Duas mulheres. Uma noite. Um tiro.

Duas mulheres. Uma noite. Um tiro.

Chovia muito na cidade.

— Alô... o quê? Não é pra hoje?.... não, tudo bem, então.... só na terça? Ta certo.... obrigada..... Tchau. — dentro do ônibus falava ao celular uma mulher morena de negros cabelos encaracolados. Estava indo para a faculdade só entregar um trabalho, mas após a ligação mudou de idéia, ia voltar para casa. Este trabalho tinha demorado tanto fazer, mas foi um alívio ter sido adiado, pelo menos assim podia melhorá-lo.

A chuva estava ficando cada vez mais forte. Saiu daquele ônibus e pegou um outro para voltar para casa. Já estava anoitecendo quando, já dentro do outro ônibus, seu namorado liga chamando-a para assistir um filme em sua casa e dizendo que a pegaria na casa dela. No percurso observava os pingos de chuva escorrendo na janela, as poucas pessoas que andavam na rua e as árvores balançando sob efeito do forte vento.

Do outro lado da cidade uma outra mulher de pele clara, de longos cabelos loiros e vestindo uma blusa branca acabava de sair do laboratório na qual trabalhava. Ela parou um instante na porta para abrir seu guarda-chuva, e saiu.

“Essa chuva...” pensou. Sua casa era distante do trabalho e no caminho tinha que passar por lugares que historicamente alagava quando chovia. Saiu preocupada com esse fato, mas não deixou de pensar na janta que sua mãe prepararia para ela quando chegasse em casa, nem do que teria de estudar para as provas dos dias seguintes; também pensava em descansar, aquele dia tinha sido muito cansativo.

— Não pai. A gente está assistindo o filme. — Falou um rapaz, ao seu lado estava a mulher de cabelos pretos. — O senhor não pode assistir isso em outra televisão.

— Eu cheguei cansado, passei o dia fora trabalhando e só tenho esse tempo para descansar. Além do mais só nessa televisão tem TV a cabo.

— Vamos. Deixa teu pai assistir, a gente vai conversar na sala. Ficar discutindo não adianta, outra hora a gente termina de assistir o filme. — Falou a mulher de cabelos pretos para o namorado.

- Sente aqui — falou a mulher de ondulados cabelos loiros para uma senhora de já idosa que acabara de entrar no ônibus. O ônibus estava cheio, este horário sempre tem muita gente, não importa se faça sol ou chuva.

- Obrigada minha filha. — Falou a senhora, ela estava vestida com um longo vestido florido que chegava até os joelhos, sua pele era clara e mostrava os sinais do tempo. Ela olhou para a jovem que acabara de ceder o lugar e lançou um doce sorriso. Imediatamente a mulher de cabelos dourados sentiu-se calma e feliz. — Qual é o seu nome? - perguntou em seguida.

- Maria Eduarda. Mas pode me chamar de Duda.

- Obrigada Duda.

Deitada sobre as pernas de seu namorado a mulher de cabelos negros o fitava enquanto ele enrolava seus dedos sobre os cabelos dela. Conversaram e namoraram durante mais de uma hora depois que pararam de assistir o filme.

- Amor já ta ficando tarde. Tenho que ir. - Falou ela calmamente.

Ele olhou para o relógio, consentiu com a cabeça, deu um beijo nela e foi pegar a chave do carro pra levá-la para casa. Ao abrirem a porta sentiram o cheiro da chuva e a sensação, mais forte do que nunca, de frio.

- Sabe, eu tinha uma tinha filha tão parecida com você. - falou a senhora dentro do ônibus para Duda. A mulher de cabelos dourados tomou um susto, pensava na sua mãe e no seu irmão - mas ela morreu nova mais ou menos com a sua idade. - continuou.

- Eu não espero morrer agora, espero viver muito. ─ Falou Duda, como é que tinham entrado naquele assunto, pensou, nunca gostou de pensar na morte.

- E vai viver, se Deus quiser.

Era o terceiro sinal vermelho que os ocupantes do carro, a mulher morena de negros cabelos encaracolados e seu namorado, pegavam. Estavam indo em direção a praia, esse era o caminho mais curto que tinha entre a casa dos dois.

