada peça em mãos. O nosso amigo político pensou, e pensou, e então deu sua resposta:

 

Eu quero os dois órgãos. É possível, dotô? 

O médico refletiu por um instante e lhe respondeu:

Sim, claro, temos recursos para unir dois estômagos em um só. 

 

A cirurgia foi realizada. Um sucesso! O dobro de um estômago surgiu. A bariátrica reversa.

Assim meses se passaram...

 

Nosso singelo político voltou a comer como um búfalo modificado geneticamente e a beber como um foguete que recebe combustível para voar até Marte.

 

Com sua nova vida, ele legislou e ganhou mais salários e benefícios para sua classe. Participou de mais cerimônias em nome do bem-estar do povo. Tudo graças às novas tecnologias, tudo graças à burocracia maleável para os mais abastados, tudo graças à democracia. Não esqueçamos! Todos são iguais perante a lei. Equidade é o princípio básico de toda Nação pré-século XXII.

 

Epílogo

 

Meu ilustre leitor, talvez você se pergunte: “Qual é a origem daqueles órgãos, dos estômagos?” Então, nobre amigo, dos dois estômagos, um veio de João Miguel, um mecânico que acordava às cinco da manhã para abrir sua oficina e trabalhava até as nove da noite. Cuidava de dois filhos. Os impostos eram altos, então ele sacrificava seu almoço e janta para dar aos seus filhos. Ele morreu de desnutrição.

 

O segundo estômago veio de Maria Alice, uma doméstica. Como os impostos eram pesados, não sobrava muito para ela comprar remédios para sua doença arcaica, o diabetes. Ela também tinha filhos para dar de comer. Ela faleceu em um banheiro público de rodoviária, quando voltava para casa.

 

Mas o nosso bom político manteve as barrigas de João e Maria, seus estômagos, bem cheias. Por um bom tempo, seus buchos experimentaram do bom e do melhor. Toda lagosta da boa e todo vinho tinto do bom.

 

João Flávio
Enviado por João Flávio em 05/01/2024
Reeditado em 04/02/2024
Código do texto: T7969313
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