O rapaz albino

O rapaz albino – confundido com lívido – sempre era visto passeando sozinho pelas ruas ao fim do entardecer e não mais era visto no decorrer do resto do dia. Sabia-se muito pouco sobre ele, nem mesmo o seu nome. Uma grande incógnita circundava ao seu redor, mas isso se devia aos outros que não o conheciam e criavam várias especulações ao respeito dele. Sua aparência singular era o grande centro das discussões naquela época de dúvidas e medo.

Os olhos fixos no horizonte à sua frente, fundos e de pálpebras extremamente escurecidas causavam espanto, pois se assemelhavam aos que hoje costumamos atribuir aos olhos de um vampiro (representado no cinema); a boca rosada contraída de desgosto só exibia essa característica; o cabelo ruivo de um louro ondulado nas pontas, movia-se em desalinho com os sopros frios do vento daquela região; a tez alva como papel reciclado manchada por pintas negras era duma macia textura.

Ele usava somente roupas de tons lúgubres marcadas por finos bordados de cores contrastantes, como por exemplo, preto e roxo/vermelho; suas roupas eram casacos de veludo apropriados para enfrentar a frialdade do inverno, mas nele davam um aspecto sombrio sem explicação.

Vestindo pesadas botas de mesma tonalidade, ele passava rápido pelas ruas de pedra e nem mesmo os cães vadios, rejeitados pelo mundo atreviam-se a inibi-lo um só segundo. O temor de sua aparência não suscitava naqueles moradores ousadia de entretê-lo para averiguar sua origem, e os questionamentos só aumentavam nos decorrer dos dias.

Foi no primeiro dia do inverno que ele começou a aparecer naquele bairro, muitos estavam tranqüilos sentados em sua suas portas, outros conversavam em pé com os vizinhos observando as crianças brincando na rua, quando os últimos raios do crepúsculo se esconderam nas nuvens simbolizando o prólogo de sua manjada jornada. Lá vinha ele, ao longe, solitário como um artista já superado pelas tendências atuais, esgueirando-se pela íngreme rua desolada.

As pessoas pararam de imediato a conversa, as crianças correram para suas mães assustadas outras, contudo, ficaram surpresas demonstrando visível admiração. Junto ao seu desfile o silêncio caminhava feito uma sombra; havia pouca luminosidade, pois as luzes dos postes ainda não tinham sido acesas. Foi tão rápido seu passeio, mas marcou profundamente aqueles moradores habituados ao trivial convívio.

Pelo fato de não ter voltado e por não ter sido suficientemente analisado naquele momento, logo iniciou-se as histórias a seu respeito. Alguns afirmaram ter visto seus olhos em flamejante piscar; outros disseram que sua pele era escamosa e que suas pisadas marcavam o chão com cinzas como se seus pés estivessem em brasa; dentre muito que se falava dele, o mais absurdo foi o que um senhor senil com um rosto benévolo exibindo a astuta sabedoria da idade disse: “Ele é o próprio Anticristo!”

É lamentável que a cultura ocidental só reconheça como pertencente ao sobrenatural essas coisas relacionadas com a bíblia e seus apócrifos (Satã, Jeová, demônios, anjos). Sabe-se que muito foi mesclado ao sistema cristão desde o judaísmo, como as histórias gregas de dilúvio ou mesmo muitos mitos egípcios e persas. E é certo que os judeus são ótimos plagiadores.

Mas todos esses falatórios vazios não chegavam ao nosso andarilho destemido, e ele seguia sempre no seu percurso diário. Certa vez, um jovem, mandado por uma curiosa moradora que não se contentava com o mistério, teve a infelicidade de seguir o rapaz albino. Fora dado recomendações necessárias para que o atrevido descobrisse o destino do outro sem levantar quaisquer suspeitas.

E lá vinha o cair da noite, como de costume, trazendo o moço pela rua; logo que ele passou pela casa da dama, esta ordenou ao seu empregado – naquelas circunstâncias apenas – que o seguisse. Sempre se escondendo pela penumbra das mangueiras ou nos carros estacionados, seguia-o por toda a dimensão da rua. Após uns quatorze quarteirões sempre na mesma direção retilínea referente ao frontal horizonte, o albino entrou no cruzamento que liga à avenida principal do próximo bairro e virou á esquerda de encontro com uma alameda altíssima. O deteve inexperiente continuava sua empreitada, mesmo desconhecendo aquele caminho. Para espanto deste, ao chegar à culminância da alameda, visualizou a muitos metros de sua frente o rapaz albino parado, olhando para trás, para o rosto do jovem que o seguia. Porém não aconteceu mais nada além disso, pois o outro correu em disparada morrendo de medo, mesmo sem saber se realmente foi visto; e certamente esse fato se somou aos demais já relatados.

A ignorância junto à superstição produz as mais absurdas verdades, mas chega a enojar algumas dessas verdades. O fato de não descobrir o motivo (a causa) que gera uma situação é o que faz as pessoas viverem na espreita, prontas a criarem conjecturas nefandas sobre o outro ou sobre o mundo ilógico.

Mas nada afetava o rapaz albino que seguia impassível sua rotina, iluminado pela sua altivez intelectual; deslizando pelo chão em tempos de chuva, nunca escorregou ou tropeçou, nunca desviou sequer um centímetro da direção que tomava, parecia mais um autômato realizando as mesmas funções.

Para onde ele ia afinal, quem era ele? Além desses questionamentos surgiam outros: por que saber sobre seu paradeiro, por devo me importar com a vida dele? E logo os moradores perceberam que não estavam à altura de entendê-lo, mesmo ele podendo ser satânico, poeta, filósofo, gótico e muitos outros termos atribuídos aos jovens dessa condição turbulenta chamada misantropia.

Passados os temores vieram os dias de tranqüilidade para a vizinhança, mesmo observando diariamente aquele passeio lúgubre sem direção; o rapaz albino sempre em silêncio, sem olhar para os lados ou mesmo para as pedras no meio do caminho, vagava para o recôndito refúgio desconhecido por todos. O interessante é que ninguém o via retornar, nem mesmo pela madrugada, pois uma vez alguém decidido ficou até o início da alvorada à espera do jovem albino. Isso, no entanto não incomodava tanto, já que ele nunca fez mal a ninguém. Então todos pararam de se preocupar aceitando aquela condição estranha; uma pessoa até tentou cumprimentá-lo, mas não obteve resposta, então deixou de lado esse intento de fazer amizade.

Quando ele deixou de passar por aquela rua, parecia que as portas da escuridão se escancaram naquele bairro. Não havia mais nada interessante para gerar conversas para os moradores, as crianças não mais sentiam júbilo, pois para elas ele era um super-herói. Uma tristeza caiu sobre todos, onde estava aquele que antes era a alegria do dia?

Sem notícias do rapaz albino, outras especulações nasceram, porém não havia mais graça falar daquilo que deixou de existir. E aquelas longas discussões sobre a origem do moço, em menos de um mês foram substituídas por outras de menor importância. E o próprio rapaz albino fora deixado no olvido, sua estadia na terra não teve relevância, pelo menos é o que parece.

Marcell Diniz
Enviado por Marcell Diniz em 17/02/2010
Reeditado em 05/09/2010
Código do texto: T2091351
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