O convite

José Osório era um sitiante muito conceituado na região onde morava. Cumpria todas as suas obrigações. Pagava todas as suas contas em dia. Não gostava de financiamentos bancários, mas era difícil evitar uns de vez em quando. Seu sitio era bem afastado da cidade e se localizava numa espécie de vale. Carro não tinha. Porém, o trator era suficiente para o transporte de sua pequena família, e forte o bastante para sair de lá em dias de chuva. A vida seguia tranqüila, economizava um dinheirinho para as horas de emergência e sua esposa estava grávida pela segunda vez. Seu primeiro filho tinha apenas um ano e meio de idade.

Num dia desses, ao cair da tarde, seu compadre Ernesto, juntamente com sua mulher Josefa, apareceram por lá e ficaram para o jantar. Não era nem sábado, nem domingo, isso causou alguma estranheza, mas, como os compadres eram quase membros da família, passou batido. Conversa vai, conversa vem, após o jantar, em meio a assuntos supérfluos e desconexos, surgiu um convite.

- Zé, nós estamos participando de umas reuniões bem interessantes. A gente fala da vida, de Deus, de fraternidade, oramos, e finalmente, passamos por um processo de limpeza espiritual. E isso é bem legal. Ernesto falava empolgado.

- Compadre, você virou crente?

- Não! Eu continuo católico. Essas reuniões são para o crescimento interior.

- Eu não to entendendo.

- Te explico. A gente foi encarregado de convidar mais um casal para participar com a gente, e pensamos em vocês. Muito mais gente do que vocês imaginam participam na cidade, independente de religião.

- Não sei não! José Osório estava cheio de dúvidas. Não sabia o que dizer. Eles eram muito amigos. De infância. – Vou pensar. Quando é?

- Sábado à noite.

O casal ponderou, ponderou, e pela manhã decidiram:

- Vamos participar.

Se os seus melhores amigos participavam e estavam felizes, por que eles não podiam? E assim aconteceu.

Todos os sábados estavam lá, assimilando aqueles novos dogmas. Uns, eles não aceitavam, outros, não compreendiam, mas, para a maior parte, aplaudiam. Voltavam para casa leves e felizes. Não paravam de comentar sobre as coisas novas que aprendiam. Eles viviam em função do sábado. Não viam a hora de chegar. Em poucos meses já se reuniam, além desse dia, terça e quinta.

Seu líder exigia a presença de toda a família. Se não fosse assim, castigos cairiam sobre aquele lar – Ele alegava que não eram palavras dele, mas do grande Avatar, que vivia no Nepal. Esse era o guru mor daquela seita. Diziam que tinha mais de setecentos anos de idade. Ele era o escolhido pelos ETs, que periodicamente o visitava. Segundo ele, esses seres siderais vigiavam a terra e só escolheriam os que iriam morar com eles no espaço, ou sei lá onde, se durante a vida terrena alcançassem a perfeição ou os que não desobedecessem as regras. Por isso deveriam seguir rigorosamente os conselhos do seu líder.

O tempo passou, e Osório nem percebeu que a sua mulher já estava com uma barriga enorme, já pelos dias. Isso causava a ela algum incômodo, e não se sentia disposta em sair com o marido para a cidade. Era longe, o trator sacolejava muito, ainda por cima o tempo estava fechando para chuva. A idéia não o agradava. Insistiu. Não adiantou. Começava a chover. Resolveu subir sozinho, mesmo assim, sob protesto.

À medida que se afastava do sítio com seu trator, o céu escurecia pela chegada da noite e pela tempestade que estava prestes a cair. A escuridão só era quebrada pelos raios e relâmpagos que faiscavam por todos os lados. Começou a ventar forte, e junto ao vento, um clarão intenso iluminou toda a área em que o Jose Osório estava passando. O clarão seguiu em direção ao seu sítio. A chuva começou cair torrencialmente, mal ele conseguia ficar com os olhos abertos. Num lapso de segundo veio a sua mente o que seu líder havia prevenido: “Não deixe sua família. Sempre os leve consigo nas reuniões. Ou uma maldição abaterá sobre eles”.

Imediatamente presumiu: “Aquele último clarão era um disco voador. Eles vieram buscar minha família. Tenho que voltar pra lá rápido”.

E saiu gritando estrada abaixo:

- Não levem minha esposa e meu filho.

Chegando lá, notou que a porta da frente estava aberta. Entrou correndo com a roupa enlameada, chamando e gritando desesperado. Ninguém respondeu. E a chuva caía ainda mais forte. Então se perguntava aos berros:

- O que foi que eu fiz!? O que foi que eu fiz!?

Duas horas depois, a chuva já se acalmara e sua mulher e seu filho apareceram. Eles tinham ido se abrigar no sítio vizinho por medo da chuva.

Ela abriu a porta e uma cena a chocou.

José Osório estava pendurado no meio da sala.

Wilian Aparecido da Cruz
Enviado por Wilian Aparecido da Cruz em 11/03/2006
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