Pé de laranjeira

Marcos Teixeira. Advogado. Trabalhava num pequeno escritório no centro da cidade. Há alguns meses sua vida passava pó uma fase conturbada. O divórcio, e as dívidas lhe puniam diariamente, e seu rosto outrora alegre, dava lugar a uma expressão melodicamente trágica. Aquele fim de semana no sítio era uma tentativa de isolar-se dos problemas. Sem a correria do pequeno Bernardo, ou o sorriso saliente da linda Jéssica, não era o mesmo. Antes acompanhado de uma família alegre, apenas a garrafa de uísque lhe acompanhava. Anoitecia quando, resolveu caminhar pelo sítio. Andou ao ermo, com os pensamentos voando como os pássaros buscando novo refúgio. Chutava os pequenos torrões de terra quando escutou alguém. - Olá, Marcos. Vida difícil não é? - Quem é você? Onde está? O advogado ouvia a voz, porém podia avistar de onde vinha. Era uma voz suava, proferida de maneira cantada como um sussurro. - Aqui, meu amigo. Olhe para mim. Ele até tentava, mas não enxergava nada além do velho pé de laranjeira. Com as folhas cobertas de ferrugem, e frutos amarelados a árvore talvez estivesse entre ele e o seu interlocutor. Ele a circundou, e nada... - Aqui meu amigo, aqui... A voz insistia. - Onde, não o enxergo. - Aqui, olhe pra cima, sou eu mesmo, a laranjeira. - Não pode ser! O advogado não podia crer no que acontecia. Conversava com uma árvore. Com um pé de laranjeira, para ser mais preciso. A única coisa que podia imaginar no momento era o tamanho do abuso de álcool que cometia. - Você não está louco caro amigo. Sou eu mesma. Procure lembrar o quanto conversávamos em sua infância. Você cresceu... Abandonou-me... - Isso não está acontecendo. - Pode acreditar que sim. E te confesso que se não fosse necessário, não o incomodaria, mas veja, olhe a si mesmo... No que se transformou o meu menino... Um bêbado, fraco... - Não – não fale comigo. - Por quê? Sou a única capaz de lhe fazer enxergar a verdade. Olhe eu seu redor. Não há mais ninguém. Apenas eu. Todos lhe abandonaram. - Não é verdade. - É sim caro amigo. Sua mulher o abandonou na primeira dificuldade. E o pior casou com seu melhor amigo. Seu filho, este seque lembra-se de teu rosto. E você meu menino, lhes dá razão, veja como enfrentou tudo isso... - Mas... - Não tente ponderar desculpas ao seu fracasso. Ainda tem um emprego medíocre graças ao seu chefe, e a consideração que ele tinha por seu pai. E mesmo assim você tem se esforçado para até isto perder. - Mas... - Nada de mas... Você falhou. Só restou-lhe a bebida, e eu. Mas você deverá escolher. Quero lhe propor uma salvação para tudo isto. - Como? Minha vida não tem mais solução... - Sem bem disso. Por isso sou sua amiga, meu menino. Já lhe disse que a solução está comigo. Tomei a liberdade em preparar tudo. Se aceitares minha proposta a dor do abandono, a tristeza do fracasso, e os sentimentos podres desta vida que carrega partirão. - Não. Isto é impossível. Eu falhei. Nada apagará isto. Não tenho mais nada. Até este sítio, que foi de meu avô será penhorado. Não saio com uma mulher faz mais de ano, e não trabalho faz seis meses... Não há solução que resolva tudo isto. - Acredite em mim meu menino. Há sim uma solução. Eu lhe amo, e farei de tudo para que esta dor lhe abandone. Olhe para sua direita, e verás a solução. Esqueça tudo o que passou, e venha para o meu lado. Seremos felizes pela eternidade. Toda esta dor passará... O advogado olhou para onde determinara a árvore. Uma corda dependurada, o aguardava com um laço pronto. - Mas... - Meu menino. Sempre indeciso. Esta é sua única saída, mas caso queira continuar nesta vida fracassada vá em frente... Há mais uísque nesta garrafa. Aproveite. Eu tentei lhe ajudar. A laranjeira silenciou. A noite cobriu-os. Marcos olhava para a garrafa, e para corda. Preferiu pela última.

Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 12/06/2009
Reeditado em 15/09/2009
Código do texto: T1645347
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