[SEM TÍTULO]

1. O AMANHECER

Erohn por tantas vezes morreu, e por outras mais ressucitara, que sua vida não fazia mais sentido algum. A cada amanhecer sua cabeça girava como a ciranda dum carrossel fazendo-o sentir terrível dor. De si, pouco sabia, a não ser das mortes pelas quais era responsável, pois estas não o deixavam em paz.

Como quase sempre, acordou nos arredores da velha ponte, ligação entre a ilha e o continente. Ali perambulavam grande parte dos mendigos e moradores de rua da metrópole. Erohn era mais um deles. Seu Jeans rasgado e sua camiseta suja com velhas manchas de sangue o diferenciavam dos demais. Ele era só, e nenhum dos outros moradores do local arriscava-se chegar a uma distância inferior a dez metros de Erohn.

Naquela manhã, mais do que qualquer outra, ele sentia o amargo invadir-lhe a boca, e a fome por respostas castigar seu estômago. Como de costume, pouco se lembrava do dia anterior. Flasches criavam em sua mente uma imagem turva de gente correndo, de gritos, e do cano de uma quarenta e cinco apontar para sua testa. Chegou a ouvir o estampido, mas como das outras vezes sabia que ainda estava vivo, simplesmente pelo fato de acordar novamente, embora não entendesse por qual motivo a morte lhe negara carona.

Levantou-se sobressaltado. Precisava ir em busca de respostas.

Erohn sabia que os homens precisam saber de seus passados, principalmente quando querem descobrir quem são no presente.

2. O VELHO

Seus olhos refletiam um abismo negro em forma de duas jaboticabas graúdas. Vazio e sem direção olhava o horizonte. Vislumbrava a metrópole, imensa como nunca ouvira falar de outra. Nas ruas o vento soprava carrengando lixo e vozes perdidas, sem destino comum para chegar. Os cabelos desgrenhados e sujos de Erohn, bem que tentavam acompanhar o vento, mas mal se moviam.

Ele caminhava pelas calçadas, enquanto os poucos que se arriscavam andar naquele lugar desviavam-se do caminho do homem com cara de mal. Erohn partira naquela manhã com desejo de respostas, queria saber quem era, pois sentia a necessidade de dar um basta em seu passado de incertezas.Nos prostíbulos que cercavam o lugar, poucos amantes encerravam suas aventuras noturnas. Foi um destes velhos, que distraído, foi sacado pelo pescoço por Erohn. "Diga-me quem sou." Proferiu uma voz aguda e terrivelmente assustadora. Talvez por isso ele pouco falasse. Dizia sempre apenas o necessário.

O velho tremia, e pedia clemência. Seu pavor era tamanho que chegou até mesmo se urinar nas próprias calças. É que Erohn não era como um destes mendigos que você conhece, fraco e maltrapilho. Suas roupas sim eram de alguém que vivia na rua, mas seu físico, nem de perto poderia lembrar um faminto de rua. Ele era forte, muito forte. Nem mesmo Erohn podia compreender, já que esquecera a ultima vez que fizera uma refeição. Ele não almoçava, não jantava, e muito menos fazia exercícios. "Talvez a morte me alimente". Pensou muitas vezes.

O Velho estava pálido. Não lhe bastara a prostituta ter sacado suas poucas forças, e seu dinheiro, tinha ele agora um brutamontes a lhe apertar o pescoço roubando seu ar e suas energias. Seus pés estavam suspensos no ar, e ele estava próximo de falecer, e sua mente dobrava em eco aquela voz terrível "diga-me quem sou?"

- Está bem, Eu falo. Disse o velho com o pouco de força que lhe restara. Erohn soltou-o, e aguardou suas palavras. O velho puxou uma golfada de ar, e ainda com muito medo começou a falar: - Olhe aqui meu jovem. Juro que não sei que você é... Erohn ameaçou partir novamente sobre o velho, mas foi impedido pelo mesmo, fazendo sinais que continuaria sua fala. - Não posso dizer que você é, e não sou a pessoa mais adequada para tal, mas acredite, quero te ajudar. Existe um lugar nesta metrópole que todos sabem quem somos. Vá lá, vá ao departamento de polícia que lhe garanto que lhes dirão quem você é.

Não era a resposta que Erohn gostaria de ouvir, mas ao menos era uma pista, e ele iria segui-la, embora não tivesse vaga noção de onde ficasse o departamento de polícia.

