A VIAGEM

Foram sessenta anos de união perfeita. Eu e ela. Sabia que isso aconteceria um dia, mas não sabia como e nem onde. Haveria a chance de não acontecer também. Um tanto duvidoso, mas é possível, pelo menos para Deus, conforme muitos pregam.

Quando nos separamos, custei a acreditar. Pensei em traição, mas será? Uma viagem, quem sabe. Acho que não, talvez nossa união tenha se desgastado e eu nem percebi. Como fui tolo. Foram tantos anos de união em comum, nós éramos apenas um e agora a vida nos prega uma peça desta. Estou a espera de uma explicação que justifique esta separação. Alguém, por favor, poderia me dizer?

E ela como estará agora? Se tiver sorte poderia receber notícias suas, ao menos um e-mail, uma carta, um pombo correio. Nada. Ingrata? Estou preocupado.

Ela está pensativa. Quer entender o que aconteceu. Não sabe ainda o motivo de sua separação após sessenta anos de união perfeita, harmoniosa. Onde ele estará? Sinto sua falta.

Minha cabeça dói de tantas são as perguntas que me faço. Por que ele me deixou? Não me amas mais? Trocou-me por outra? Será ele um traidor?

Encontrei minha amiga Joana, já há muito não a via, ela amparou-me e secou minhas lágrimas. Disse-me que não tenho mais razão para chorar e que devo viver minha vida daqui para frente – ser forte e feliz. Disse também que devo esquecer a dor da minha separação. Foi melhor assim. As feridas serão curadas com o tempo e logo vou me acostumar a minha nova realidade. Ela ainda cogitou a possibilidade de eu me apaixonar novamente, mas ainda dói tanto ter me separado dele, com quem pude ter os mais belos e felizes momentos de toda minha vida.

A cada dia tento entender o que aconteceu entre nós e conseguir reunir forças. Quero uma explicação. Não me basta “foi melhor assim”. Alguém por favor? Estou com muito sono, acho que vou repousar um pouco.

Estou numa sala branca, alva, iluminada. Que lugar é este? Como vim parar aqui. Não há placas indicativas. Sinto-me tão bem e confortável. Estou curiosa. Um misto de curiosidade e bem estar se misturam. Quero ser atendida e descobrir logo onde estou, mas ao mesmo tempo não quero que isso aconteça porque é muito bom estar aqui. Estou confusa quanto aos meus desejos.

Não tenho mais a noção de tempo. Estou sem relógio. Aqui onde estou não há relógio. Não preciso dele, pouco me importa as horas.

Entra na sala um homem muito bonito. Cabelos, barbas brancas e roupas brancas. Um senhor muito distinto e educado. Pediu-me para que eu me sentasse, pois queria conversar um pouco comigo. Questionou-me ainda se eu queria dar uma volta. A única coisa que poderia pensar neste instante era se ele tinha alguma explicação sobre a minha separação. Já não me doía tanto assim, mas eu tinha o direito de saber. Me sentei.

O homem de branco começou a falar. Disse que me conhecia há muito tempo. Eu não me lembro dele. Disse que sabia tudo a meu respeito. Estou temerosa, pois tudo engloba coisas erradas que fiz, se bem que não foram tantas assim. E agora? Estou só. Não. Tenho ainda minha consciência. Pesa um pouco!!! Sigo em frente, vamos ver o que este senhor tem a me dizer.

Estou a pensar se ele seria São Pedro ou Deus. Será Deus personificado em São Pedro? Se estou com estes pensamentos, será que desencarnei, morri, parti, sinceramente, não sei qual a minha conclusão. Ocorreu-me outro pensamento, será meu companheiro disfarçado e estou fazendo parte de uma experiência secreta do governo ou da NASA? Será uma conspiração? Não sei. Cansei-me de pensar. Quero respostas.

O homem de branco ria, soltava uma gostosa gargalhada. Disse-me que sempre adorou meu senso de humor e que a última parte do meu pensamento foi ótima. Fiquei assustada, como ele poderia saber tudo o que pensei? Acho que o governo criou uma máquina para ler pensamentos. Estou com medo, não posso mais pensar, entretanto, como evitar meus pensamentos? Socorro!!!

Como o homem de branco poderia me conhecer? Não me lembro dele. Será que já fomos namorados na adolescência? Confesso que já tive namorados bonitos.

Tomei uma decisão, parei de pensar e comecei a perguntar o que aconteceu comigo, quem ele era, de onde nos conhecemos, onde estou e o que aconteceu com meu companheiro. Ele pediu-me para ter calma e que minhas dúvidas todas seriam esclarecidas em breve.

Ele começou a me explicar que minha separação foi necessária, mesmo que eu me sentisse triste e tenha deixado entes queridos onde morava. Chegou a hora de fazer uma longa viagem para refletir sobre tudo o que eu fiz, minhas atitudes, atos praticados, pessoas que ajudei, quantas eu prejudiquei. Estou mais confusa ainda. Estou num tribunal? Será ele um juiz? Sou capaz de me defender das acusações? Ainda nem fui acusada. Sou precipitada?

Comecei a me lembrar da fase do namoro e as razões por ter escolhido meu companheiro. Ele era muito bonito. Gostava muito dele. A convivência nem sempre era fácil, ele era teimoso e fazia coisas que me magoavam, mas todo relacionamento tem disso. Com o passar do tempo ficamos mais unidos, fortalecidos. Passamos a nos amar intensamente, ele me dava grande valor e, ás vezes, esquecia dele próprio. Fomos muito felizes no tempo em que estivemos juntos. A separação seria inevitável um dia, eu já esperava, mas não sabia quando e onde.

Eu pude me lembrar de tudo, do início ao fim, como se fosse um filme. Daí, eu pude ver o fim, nossa separação e suas razões. Nosso tempo naquele lugar acabou, ele não consegui vencer as barreiras impostas, seu corpo envelheceu, ficou doente e morreu. Eu ainda continuo viva e mais forte do que antes, apesar de triste com a despedida, a separação. Nunca mais nos veremos. Ele voltou a ser pó. Eu voltei a ser estrela. Ele era um corpo. Eu sou uma alma. Eterna alma, alva e iluminada, a espera de um novo companheiro, se necessária for uma nova viagem.

Enfim, tenho de me acostumar a perder e a ganhar nesta caminhada!!! Só assim posso aprender a me elevar, chegar mais perto do céu, da perfeição e brilhar mais intensamente.

Quanto ao homem de branco, eu ainda não sou capaz de responder quem ele é, mas posso dizer que ele é um mágico, conhecido por mim como o “Homem de Branco”. Como ele mesmo diz, pouco importa o nome ou grau hierárquico, pois todos juntos somos pura energia e isso já basta.

Ao acordar me deparei com o homem de branco sentado numa poltrona a minha espera para uma volta no jardim.

Bianca Stievano
Enviado por Bianca Stievano em 29/06/2009
Código do texto: T1673438
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