O pilão

“_Menino tira a mão do pilão. Você pode se machucar”. Clotilde tinha um olho fixo no pilão e o outro em Lúcio. O menino é arteiro e desobediente. A negra já arcada pela idade e pelo trabalho murmura um canto. “Otê, Padre Nosso com Ave Maria. Securo camera qui tanganãzambe, aiô...” A mulher com voz embargada tem a visão da fogueira e dos seus familiares ao redor. A fome aniquila um por um. Sua mãe soca o último punhado de arroz. A seca acabou com a plantação. Os poucos animais e aves foram sacrificados para alimentar a família. Parentes distantes apareciam para conseguir algumas migalhas. O olhar da sua mãe a incomoda. Sente a angustia exasperar a sua mãe. A mão do pilão soca mais do que o arroz. Soca o terror de ver o tempo como um patrão desumano. Seus pais morreram no tronco. O coronel os açoitou com um chicote de couro crú. A morte os encontrou ainda jovens. O roubo de um pedaço de pão e o coranchim de uma galinha foi a causa do castigo. O casal faminto ia saciar a fome da única filha. Lágrimas escorrem do rosto da sua mãe. Clotilde esquece o presente. Escuta a cantiga da sua mãe. Um barulho corre pelos ares. A luz ilumina a noite. A seca de mais de três anos acaba. É noite de natal.