Os Gêmeos de Amaranth - Parte II

Por Mário Valney

[Leia antes: Os Gêmeos de Amaranth - Parte I]

PARTE II - Vingança

Outro raio.

- Mesmo assim você me deve uma explicação.

- Depois.

- É... Depois, irmã. - Isaac sorria novamente. – Agora nós temos que... brincar.

A chuva continuava a cair torrencialmente e os raios eram constantes. Era como se uma criança brincasse apagando e acendendo as luzes demorando não mais que um minuto com a luz apagada ou três segundos com ela acesa.

Os vultos negros que os dois conheciam e que estavam sempre em seus pesadelos continuavam parados como se fossem estátuas. Contudo seus olhos vermelhos se moviam rapidamente de Marie a Isaac e dele a ela.

No alto da torre da igreja havia um relógio que marcava 23:59.

- Marie.

- Isaac?

Meia-noite. O sino do relógio começou a soar. Uma, duas, três vezes …

- Feliz aniversário, irmã.

Cinco, seis, sete vezes …

- Feliz dezoito anos, irmão.

Oito, nove, dez vezes …

Isaac sorriu mais uma vez, fazia isso com frequência e Marie percebeu. Ela respondeu ficando ainda mais séria. Ela nutria um certo desprezo pelo irmão parecer feliz com tudo isso. Mas ela o ama. Sabia que ele está sentindo o mesmo que ela.

A última badala pareceu soar mais alto do que as anteriores e ainda ecoou nos ouvidos de Isaac e Marie por menos que o tempo mínimo de um batimento cardíaco, contudo pareceu demorar uma eternidade assim como o silêncio que a seguiu.

Um raio.

A luz agora iluminou, ainda no ar, o vulto negro, que saltara na direção de Marie e Isaac.

Marie desviou cinco metros para a esquerda de Isaac e ele simplesmente sorriu. Quando a fera estava a mais ou menos quatro metros de distância e ainda no ar, Isaac sacou uma pistola prateada com a mão direita e atirou. O projétil calibre .50 atingiu em cheio a testa da fera destroçando-a. O vulto negro caiu inerte no chão enquanto outro saltava por cima dele na direção de seu caçador. Isaac já fazia mira quando de repente este também caiu morto a menos de um metro do primeiro atingido por três adagas: uma na testa, uma no peito e a última no pescoço.

Isaac olhou para Marie e sorriu:

– Muito bem, irmã.

Marie olhou para ele séria e atirou outra adaga: ela colocou a mão dentro do sobre-tudo, fez um movimento para trás com o braço esticando-o perpendicular ao corpo e paralelo ao chão e lançou-a com um movimento muito rápido soltando-a quando seu braço estava totalmente esticado para a frente. A adaga voou como um míssil na direção de Isaac que simplesmente inclinou a cabeça para o lado e a deixou passar acompanhando-a com o olhar. Um dos vultos caiu com a adaga enfiada entre os olhos vermelhos.

Isaac olhou de volta para Marie:

– Se é assim... – E sorriu. – Let's go!

Isaac saiu correndo para o meio do mar de vultos negros que estavam na frente da igreja. Eram mais de quarenta feras de mais de dois metros de altura quando estão em pé e pelo menos um metro e meio quando estão sobre as quatro patas.

Marie viu Isaac levantar sua pistola e disparar quatro vezes: quatro monstros caíram. Ela começou a correr também e lançou duas adagas derrubando dois monstros à frente de Isaac que disparou mais três vezes e matou mais dois monstros.

Isaac parou e continuou disparando certeiramente contra cada vulto que avançava em sua direção.

Marie passou pelos dois monstros que acabara de matar e sacou as adagasque estavam enfiadas no coração de um e na testa do outro. Ela continuou correndo e jogou mais seis adagas matando cinco monstros e acertando um sexto no ombro, que Isaac liquidou sem pestanejar.

A chuva parecia aumentar a cada minuto, o que parecia impossível porque já estava chovendo bastante. Raios caíam mais frequentemente agora e o frio era quase congelante, contudo Marie e Isaac não sentiam nada disso, seu ódio por aqueles monstros aquecia-os e mais que isso: dava-lhes cada vez mais força. Não se passaram nem dez minutos desde a meia-noite e o tempo parecia se arrastar. Tudo era percebido em câmera lenta tanto por Isaac quanto por Marie.

