JUSTINA

Quem vinha da antiga Fazenda Serra Azul para Louveira, passando obrigatoriamente pelo Bairro Santo Antônio, lá pelos idos de 1942, ao se aproximar da curva da estrada ladeado de eucaliptos, ouvia aquele triste chamado de uma jovem :

- Me tirem daqui ! Pelo amor de Deus, me tirem daqui ! Eu estou sofrendo muito...Me tirem daqui !

E não havia quem não saísse em desabalada carreira pela estrada afora, tremendo de medo, com os cabelos ouriçados, sem se atrever olhar para trás.

Os mais antigos contam, que ainda no tempo da escravidão, dias depois de assinada a Lei Áurea pela Princesa Isabel, também chamada de "A Redentora", o proprietário de uma das fazendas daquela localidade ainda teimava em não dar total liberdade aos seus escravos.

Justina era negrinha da casa...Bonita, de olhos grandes e negros, sorriso largo de dentes sadios e muito brancos, jovem ainda, por volta de seus quinze anos de idade.

Era tida pelos demais escravos como "a protegida do patrão", pois além de sua amante, como era costume da época, jamais fora castigada por qualquer ato impensado.

Assim, naqueles dias de intensa felicidade para todos os negros, ali naquela fazenda o clima era bem outro. O proprietário, a quem chamaremos Damião, usava de todas as suas forças e artimanhas para impedir que seus escravos deixassem o trabalho forçado.

- Daqui ninguém vai sair. A Fazenda está cercada pelos capatazes e capitães do mato ! O negro que se atrever a por um pé fora das minhas terras, morre ! Sem dó e nem piedade !

Justina fechou seu sorriso bonito, condoída de seus pobres e desventurados companheiros, que aflitos, não sabiam o que fazer para sair daquele lugar, onde já haviam derramado muito sangue e muitas lágrimas.

Tentando convencer seu patrão e amante, a garota, sem muito pensar, ajeitou sua trouxa de poucas peças de roupas e começou a descer as escadas da varanda do imenso casarão colonial.

Damião, que se refestelava na rede, após lauto almoço, ergueu-se de um salto ao observá-la e gritou:

- Onde pensa que vai, Justina ?

A menina não deu a menor importância ao chamado e continuou descendo as escadas, agora, já seguida por uma grande multidão de escravos, que encontraram naquela frágil criatura o seu líder da libertação.

Damião correu, pegou-a fortemente pelo braço e bradou :

- Se quiserem podem sumir, cambada de mal agradecidos ! Podem ir para onde quiserem. Mas você, Justina, você fica comigo !

Todos se foram...Cabisbaixos, tristes e preocupados com o destino da jovem corajosa.

Damião, desesperado, desvairado, arrastou Justina para a estrada. Numa curva, divisou um grande buraco no barranco de terra seca. Amarrou a jovem fortemente, jogou-a no buraco e a enterrou viva, com suas próprias mãos.

- Não vai me deixar. Se não quiser ser minha, não será de mais ninguém !

Por isso, durante muitos anos, a alma de Justina pedia, soluçava a todos que passavam por aquela curva da estrada :

- Me tirem daqui ! Pelo amor de Deus, me tirem daqui ! Eu estou sofrendo muito...Me tirem daqui !

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Dia 22 de Agosto - Dia do Escritor Louveirense.

Ademir Tasso
Enviado por Ademir Tasso em 19/07/2009
Código do texto: T1707516
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