UM DIA ESTRANHO

Tem dias que o melhor é não sair de casa. Naquela segunda-feira teria sido melhor eu ter ficado dormindo, sobre meu colchão empoeirado provocando minha rinite. Afinal, porque não intimidá-la, já que por tantas outras vezes era ela que me tirava do sério.

Mas não o fiz. Resolvi sair para o trabalho, aquela coisa entediante, e que haja ou não prazer, devemos fazê-lo. No meu caso, logicamente como no sexo, não sentia mais qualquer prazer. Minha vida estava tão amarga quanto o café embutido ás dezenas no escritório.

Faltavam dez minutos, e como sempre fui até o carro que me fez o favor de não funcionar. A chave virada duas ou três vezes, e nada... Era tudo que precisava para animar-me.

Seriam no mínimo vinte minutos de caminhada pelo centro. Não que fosse total adepto ao sedentarismo, mas algumas pessoas preferem não esgotar-se fisicamente. O meu caso. O que meu trajeto forçar-me-ia indubitavelmente. "Coragem". Disse para mim mesmo, e parti numa jornada alucinante...

Na primeira quadra, um monstro horrível, de três metros de altura, uns cem anos de criação, e o olhar corrompido por um nutrido ódio contra mim, vociferando palavras obscenas, e implorando um acerto de contas... Não houve alternativa, e mesmo em desvantagem fiz bom uso do canivete suíço que me acompanhava desde a juventude, e com alguns arranhões venci-o, rasgando sua jugular...

Por instantes acreditei, eu depois daquela luta, nada pior poderia acontecer. Ledo engano. Há sempre um nível abaixo da bosta, e eu me encontrava exatamente ali. Vi correndo em minha direção uma figura avermelhada e guampuda que pude concluir tratar-se do diabo... "Quero falar contigo... Venha cá... e aquele assunto?..."

Que teria eu para falar com o demônio em pessoa? Ainda mais num dia daqueles, de tolerância zero, e de pagamento de aluguel. Tentei fugir acelerando o passo, mas podia sentir o odor pestilento do enxofre no meu cangote. Não tive dúvidas em disparar sete vezes, contra o diabo, e só sosseguei ao vê-lo tombado no chão, sugado para as entranhas do inferno, d'onde nunca deveria ter saído.

Estava próximo a minha, digamos surpreendente salvação, naquele dia caótico: O escritório. Mas na ultima esquina, um vulto de pele pútrida, talvez o mais perto do que se assemelhasse a um zumbi cortou meu caminho. "Pague-me!" “Pague-me". Dizia ele. estranhei o maldito não querer comer meu cérebro. Mas não quis dar sopa ao azar, e fosse o que fosse que ele pensasse que lhe devia, resolvi não pagar.

A última bala do trinta e oito tinha que ser certeira. E foi. Bem no tampo da testa, espalhando seus miolos nas paredes de um prédio comercial. Atrasado, por causa das intempéries no meio do caminho, cheguei vinte minutos depois do horário. Meu chefe quis me xingar e não acreditou em minhas palavras. Detesto que duvidem de mim. Um soco na nuca fez-lhe cair morto. Não queria matá-lo. Foi quando comecei esta fuga.

Agora estou aqui. Cercado por uma dezena de viaturas com uma centena de policiais mirando pra mim. Acusam-me de quatro homicídios. Três comerciantes, e meu chefe. Já lhes disse que sou inocente, o que houve no escritório foi acidente... Mas eles teimam em não acreditar!

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Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 12/04/2010
Reeditado em 20/04/2010
Código do texto: T2192621
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