O CAIXÃO DE DEFUNTO

Lá pelos idos de 1939, todos que habitavam a pequena Vila de Louveira, pertencente então ao Município de Jundiaí, quando necessitavam de um médico precisavam ir a cavalo até o Bairro de Rocinha, hoje a belíssima cidade de Vinhedo.

E contou-se que durante um certo tempo, ninguém se atrevia a atrelar o cavalo ou se deslocar mesmo que fosse a pé, para Rocinha, e passar pela estrada após o entardecer, principalmente no local onde hoje se situa o Cemitério de Louveira.

É que muitos que por lá se atreveram a passar, viram, assustados, na escuridão da noite, no alto do morro, um caixão de defunto sendo conduzido pôr quatro homens, silenciosos, que desapareciam, além do morro.

Assim, ninguém mais se aventurava a seguir caminho ou mesmo procurar um médico depois que a tarde caísse, pelos lados de Rocinha.

- Eu esconjuro, cruiz credo ! Depois que escurece eu num passo de jeito nenhum naquela estrada. O Zé da comadre Rita passô pur lá numa noite...Disse qui saiu numa corredera qui deu dó ! Inté os cabelo ficaro arrepiado di medo ! Eu num passo pur lá nem morto, cruiz credo !

- O tar caixão aparece mermo, cumpadre ?

- Puis é como te falei, cumpadre. Sem tirá nem pôr ! Aparece aquele caixão de defunto, preto, carregado pôr quatro hóme, que andam devagar, de cabeça baixa e em silêncio !

- É...Eu iscuitei falá qui o minino da comadre Zefa ficô cum febrão danado dia desse. Di tarde percebero qui o causo era prá médico memo. Mai memo anssim ninguém da famia saiu di casa despois qui escureceu ! Foro buscá o seu dotô di minhanzinha, co sór bem arto !

Essa era a conversa que passava de boca em boca no humilde povoado de nossa Louveira no princípio.

Certo dia, apareceu por esses lados um homem novo ainda, tido como valente e corajoso, que não tinha medo de nada. Depois de alguns dias no povoado, ficou sabendo da história.

- Comigo num tem disso não ! Eu quero é vê prá crê ! E num vai sê um caxão de difunto qui vai mi fazê corrê ! Eu quero vê isso di perto ! I nessa noite memo !

Assim foi feito. Logo que escureceu, o valentão encilhou seu cavalo, botou chapéu na cabeça, espingarda armada e partiu em direção à Rocinha, deixando na Vila um bando de homens assustados.

Naquela noite ele não regressou.

Todos já estavam assustados. Alguma coisa grave devia ter acontecido. Mas ficaram boquiabertos quando viram, surgir na curva da estrada, o valentão, montado em seu cavalo, rindo a mais não poder.

Estranharam aquela atitude e perguntaram o que havia acontecido e ele respondeu entre gargalhadas :

- Cambada di medroso ! Eu vi, onti, no arto do morro o caxão sendo levado pôr quatro hóme ! Fiquei cismado e fui até perto deles. Quar ! Sabem o que era o tar de caxão ? UMA VACA, meus camarada ! Ela tinha as quatro perna branca...Vinha pastá no morro e di noite vortava pro currá. Quando andava, di noite i di longe, dava a impressão qui seu corpo era um caxão preto, sendo transportado pôr quatro hóme di branco, qui eram suas perna ! Essa foi boa...Uma vaca, meus cumpadre ! A assombração do ceis era apenas uma pobre vaca qui pastava di noite no arto do morro !

Dia 22 de Agosto - Dia do Escritor Louveirense.

Ademir Tasso
Enviado por Ademir Tasso em 19/07/2009
Código do texto: T1707509
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.