Perseguição

Anoitecera e eu ali só e encolhido no interior do apertado esconderijo. Este processo, o acto de fuga, repetira-se nas últimas noites entre mim e aquele persistente e incansável perseguidor.

Ajoelhado junto dos caixotes, inclino a cabeça para a frente e espreito com cuidado, de forma a não revelar a minha presença. Para lá da esquina, na penumbra, o corredor estreito deserto. Por um momento, julgo tê-lo despistado. Mas não! Já ouço os seus passos, o trote rápido. Lá vem ele, outra vez.

Descubro o vulto, adivinho-lhe os contornos do corpo, as orelhas pontiagudas, os olhos brilhando vorazes na escuridão. O que se aproxima é rápido, em poucos segundos estará aqui. Ainda não me vê mas, no entanto, pressente-me e ao faze-lo são vários os sons que emite alto, em completo despudor, fazendo assinalar claramente a sua presença.

Avalio as opções: À direita, o caminho termina numa varanda estreita e consigo até ver os edifícios perfilando-se do outro lado da rua. Mas nem os melhores esforços e concentração me conseguiriam um salto eficiente de forma a alcançá-los. E o falhanço estatelar-me-ia sobre o trânsito, ossos esmagados no alcatrão ou em qualquer chapa metálica, uns bons quarenta metros abaixo.

Posso recuar, é outra hipótese. Posso tentar a dissimulação, a camuflagem, misturar-me com as outras pessoas. Mas seria um beco sem saída. E ele por certo distinguir-me-ia facilmente dos restantes e trataria de mim sem se importar minimamente com os outros...

Resolvo, pois, provocar uma manobra de diversão e ganhar tempo. Com um pouco de sorte, lograrei fugir. Atiro com força o objecto esférico, a bola aos quadrados pretos e brancos que passa veloz pelo meu perseguidor. A perseguição agita-se e volta-se num só instante. Nesse momento, levanto-me e corro.

Passo-o como uma seta e, antes que entenda bem como, estou já alguns metros adiante. Mas não vejo a armadilha feita de objectos que me esperam espalhados no chão. No tropeço, caio desamparado.

Poderia até ter-me levantado se não tivesse sido tudo tão rápido. Mas, as forças não ultrapassando tempos, um só relance e ele já em cima de mim. Envolvendo-me. A boca abrindo-se, deixando ver os dentes, no que parece ser um...

Riso?

Sim. Definitivamente.

- Apanhei-te. Apanhei-te, papá!

E Mariana ri, riem as bandeiras despregadas nela e na máscara. No fato pequeno e vermelho e amarelo, de monstro. Aquele mesmo que tínhamos comprado na loja para usar no Carnaval.