Insanidades

Os acontecimentos pareciam obscuros na mente daquela jovem, que sempre se mostrou tão sensata e equilibrada. Tudo aconteceu tão rápida e inesperadamente. Ela não conseguia entender direito o que acontecera. Naquela manhã quando acordou, ainda meio zonza, ouviu uma mistura de vozes vindas da sala de estar e, pela fresta da porta, viu uma multidão que se comprimia ao redor de um caixão. Dentro dele estava seu marido. Só então percebeu que estava toda amarrada em sua própria cama. Começou a gritar tal qual uma louca; gritou, gritou, que seu parentes tiveram de interná-la em um nosocômio da cidade mais próxima.

Ninguém conseguia entender o que acontecera. Afinal aquele casal, juntos há um ano e meio, demonstrava viver feliz. Ele, um jovem de 25 anos, estatura mediana, branco, olhos claros, foi sempre amável e atencioso com a esposa. Ela, com 23 anos, estatura também mediana, morena, cabelos ondulados, parecia ser o protótipo da esposa apaixonada. Eram beijos a todo instante, mãos dadas pelo caminho, o que provocava, muitas vezes, olhares de admiração dos que os conheciam.

No nosocômio ela conheceu um lado da vida que até então só ouvira falar. Foram dias negros. Não conseguia dormir, pois, sempre que o fazia, várias cenas tenebrosas passavam por sua mente e, aos gritos, despertava. Poucas eram as pessoas que tinham coragem de visitá-la, e, quando isto acontecia, ficavam horrorizadas diante do estado que, a cada dia, parecia piorar.

Depois de algumas noites em claro, os médicos decidiram dopá-la. Se por um lado fê-la ter momentos de calmaria; por outro, fazia seus movimentos ficarem lerdos e lhe darem a aparência de quem realmente perdera o juízo.

Passados três meses do acontecido, Antônia, esse o nome da esposa agora semilouca, continuava sem entender o ocorrido.

Uma tarde recebeu uma visita inesperada e assustadora. Era o homem que perturbava as poucas noites de sono de Antônia. Quando o viu, logo vieram a sua mente as lembranças daquela noite trágica.

— Oi, Antônia! Lembra de mim? — disse Santana.

— Tirem esse homem daqui, tirem esse homem daqui — gritou ela, ao perceber a aproximação daquela figura atormentadora. Tudo em vão, pois Santana apresentara-se como o novo psiquiatra contratado pelo hospital.

— Eu disse a você que não suportaria vê-la feliz ao lado daquele plaiboyzinho metido a besta. — Você não devia ter-me trocado por ele, Antônia. Eu não merecia isso. Por que você fez isso. Por quê?

Antônia parece ter voltado à lucidez e começa a lembrar do tempo em que namorava Santana. Este sempre mostrou-se um homem possessivo e violento. O amor que Antônia sentia por ele foi-se transformando aos poucos em verdadeiro pavor. Queria a todo custo deixá-lo, mas sempre recuava ante as ameaças dele, que dizia: — Não adianta pensar em me deixar, pois se isso acontecer eu te mato.

Após anos de pressão junto de Santana, Antônia conheceu Cândido, um homem amável, cavalheiro. Foi paixão à primeira vista. Começaram a encontrar-se às escondidas.

— Não podemos continuar a nos ver somente quando você consegue livrar-se de Santana — disse Cândido. — Calma, Cândido, você não sabe o que ele é capaz de fazer se descobre o nosso relacionamento.

Logo o que ela mais temia aconteceu. Tiveram que fugir e na nova cidade casaram-se. Santana, porém, prometeu-lhes que não os deixaria viverem o "felizes para sempre".

Santana jurou não sossegar enquanto não descobrisse o paradeiro dos fugitivos. Todas as manhãs saía à procura de um sinal, o menor que fosse, indicando onde os acharia.

Foi assim que, ao encontrar a casa onde Antônia e Cândido moravam, Santana começou a arquitetar seu plano. Durante vários dias observou todos os passos do casal: hora que costumavam dormir, quais os horários de saída e entrada, nada poderia escapar-lhe.

Na noite fatídica, deixou o casal dormir e com a chave da casa que havia copiado conseguiu entrar no quarto. Colocou uma mistura no chá que costumeiramente Antônia tomava às madrugadas e, com uma facada certeira, atingiu o coração de Cândido, que morreu instantaneamente. Em seu plano estava ainda a ideia de fazer tudo parecer que Antônia tinha sido a autora da facada fatal. E assim o fez.

A jovem voltou ao seu estado de loucura e, num gesto súbito, investiu contra Santana com uma tesoura esquecida no seu quarto por um dos enfermeiros. Santana não teve tempo para reagir; só sentiu a dor no peito e o sangue jorrar sobre as mãos. Aos poucos foi dobrando-se até cair ao chão, já cadáver.

Ninguém tinha mais dúvidas. Antônia de fato enlouquecera e fizera mais uma vítima.

* COSTA, LAIRSON. INSANIDADES. Belém: L & A Editora, 2002.