Um dos vultos avançou ferozmente na direção de Isaac pela frente. Ele ia levantar a pistola e atirar quando percebeu algo atrás dele bem a tempo de saltar para a esquerda e evitar o que quer que fosse. Disparou quatro vezes: dois tiros para cada monstro que se aproximava sorrateiramente pelas suas costas e então ele saltou novamente e se pôs de pé sobre o cadáver de um dos monstros que acabara de matar já mirando na fera que estava agora no ar. O vulto negro que se aproveitou da distração criada pelos outros dois saltara na direção de Isaac descrevendo uma parábola no ar cujo fim era exatamente onde ele estava, contudo agora jazia com dois furos: um no peito e outro no pescoço.

Marie lançou mais duas adagas, uma com cada mão e matou uma das feras, que estava na sua frente. Avançou e saltou por cima dela chegando a uma altura incrível de mais de três metros. Lá de cima ela girou e lançou duas vezes adagas, quatro no total, derrubando dois monstros. Enquanto caía pegou mais duas adagas e segurou-as uma em cada mão. Aterrizou sobre as costas de outra das feras. Nesse momento o monstro tentou ficar de pé, mas outro corria em sua direção com a boca aberta mostrando os dentes gigantes. Marie saltou bem na hora em que os dois monstros se chocaram: o que corria saltou sobre o outro tentando pegar a garota. Ela deu um mortal para trás e aterrizou perfeitamente atrás dos dois monstros. O monstro que ela montara jazia com uma mordida nas costas de onde escorria um sangue cuja cor, Marie notara pela primeira vez, era preto assim como a pelagem dele. O outro dava meia-volta para ficar de frente para ela. A garota, então, lançou uma das adagas que atravessou o olho esquerdo da fera. Era possível ver a ponta prateada da adaga saindo pela lateral da cabeça a uns cinco centímetros da orelha esquerda do monstro. Ela aproveitou a distração da fera e com três passos largos cobriu a distância entre eles e com um movimento rápido da mão esquerda cortou com a outra adaga o pescoço do monstro cuja cabeça rolou até perto de onde Isaac estava.

Ela trocou a mão que segurava a adaga e lançou-a, a última, contra um monstro a uns seis metros matando-o instantaneamente.

Isaac continuava disparando contra os vultos negros matando-os como no máximo dois tiros. Disparou mais duas vezes e dois monstros caíram dessa vez. Ele recarregou a pistola com um dos pentes que levava preso ao cinto. Enquanto carregava a arma, o que não levou nem cinco segundos, percebeu que Marie se aproximava dele andando de costas.

– Quantas adagas você guarda debaixo desse sobre-tudo? – Sorriu Isaac.

– O bastante.

Isaac notou que ela estava de mãos vazias e perguntou:

– Já acabaram?

– Sim.

– Fique atrás de mim, irmã. Ainda tenho muita munição. – Falou Isaac pela primeira vez sério.

Isaac olhou para o outro lado e atirou mais duas vezes. Olhou de volta para Marie, mas ele não viu nada. Marie já estava indo em direção de um dos monstros de mãos vazias. Ele, então, mirou e atirou matando o monstro. A bala atingiu-o no lado esquerdo da cabeça e o vulto negro caiu no chão com seus miolos espalhados por um raio de mais de um metro.

Marie parou, olhou para ele séria, como sempre, e tirou o sobre-tudo. A peça caiu para trás com as costas no chão e as partes onde ficavam os grandes botões pretos – que se juntariam na frente se alguém estivesse usando – ficaram viradas para o chão molhado. As mangas do sobre-tudo caíram de um modo que parecia formar um par de asas. O sobre-tudo formava um anjo negro sobre o chão molhado.

Isaac notou algo junto ao corpo de Marie, preso na sua cintura e com comprimento de mais ou menos um metro. “Parece um bastão ou então... uma bainha!” – Pensou.

Isaac entendeu e virou de costas para a irmã começando a atirar e destruir outras criaturas.

