Era assim chamado o lar em que fui deixada quando bebe.
    Anos dificieis e miseráveis de abandono e esquecimento.
    O velho casarão era conhecido por todos da cidade como 
    depósito dos anjos indesejáveis.
    Eu era tão somente um destes anjos abandonado na soleira
    da porta numa noite de janeiro.
    Cresci sem um passado e um passado marcado por uma histó-
    ria obscura.
   Quando cheguei a maturidade e pude deixar o velho casarão
   tive medo.
   Para onde ir se em nenhum lugar alguém me esperaria.
   Quando dona Nina disse que eu poderia deixar o abrigo
   e partir para construir minha vida, eu não sabia ao certo
   qual vida eu encontraria no mundo.
   A frieza daquele lar ainda era a manifestação mais segura
   e verdadeira de acolhimento que eu conhecia.
   Foi numa manhã de junho fria e cinzenta que parti do lar e
   depois que passei pelos pesados portões de ferro o olhei
   demoradamente.
   Na rua fui caminhando devagar, observando atentamente as
   pessoas que passavam apressadas.
   Cheguei a uma praça, o frio era congelante e comecei a bater
   os dentes de frio.
   Sozinha naquele banco segurando apenas uma maleta fiquei a
   pensar qual caminho seguir.
   Todos os caminhos me pareciam assustadores e cruéis diferen-
    te do casarão aonde eu tinha uma cama quentinha e um prato
   de comida sempre a disposição.
   Dando um profundo suspiro e passando as mãos sobre os olhos
   marejados de lágrimas me levantei e segui em direção a rodo-
   viaria.
   Tirei do bolso do meu casaco o dinheiro para o ônibus e aper-
    tei a carta que dona Nina havia escrito para um dos colabo-
    radores do casarão.
   Me sentei a janela na poltrona da frente um casal com um lin-
   do bebe, os observei.
   O amor deles era explicito, tal cena me comoveu e fechei os
   olhos para as lágrimas se silenciarem.
   Neste momento imaginei por onde andavam meus pais, se algum
   dia eles me amaram ou simplesmente fui um fardo para eles.
   Pensamentos melancólicos e tristes povoavam minha mente e 
   acabei adormecendo.
   Acordei com o ônibus estacionando na rodoviaria da cidade vi-
   zinha.
   Me ajuntei aos outros passageiros e fui descendo, peguei mi-
   nha maleta no bagageiro e me dirigi até o balcão de informa-
   ção.
   Senhora Laura me aguardava e veio ao meu encontro, estendeu
   a mão num cumprimento formal e frio.
   Fomos para sua casa aonde trabalhei nos afazeres doméstico
   dos meus dezoito anos aos vinte e cinco.
   Com a ajuda dela me formei em pedagogia e aos vinte e cinco
   anos comecei a lecionar numa escola.
   Mesmo tendo deixado a casa da senhora Laura ela sempre per-
   maneceu em minha vida zelando por meu bem estar.
   Porém, não existe uma vida sem começo meio e fim e certa oca-
   sião senhora Laura me procurou na escola.
   Seu modo frio e pausado me causaram mais pânico do que a
   noticia que ela trazia até mim.
   Ouvir que após tanto anos minha mãe biologica estava a minha
   procura me causou certa estranheza.
   E no último verão voltei a minha cidade de origem para reen-
   contra-la.
   Quando nos reunimos no velho casarão e vi aquela mulher de
   cabelos cor de fogo, sorriso enigmático que me abraçava e
   chorava uma tempestade de sentimentos se apossou de mim.
   Enquanto ela narrava suas mazelas pessoais, sua vida e seu
   casamento pontuando que tinha dois outros filhos, um questio-
   namento interno me atormentava.
   Incrível que aquela mesma mulher que havia tido a coragem de
   abandonar um bebe na soleira da porta teve a ousadia de po-
   voar o mundo com outros dois seres.
   Após lamuriar e pedir perdão e contar uma triste e fantasiosa
   história sobre minha origem se ajoelhou aos meus pés numa ati
   -tude desesperadora.
   A olhei imaginando em qual personagem ela se baseava diante
   da cena grotesca.
   Fui a sua casa conheci meus irmãos me sentindo uma parte re-
   jeitada daquele mundo, tal como um racusnho de um texto mal 
   escrito.
   Mas a bondade daquele que não possui dilui com seus atos e 
   ela me confidenciou que estava com cancer terminal.
   Não me compadeci de sua situação, tão pouco fui generosa a
   fitando nos olhos apenas disse- se você não me quis em sua vi-
   da não fora por uma situação de pobreza ou despreparo, mas
   sim num ato de egoismo.
   Perplexa e chorasa inverteu a situação me acusando de ser de-
   sumana e cruel.
   Dentro de mim eu tinha a certeza o amor maternal quando real
   ultrapassa qualquer desgraça, qualquer abismo e prevalece.
   Felismente não compartilhavamos de afinidades, tão pouco
   possuimos um laço de alma.
   Éramos o acaso de um ato translocado que para sempre nos
   manteria envolvida em dor e mágoa.
   Quando ele me amaldiçou com palavras frias e duras a olhei
   e disse que cada qual de nós não tinhamos mais nada para rea-
   ver.
   Sai de sua casa e fui caminhando pela rua a esmo, minha vida
   passando em camêra lenta nos pensamentos que traziam lágri-
   mas aos meus olhos.
   Revivi cada momento da minha vida o qual a busquei tendo tão
   somente encontrado o abismo do abandono e rejeição.
   Me lembrei de todas as agressões sofridas, dos abusos come-
   tidos contra mim e de todas as humilhações as quais fui subme-
   tida.
   Chorei lavando a alma de todos os atos cruéis os quais me su-
   jeitaram e os quais eu não pude evitar por minha inocência.
   Voltei a cidade o qual eu havia escolhido deixando para trás
   um passado e uma pessoa a qual jamais me pertenceu.
   Foi no último final de semana que recebi um telegrama notici-
   ando o falecimento dela.
   O li e depois o amassei jogando no lixo, tal notícia não me per-
   tencia tão pouco fazia parte de mim.
   Olhei a janela da minha casa, o dia estava lindo e ensolarado
   dei um largo sorriso enfim as correntes haviam sido quebra-
   das e eu estava livre.
    -camomilla hassan-
   
   
   
   
   
      
   
    

        
CAMOMILLA HASSAN
Enviado por CAMOMILLA HASSAN em 15/11/2008
Reeditado em 15/11/2008
Código do texto: T1285459
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