Se não fosse a forte chuva, Duda, de dentro do ônibus poderia ver o mar, Já estava parada a mais de 10 minutos no engarrafamento.

Dentro do carro os dois namorados falavam sobre o futuro dos dois, sobre fazer direito e fazer concursos para mudar de vida, sobre a família de cada um. Após o sexto sinal eles finalmente dobraram na Avenida Beira mar.

“Essa chuva” pensou as duas mulheres ao mesmo tempo sem saber, é claro, da existência da outra.

A avenida estava como um rio, com a água a uns 60 centímetros de altura. O mar estava revolto e o vento muito forte. Muitos carros ficavam parados, outros tentavam ir por ruas laterais, para se desviar da água.Até mesmo os ônibus tinham dificuldade de atravessar.

- Vai dá para passar por aqui não, é melhor ir por outro lugar não é não. ─ Falou a mulher de cabelos escuros para o namorado.

- Não, vai dá certo, este carro consegue amor.

- Essa chuva está forte, amor, estou com um mau pressentimento.

- É verdade, fazia tempo que eu não via uma chuva tão forte aqui na Orla, essa visão é única minha filha – falava senhora para a cara de assustada de Duda – foi numa noite que nem essa que minha filha morreu, chovia muito forte e o vento assobiava muito na sacada de minha varanda.

- Vivian, Vivian não vai acontecer nada. – falava o namorado para a mulher de cabelos escuros.

- Por que o ônibus parou? – falou Maria Eduarda – não dá mais para passar? – as pessoas do ônibus começavam a conversar umas com as outras, a forte chuva não as deixavam ver muito além que alguns metros.

- A rua está interditada? O que foi que aconteceu? Dá pra dá ré? – perguntou Vivian de dentro do carro.

- É, está interditada, tem que esperar o carro de trás sair para dá ré e fazer a volta no quarteirão.

No meio da chuva corria um homem moreno de camisa branca e calça preta, lutava contra o vento, o frio e a água nos seus pés. Mas ele não era o único que corria por entre as ruas alagadas, cinco policiais estavam atrás dele, mas a chuva prejudicava a visão de qualquer um.

- Abra a porta – gritava um homem do lado de fora do ônibus – Abre essa porta agora! – O homem de blusa branca então apontou bateu a arma no vidro da porta do ônibus, todos dentro começaram a gritar, inclusive Duda, A única que parecia calma era a velha senhora na qual Duda cedera seu lugar.

- Calma, minha filha, não vai acontecer nada, tudo vai dar certo. – Falou a velha senhora, mas mal terminara de falar a porta do ônibus foi aberta e do lado de fora entrou um homem de blusa branca toda molhada e calça jeans, com uma arma de fogo nas mãos, colocou a arma na cabeça dói motorista e pediu que todos ficassem em pé e próximos a janela, sem falar nada.

Viviam viu tudo do lado de fora, ela e seu namorado estavam, dentro do carro que estava logo atrás do ônibus. Vendo os policiais ela abriu a porta do carro e foi ao encontro deles.

- Viviam, Viviam o que você está fazendo?

Mas Viviam não escutou seu namorado e pouco tempo depois de ter avisado aos policiais o que tinham visto sentiu as mãos de seu namorado no seu ombro.

-Vamos voltar para o carro, o que você está fazendo?

- Um homem... Um louco entrou naquele ônibus com uma arma, você não viu?

Ele não tinha visto nada, nem ele nem os policiais, naqueles segundos que sucederam a entrada do homem de blusa branca no ônibus Manoel, namorado de Viviam, e os policiais estavam olhando para a grande onda que invadiu a praia.

- Deixa isso pra lá agora isso é trabalho para os policias, você já disse o que sabia, agora vamos para o carro.

Mas antes que pudesse fazer alguma coisa Viviam olhou para os passageiros do ônibus todos em pé na frente das janelas, sentiu um medo por aqueles que estavam lá dentro.

- Já falei para ficar em pé – Falou o seqüestrador agora, apontando a arma para a senhora que estava conversando com Duda.

