Estrela

_ Amanda, você entra em vinte minutos.

Amanda escutava a voz do outro lado da porta.

_ Tudo bem.

As lágrimas escorriam pelo rosto pálido e coberto por maquiagem, que se desmanchava formando borrões pretos em suas bochechas.

Ela não queria estar ali, ela não queria estar na cidade de onde havia fugido. Sabia que iria vê-lo na platéia.

Há oito anos, Amanda fugira de lá no dia do casamento... Fora convidada para fazer parte de um grupo de teatro internacional e mesmo com o rosto marcado de choro e os olhos vermelhos, Amanda entrou no avião ao invés de seguir para o casamento. Pediu que o motorista do carro que a levava para a igreja desse o recado a todos.

Tentava se controlar e não pensar nele, afinal a essa altura do campeonato ele provavelmente teria se casado e teria filhos.

Só ela estava sozinha desde então, só ela se arrependia do que tinha feito com ele, não de ter mudado de grupo, mas de ter deixado o rapaz (naquela época era um rapaz, hoje seria um homem) que amava.

De uma coisa Amanda estava convicta, Lucas nunca deixaria de amar o teatro. Formavam um belo casal de atores do grupo teatral da cidade, entretanto só ela foi convidada para outro grupo.

Alcançou o pó facial na penteadeira e consertou os estragos causados pelas lágrimas que caíram de seus olhos verdes.

Prendeu os longos cachos pretos em uma presilha dourada.

Naquela noite a cidade conheceria a menina que fugiu e agora voltava para mostrar o que aprendera.

Logo depois de colocar o vestido verde como seus olhos, Amanda desistiu de tudo. Entregou-se às lágrimas e sentou-se no chão com a respiração baixa.

Abriu a caixa de madeira que carregava consigo desde que pensara em desistir da própria vida. Para ela não havia sentido nenhum em continuar a vida sozinha dedicando-se apenas ao trabalho e deixando-se corroer pelas lembranças e arrependimentos.

Havia na pequena caixa uma cartela cheia de calmantes e sedativos.

Descartou todos os comprimidos e colocou-os um a um no copo com água que estava na penteadeira.

_ Dez minutos Amanda querida, já se arrumou?

O coração dela acelerava a cada segundo.

_ Sim, estou quase pronta.

“Quase” repetia para si mesma.

Engoliu toda a água e os comprimidos por mais que a garganta aparentasse estar fechada.

Dentro de alguns segundos Amanda começara a sentir os efeitos do que acabara de fazer.

O ar sumiu todo de uma só vez e Amanda esticou-se no chão.

Todos os músculos repuxavam-se e quando voltavam ao normal traziam uma dor quase insuportável.

O sangue escorria pelo nariz dela, que pensou em pedir ajuda mas logo desistiu. Finalmente estava acontecendo o que Amanda queria... O fim de uma vida vazia e sem sentido.

Esticou-se toda até alcançar um papel e uma caneta na mesa.

Rabiscou com dificuldade “ Lucas, me desculpe, eu sempre te ame”.

Não aguentara até a última letra do bilhete.

A porta do camarim se abriu e um homem com uma prancheta na mão entrou e começou a gritar.

Jogou todos os papéis no chão e segurou a diva de sua companhia de teatro nos braços.

_ Quem é Lucas?

_ Um rapaz com quem ela ia se casar antes de entrar na companhia - respondeu umas das bailarinas que mais conversava com Amanda.

_ Chamem-no.

As bailarinas e bailarinos, todos os outros atores desciam do palco correndo gritando o nome Lucas.

Não havia muito público. Apenas um rapaz respondeu.

A mesma bailarina que respondera quem era o Lucas do bilhete o reconheceu. Amanda já havia lhe mostrado uma fotografia.

_ É você! Você ia se casar com Amanda a oito anos atrás, não ia?

_ Sim, por que isso é importante agora?

_ Venha conosco - um rapaz de vinte e tantos anos puxava Lucas pela manga da camisa sobreposta a camiseta branca de mangas curtas.

_ O que há com ela? - Lucas perguntou isso quando estava a alguns passos do camarim de Amanda.

_ Foi a última coisa que ela fez - disse o diretor com o rosto tragicamente triste.

As mãos tremulas de Lucas seguraram o papel manchado de sangue nas beiradas e uma lágrima grossa e escorreu por seu rosto.

Janice, a bailarina, começara a chorar.

_ Eu também nunca esqueci Amanda, nunca tive nem sequer raiva pelo que ela me fez. Era algo que eu nunca conseguiria ter dela, raiva.

Caminhou até o carro remoendo as palavras do bilhete em sua memória.

A casa que seria dos dois estava vazia e mais triste do que nunca nesses oito anos.

Lucas atirou-se na cama e ficou olhando para o teto.

Sentiu a mão suave de Amanda tocando seu tórax e olhou para o lado.

Ela estava lá.

_ Pelo amor de Deus Amanda, diga que sabia que eu te amava.

Os olhos da amada se desmancharam em lágrimas, mas lágrimas de alegria e se misturando com o vento que a noite soprou pela janela Amanda partiu.

Os palcos perderam-na mas o céu ganhou-a.

Fernanda Ferreira
Enviado por Fernanda Ferreira em 20/06/2009
Código do texto: T1658291
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