Marie segurou o cabo da espada que estava embainhada e presa em sua cintura. O cabo ajustava-se perfeitamente a sua mão direita de uma forma singular. A espada era dela e feita para ela. Então ela puxou-a e o barulho característico chamou a atenção de três dos vultos negros. Marie se lançou na direção deles correndo o mais rápido possível. Ela e o monstro mais a frente estavam em rota de colisão frontal e no último instante Marie deu um passo para a direita, esquivou da pata da fera e projetou a espada paralela ao solo na altura de seu ombro e com o fio virado para o monstro. A cabeça dele foi cortada instantaneamente. Os outros dois vultos negros avançavam logo atrás do primeiro e estavam a menos de quatro metros dela.

Um dos vultos deu o bote e Marie agachou-se enquanto ele passava por cima dela. Esticou a espada em direção ao céu rasgando a barriga do monstro do peito até depois do umbigo e levantou-se num movimento rápido saltando para a esquerda. A outra fera não teve tempo de desviar: a espada de Marie já estava atravessando sua cabeça de uma orelha à outra.

Marie estava do lado direito do vulto que acabara de matar. Puxou a espada, tirando-a da cabeça da fera, esticando o braço com um movimento muito rápido de modo que, com um pouco da ajuda da chuva, o sangue negro que estava na espada saiu mostrando uma lâmina poderosa: de um gume apenas, leve e muito resistente. A luz da lua era fraca e chovia bastante, mas a lâmina ainda brilhava um pouco com o reflexo da luz lunar.

Marie olhou para o que ela acabara de fazer: o primeiro que avançara estava sem cabeça, o segundo jazia no chão ao lado de suas entranhas: coração, pulmão e o resto dos orgão internos da barriga incluído seu intestino e o terceiro monstro estava jogado a seus pés aparentemente dormindo, exceto pelo buraco que ligava um ouvido ao outro passando pelo cérebro. Ela estava parada e seus cabelos estavam escorrendo a água da chuva, que molhava também a roupa já que ela estava sem o sobre-tudo. Marie vestia uma calça colada no corpo – que era muito belo até mesmo para uma garota de dezoito anos – e uma camisa simples de mangas curtas, preta, assim como a saia. Ela sentiu alívio mas sua expressão não mudava: ela continuou séria e como se saísse de um transe desembaçou a visão e balançou um pouco a cabeça de um lado para o outro e saiu correndo na direção de mais vultos negros.

Isaac e Marie continuaram lutando sob a chuva e a luz da lua. A cidade, que de tão isolada parecia morta, assemelhava-se agora a um campo de batalha sobrenatural: seu centro estava apinhado de cadáveres de monstros negros. O cheiro metálico do sangue só não era maior e mais nauseante porque o chão de terra estava sendo lavado pela água da chuva, contudo uma mistura nojenta de água e de sangue negro acumulava-se perto dos monstros que jaziam, das laterais das calçadas e de qualquer lugar onde pudesse se acumular, formando várias poças de morte ao longo de toda a área na frente da igreja.

O número de vultos negros não passava de dez agora. Quatro estavam mais a esuqerda da cruz que ficava na frente da igreja. Essa cruz assemelhava-se a que estava atrás do altar no interior da igreja, todavia estava vazia e sobre uma base de pedra lisa. Os quatro formavam uma linha e encaravam Marie. Cinco deles rodeavam Isaac e um estava isolado a cerca de dez metros a direita da igreja.

Os raios cessaram havia alguns minutos e a chuva começou a diminuir. O monstro que estava só caminhou lentamente, de forma solene, e com as patas dianteiras pisou o cadáver de um dos seus, de modo a ficar, com essas patas, sobre a carcaça e com as outras tocava o solo encharcado. Ele inflou os pulmões ao máximo e jogou a cabeça para trás apontando o focinho para a lua e uivou tão alto que atraiu a atenção dos outros vultos, de Isaac e de Marie. O som que se assemelhava muito a um uivo, exceto porque transmitia consciência era de arrepiar até o mais experiente guerreiro, pois era a mistura de um choro de lamento pelos companheiros mortos e de um grito de guerra capaz de inflar o ânimo dos que ainda resistiam.