- Ela é uma Senhora idosa. Não pode ficar muito tempo em pé. – Falou Duda

Neste momento o seqüestrador agarrou o pescoço dela e falou:

- Quem você pensa que é, mocinha. Acha que um rostinho bonito vai lhe salvar agora. – Logo em seguida ele a jogou contra a senhora idosa. Naquele mesmo instante uma pedra chocou-se contra uma das janelas do ônibus tirando a atenção do homem de blusa branca. Aproveitando a distração o motorista, tomando coragem, abriu a porta do ônibus e saiu deixando-a aberta. Começou um tumulto no ônibus, muitos gritaram e tentaram sair, alguns homens corajosos tentaram tirar a arma do seqüestrador e bateram nele.

Viviam viu tudo, ficou ao lado do ônibus e pode ver momentos antes do motorista sair uma criança pedindo socorro pela janela molhada. Tinha sido Viviam que atirou a pedra.

- Venha senhora - gritou Duda no meio da confusão. – Venha, vamos aproveitar e sair.

Neste momento o seqüestrador estava imobilizado pelos homens do ônibus, conseguiram tirar a arma da mão dele mas ela caiu perto do banco do motorista. O seqüestrador viu onde ela tinha caído e lançando-se contra os banco do ônibus, ao mesmo tempo que gritava, fez com que seus algozes o soltassem.

Duda escutou o grito do homem de blusa branca e olhou para o lado quando viu ele já correndo para frente do ônibus para pegar a arma. Ela entregou a senhora para uma mulher morena de cabelos pretos e valentemente deu um chute no rosto de seqüestrador antes que ele pudesse pegar a arma. Nesse momento o seqüestrador caiu mas logo se levantou. Duda saiu do ônibus e o homem de blusa branca pegou sua arma evitando a fuga que qualquer outro que tentasse.

Uma criança chorava no fundo do ônibus, nos braços de sua mãe. Os homens que tinham segurado e derrubado a arma do seqüestrador estavam caídos sofrendo pelo impacto que tiveram ao serem arremessados contra os bancos, um deles bateu a cabeça na janela e estava desacordo.

O seqüestrador tomado pela ira, foi em direção às janelas do fundo do ônibus e nem viu que a polícia estava entrando no veículo. Ele só queria se vingar. Então ele a viu, uma mulher de cabelos dourados, de costas ajudando a velha senhora a ficar de pé.

Ao sair do ônibus Duda procurou a velha senhora e a viu sendo carregada nos braços pela mesma mulher que a ajudara a tirar a senhora do ônibus. Ela pôs os braços da senhora sobre seus ombros, assim como fazia a outra mulher enquanto que escutava a senhora falando:

- Eu estou bem, obrigado pela ajuda. Podem me deixar andar. – Ela então notou o que as duas jovens não tinham notado, um homem se projetando para fora do ônibus com uma arma na mão. E num movimento repentino, a senhora se pos na frente de Duda, levando a bala que era desferida para a jovem de cabelos dourados.

Mal havia atirado os policiais prenderam o seqüestrador. O imobilizarem e levam para a viatura.

Manoel assistiu a cena ao lado de seu carro, a poucos passos de onde Duda e Viviam seguravam o corpo da senhora.

- Eu não disse que você não ia morrer jovem. – Falou alisando a rosto de Duda. – Obrigada minhas filhas. Posso morrer em paz agora. E então finalmente um olhou nos olhos da outra, e o que viram foram apenas uma coragem destroçada pelo pesar.

Lágrimas caíam dos olhos das duas mulheres. Elas ficaram ali por um bom tempo, os passageiros saiam do ônibus e paravam ao ver a imagem de duas mulheres corajosas chorando sentadas na rua velando um corpo sem vida.

Foi tarde que as duas chegaram em casa. Manoel deu carona para Duda e em seguida levou sua namorada em casa. Com o tempo as duas mulheres se tornaram amigas, mas o momento em que trocaram os olhares pela primeira vez nunca foi esquecido por nenhuma das duas.

Bruno Edson
Enviado por Bruno Edson em 29/06/2008
Código do texto: T1057161
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