Rotina

Escrito por Júlio César Davs e dedicado a L.

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Ela era uma de minhas pacientes, apresentava distúrbios do sono, seguidos de insônia e outras paranóias. Maria era seu nome, e ela sempre contava a mesma história, a qual não me impressionava até que um dia os detalhes pareceram-se reais demais...

Doutor Júlio, foi um dia normal que voltava para o meu trabalho como tantas vezes havia feito, como tinha saído mais cedo e o ônibus estava demorando muito para sair do ponto além de estar lotado resolvi mudar meu caminho e vir a pé, é uma caminhada razoável até a minha casa, mas é relativamente perto, porém com uma subida íngreme demais, mas como estava acima do peso e de dieta (como todas as mulheres sempre estão), raramente mudo alguma cosia no meu dia-a-dia e esse dia estava com um mal pressentimento, tudo conspirava para que eu esperasse o ônibus e fizesse tudo igual, mas queria mudar, precisava agitar, fazer algo para mim, diferenciar, ignorei meu sexto sentido, achando que isso não existia...

Se você não consegue ver ainda não significa que não exista - a voz dizia, em tom amigável, beirando um sutil sarcasmo e uma leve risada. De onde vinha essa voz ? De dentro de mim, dos meus próprios sentidos ... Não !

Estava em uma rua, já bem próxima da minha casa, a escuridão ia tomando conta da tarde, já era noite e estava distraída, quando...- Entra no carro – Tente correr, um cara muito alto desceu do carro me segurou e me colocou com toda força no banco de trás e me deu um soco na cara.

Você viu aqueles de ontem ? E aquele gordão o que aconteceu ?

Esse foi embora, virou presunto já... Aliás precisamos desovar que o Senhor Demoníaco não vai gostar...

- Hahahaha é mesmo...Ele têm uma certa tolerância a coisas velhas demais...

Por falar em velho, precisamos trocar esse rádio do carro, hein...

É, mas já tenho meu Ipod, não vou ajudar você a comprar um rádio para essa banheira velha.

Egoísta.

Hahahaha...

Ouvi a conversa dos homens e acordei, era uma carro enorme e tinha uma proteção atrás, comecei a gritar e pedir por socorro... Eles ignoravam, bati no acrílico que separava o banco de trás dos da frente ... eles me olharam...e perguntaram onde eu tinha conta bancária. Falei, mas perguntei o que eles fariam comigo e para onde eu iria. Eles riram e apenas falaram que eu iria conhecer o senhor Demoníaco. Eu estava desesperada, chorei e gritei, tentei quebrar os vidros em vão, pedir pelo amor de Deus.

O telefone tocou e eles mudaram da feição tranqüila e fria para um desespero. Um deles começou a conversar comigo - Vamos ter que ir a casa antes, fique tranqüila que você irá conhecê-lo, depois vamos no banco, nós não faremos nada com você quem fará é ele, trabalhamos para ele e vivemos desse dinheiro e do dinheiro das vítimas, se você se rebater será pior, pois teremos que desacordá-la , ele irá te torturar e você ainda terá que estar viva para falar o número do seu cartão e pegar o dinheiro para gente, portanto um conselho: comporte-se agora para permanecer inteira por mais tempo...

Estava tão desesperada que comecei dialogar com ele, já não tinha mais forças... - Eu lhe dou todo dinheiro que tiver, não é muito, mas solte-me, tenho família, tenho uma filha que não tem pai eu sou tudo que ela tem fora os demais familiares, e ainda cuido da minha mãe que é idosa e doente.

Todos dizem isso – Falou o outro rapaz que era mais frio e quieto. Mas tenho um trato com o Senhor.

A casa era escura, mas bonita, antiga, com um aspecto colonial, passamos por todos os aposentos, tentei gritar e fugir, o outro rapaz me segurou e disse, você deve ficar quieta, quando vi uma criatura descendo as escadas, que deveria ter 3 metros de altura, forma humana, capuz e um rosto que não consegui ver de perfil, mas era horrendo algo com. Ele é o Senhor Demoníaco... Como os rapazes falavam... Ele fez sinal para o outro capanga que chamou o nome dele e quando isso aconteceu, senti muito frio era um nome estranho, algo em uma língua que nem sei...