3. O DEPARTAMENTO DE POLÍCIA

O departamento de polícia era um prédio antigo, com tijolos à mostra. Tinha muito espaço físico no estacionamento, repleto de viaturas. Erohn chegou até o local por intuição, já que jamais parou para pensar onde ficava o departamento, simplesmente seguiu até ele. O velho lhe dissera que ali o informariam que ele era, e era apenas isto que lhe importava.

Policiais entravam e saiam num fluxo regular, e nenhum deles chegou a prestar muita atenção no mendigo que se aproximava. Sim Erohn não passava de um mendigo, e geralmente eles não são notados. Por isso ele foi entrando como se portasse o dom da invisibilidade. Os policiais estavam mais atentos aos presidiários que carregavam, ou com a embalagem de café e rosquinhas que o entregador lhes trazia. Nenhum interpelou Erohn.

O mendigo entrou num saguão amplo, onde muitas pessoas estavam sentadas a espera de algo. Ele percebera que algumas estavam algemadas, outras não. Erohn tinha por hábito realizar o reconhecimento do ambiente em qual entrava, e por isso permanecia em silêncio, pois antes de perguntar a alguém quem era, preferia cercar-se de segurança.

Quando ele se imaginava seguro e pronto para perguntar quem era para algum dos policiais, um mural desviou sua atenção. No mural, dezenas de cartazes com os homens mais procurados da cidade. Para sua surpresa viu um retrato falado muito familiar. Não tinha dúvidas. Das poucas vezes que vira seu rosto no reflexo d'água ou nas vitrines do centro, tinha certeza, aquele retrato era o dele próprio. Naquele momento descobriu que o chamavam de "Erohn". Talvez esse fosse realmente seu nome.

Erohn não conhecia dinheiro ou números, mas pela quantidade de caracteres sabia que o valor por sua "cabeça" era alto, e principalmente por este motivo resolveu sair dali como entrara, no silêncio. Porém nem sempre podemos agir como desejamos, e quando menos se espera algo foge do controle, talvez seja o que chamam de destino, mas o fato é que um policial ficou imune a "invisibilidade do mendigo" e o reconheceu tão logo o viu.

4. A FUGA

Erohn havia ido até o departamento policial, e ali naquele local descoberto seu nome: Erohn. "Que nome mais estranho", pensou. Também descobriu ser procurado, e o valor do prêmio era bastante alto. Talvez por isso aquele policial imune a sua "invisibilidade", e notou o mendigo que parecia perdido no departamento. Logo soou a sirene de alerta. Erohn sabia que as coisas não iam bem.

- Segurem aquele homem. Gritou o policial apontando seus dedos denunciantes ao mendigo. Mas o fugitivo não perdeu tempo, e pôs-se a correr pelos corredores do departamento policial. Logo dezenas de homens fardados seguiam o encalço do bandido. O tumulto tomou o local, Erohn corria sem direção, empurrando quem lhe cruzasse o caminho. "Cuidado, ele é perigoso", gritavam os policiais que o seguiam, a esta altura já de pistolas em punho.

O mendigo buscava pela saída. Para chegar até ela serpenteava entre os corredores. Sabia que o saguão de entrada estava tomado por policiais, mas não havia outra forma de sair, a não ser por aquele local. Quando o primeiro policial o segurou, Erohn usou sua volúpia impensável para desarmá-lo, e quebrar seu pescoço em apenas três golpes. Conseguiu sua primeira arma, com a qual derrubou pelo menos oito policiais, e só não matou mais porque ficou sem munição. Neste ponto já estava a porta de saída, e os policias revidavam seus tiros, deixando estilhaços de vidros pelo saguão. Erohn jogou seu corpo para fora e correu.

A rua era movimentada. Assim são as metrópoles. O mendigo buscava sumir na multidão, porém as balas flamejantes a raspar seu corpo o lembravam que ele fugia da polícia. Eram muitos no seu encalço, e Erohn já não conseguia os contar. Os tiros se seguiam, e ele buscava abrigo entre muros e latas de lixo.

Ele corria sem destino, e rumo ao impossível. Erohn sabia que dificilmente escaparia do cerco policial. Vez por outra sentiu o metal incandescente furar-lhe o corpo. Não sentia dor, eram como insetos o picando. Foram tantos que Erohn não contava a fequência que as balas o atingiam, apenas corria para longe dali, até que suas vistas foram escurecendo, escurecendo.... Até tombar no concreto frio da calçada.

Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 19/10/2008
Código do texto: T1236079
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