– Ah! – Exclamou com desdém. – Cala a boca! – Isaac levantou a mão direita que carregava a pistola prateada. A ponta do cano refletiu um pouco da luz lunar e o metal brilhava, mesmo que de forma fraca.

Então com uma força quase imperceptível apertou o gatilho.

O som do tiro foi seco, sem eco e precedido por um silêncio de surpresa. Tanto Marie quanto os outros nove vultos encaravam o corpo do monstro cair com a cabeça totalmente destruída pela .50 de Isaac. Marie não sentia pena, pelo contrário, sentia até um pouco de inveja, pois adoraria que fosse ela quem tivesse atirado. Os outros nove vultos voltaram-se para Isaac ignorando completamente Marie. Ele tinha matado seu líder, que era o único dos seus semelhantes que era protegido e resguardado por todo o bando.

Isaac riu com uma gargalhada sinistra e os nove vultos partiram simultaneamente. Marie olhou para baixo, agachou-se e pegou uma de suas adagas que estava enfiada no peito de um dos monstros mortos perto dela. A adaga saiu facilmente e o sangue negro daqueles monstros, mais denso que o sangue humano, escorria lentamente pela lâmina da arma. Ela sacudiu a adaga para tirar o sangue e ajoelhou-se sobre um dos joelhos, o direito, fazendo um ângulo de noventa graus entre a cocha e a perna esquerda de modo a conseguir estabilidade. Estendeu o braço direito totalmente para trás e com um movimento muito rápido e forte para frente lançou a adaga que rasgou o ar entre Marie e seu alvo indo parar enfiada na nuca de uma das feras que caiu imediatamente morta. Como o monstro estava na frente dos outros três derrubou um deles que o seguia de perto e fez com que os outros saltassem por cima, mas os três vultos negros já estavam correndo novamente em menos de um dois segundos. Marie levantou-se e sabia que não podia fazer mais nada, pois ela jamais conseguiria alcançar Isaac antes dos monstros, então resolver apenas observar.

Enquanto isso Isaac, em pé e logo após ter matado o líder do bando, esticou o braço direito para frente e disparou, jogou o braço para a esquerda e disparou novamente, desviou a mira trinta graus novamente para a esquerda e atirou pela terceira vez. Virou-se com um movimento muito rápido e disparou duas vezes. Após disparar e desfazer a mira viu que um dos outros quatro monstros que antes atacavam Marie caíra morto. Sorriu e recarregou a arma. Os cinco vultos negros que o cercavam caíram mortos. Os primeiros a morrer mais longe que os dois último, contudo todos mortos.

Os três monstros restantes estavam a menos de três metros dele agora. O primeiro a alcançar deu uma patada rápida tentando acertá-lo enquanto o segundo avançava com a mandíbula aberta. Isaac, com um sorriso, que parecia permanente, desviou para a direita esquivando da pata do primeiro e saltou meio metro para trás desviando da mordida do segundo. Disparou e o monstro que tentara morde-lo caiu morto. O terceiro, que caíra, chegou e saltou sobre ele. Isaac estava a meio metro do monstro que o atacara primeiro. Ele então, antes que o vulto pudesse sequer virar o rosto, disparou matando o monstro com um tiro no lado direito da cabeça e saltou para cima de suas costas no momento em que o último vulto negro aterrizava onde ele estava. Enquanto o corpo morto onde ele estava em pé caía, Isaac saltou novamente e caiu montado sobre as costas do outro monstro que quando percebeu o que acontecera já era tarde. Isaac disparou à queima-roupa na nuca do monstro, abandonando as costas dele antes que os dois caíssem. O projétil atravessou o encéfalo do monstro e arrancou toda a arcada dentária do monstro bem como os olhos e destruiu a cavidade nasal.

Marie caminhou até Isaac e ele até ela. Os dois andavam lentamente e aliviados. A chuva cessou completamente antes que eles se encontrassem sob a sombra da cruz de madeira na frente da igreja.

Sem pronunciar uma só palavra os dois se encararam – Isaac sorria e Maria continuava séria – e olharam em volta.

Brunno Andrade
Enviado por Brunno Andrade em 06/06/2010
Reeditado em 20/10/2010
Código do texto: T2303654
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