Saímos da sala e quando vi estávamos nos fundos que dava a vista para um rochedos com um pouco de areia e mar, mas a maioria eram pedras, então consegui ver a casa de fora era num lugar distante e muito bonito e ao mesmo tempo amedrontador. Tinha uma maca e o outro rapaz veio para jogar o corpo ao mar, era de um senhor gordo que estava nu e cheio de marcas na pele, algumas eram cruzes, sua barriga estava semi aberta e o corpo já entrava em decomposição. O cheiro era asqueroso, ele devia ter sido queimado em algumas partes da perna pois via bolhas e dessas saiam líquidos purulentos.

Esse é o de ontem, né.

Não, é o da semana retrasada

Nossa, são parecidos. Ele durou com esse ai, hein!

Hahahaha

Entrei em pânico, chorei e ajoelhei por minha vida...- Socorro eu preciso sair daqui a minha filha, Socorro. O que ele faz com as pessoas ?

Ele tortura, como eu disse e mata.

Pelo amor de Deus socorro, em salva, por que vocês fazem isso?

Temos filhos também e ninguém nos dava emprego, fomos presos por roubar comida e conhecemos o Senhor ele nos deu uma nova oportunidade, ninguém queria dar emprego para gente quando saímos da cadeia, não queriam nem saber o por que que fomos parar lá.

É mano, mundo cão.

A senhora é médica?

Não, sou enfermeira. Ele escolhe as vítimas?

Sim, ele conhece tudo e manipula as situações, apenas temos que levar vocês á casa e pegar o dinheiro.

Ele vai em matar ? Eu não posso morrer, muita gente depende de mim!

Todos dizem isso! Mas ele pode não te matar, sabia! Muitos já saíram vivos, a maioria sai morto, é fato, mas num compensa sair vivo não, por que ele judia demais, Dona... As pessoas sai bicho feio e num consegue se recuperá muitas vezes !

Raras saem inteiras e vivas, mas sofrem muito quando isso acontece!

E ele existe mesmo, o que ele é ?

Ele é um ser das trevas, existem vários.

Nunca acreditei nisso

Existem muitas coisas, que não vemos, mas que existem...

Se você não consegue ver ainda não significa que não exista

Quem disse isso ?

Isso o que, senhora ?

Fomos ao banco, eles varreram todas minhas economias, mas a essa hora eu não estava preocupada...

Isso para mim, e essa é sua parte, no próximo te dou o que sobrar, ok ?

Seu egoísta, você sempre quer tirar vantagem, né

Não é isso seu burro, é que deu número impar e a divisão não é igual e dinheiro grande num tem troco, depois te dou..

Sempre eu que fico...

Cala a boca , então fica com a parte maior, imbecil...No próximo eu fico com o resto...

Ué, cadê a moça...

Enquanto os rapazes discutiam consegui fugir, mas depois desse dia mudei de casa, minha mãe faleceu e minha filha entrou em depressão, o resto da minha família não fala mais comigo e todas as noites passo em claro, quando cheguei tarde em casa foi um alívio, a única coisa que tenho é minha profissão e minha filha, e isso não pode continuar, até hoje escuto a voz... Se você não consegue ver ainda não significa que não exista. Por isso vim te procurar, como profissional da saúde também sei que devo me cuidar...

Meu diagnóstico frio e pragmático na época foram alguns remedinhos a base de fluoxetina, mas um dia em que mudei minha rotina coisas estranhas começaram a acontecer e recebi um paciente um jovem com uma camiseta escrito“If u can´t see it doesn´t mean it can´t exist" Na hora não reparei apenas, olhei e pensei que era mais uma dessas camisetas de frase em inglês que os jovens usam tanto hoje em dia...Mas tudo foi se encaixando... A partir desse dia, minha amiga !

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* Essa é mais uma história do meu amigo psiquiatra Doutor Júlio César a qual compõe seu cenário de loucura, até seu misterioso desaparecimento...