QUARTO 707

QUARTO 707

Dois homens, uma vida.

Parei o automóvel após fechar o sinal, o som estava ligado, o volume um pouco alto, parecia aqueles adolescentes que acabara de ganhar um carro. Esperei surgir a luz verde, mesmo não possuindo nenhum carro trafegando pelas ruas, era madrugada de terça-feira, todos estavam dormindo em casa na companhia da família, esperando o amanhecer, e lá estava eu, dirigindo meu Taurus pelas ruas escuras de Londres. O sono já estava quase me dominando, quando resolvi aumentar ainda mais o volume, comecei balançar a cabeça ao rítimo da música, estava tocando “Crash” do Aerosmith, era realmente impossível dormir com todo aquele barulho. Acelerei ainda mais, a empolgação começou a tomar conta do meu espírito, já estava com uma velocidade considerável, foi neste momento que perdi o controle do carro, derrapei e fui de encontro a um canteiro que dividia as duas pistas, o carro girou no ar umas duas vezes se não me engano, fui jogado pra fora com grande violência. O canteiro central ficou destruído, as flores que o enfeitavam foram totalmente arrancadas, uma delas caiu junto ao meu corpo, era branca como meu sonho. O restante do acidente não me lembro, meus olhos e minha mente se fecharam.

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Eu descia a escadaria lentamente, a escuridão deixava minha imaginação cada vez mais negativa. Minha enorme vestimenta balançava desesperadamente, parecia possuir vida. Um vento frio e úmido surgiu repentinamente, vinha de um lugar escuro e infinito deixando meus músculos mais rígidos, minhas pernas imóveis, podia-se me confundir com um fantasma. Pequenos gotejares caiam em um rítimo contínuo _ Que lugar mais sujo e sinistro _ Pensei.

As escadas nunca terminavam, eram circulares, já se passaram vários minutos e segundos de descida e nem sinal de uma luz no fim da escadaria. Finalmente resolvi parar, pois voltar seria uma grande tolice, teria de continuar, assentei-me lentamente no degrau e abaixei a cabeça esfregando o crânio com a mão direita após retirar uma toca de tecido branco, estranhei aquele material, não sabia quem colocara aquele tecido estranho em minha cabeça, era uma daquelas tocas hospitalares. Respirei fundo e relaxei a musculatura das pernas, afinal, não sabia quantos degraus ainda faltavam para sair daquela lugar amaldiçoado.

_Onde estou! _ gritei,este foi em vão, estava sozinho, sem companhia. Lembrei de minha esposa _ onde ela estaria neste momento, pensei.

Não demorou muito para que o sono me dominasse, o silêncio tornou dominante e total, era o dono do ambiente. Além do silêncio só existia a escuridão, o frio e o medo embutido na minha face sonolenta. Pequenos barulhos começaram a surgir, eram roedores em busca de alimentos, não parecia estarem em grande número, mas ficar dormindo não seria uma boa opção. Levantei-me demonstrando uma certa dificuldade. Meus músculos fermentavam e ardiam como fogo.

Quando olhei para os meus pés, estes estavam descalços, desprotegidos, nús ao ambiente frio e sombrio, aquilo era realmente muito estranho, não sabia qual o tipo de calçado estava vestindo mas jurava não estar descalço.

Fogo, luz, eram duas coisas que poderiam existir naquele momento de solidão e angústia. De passo em passo os degraus eram deixados para o passado. Apesar de estarem invisíveis devido a escuridão, estes eram vencidos lentamente. Um acidente, e pronto, eu desceria rolando vários degraus, os choques e fraturas seriam impossíveis de evitar, mas até que não seria uma má idéia.

Parei novamente, o lugar possuía um cheiro terrível de carne apodrecida, o lugar estava realmente fétido, procurei pelo meu isqueiro, este tinha o formato de uma garrafa de whisk, não encontrei-o. Não podia continuar parado. Quando resolvi dar mais um passo esbarrei meus pés em algo, abaixei lentamente e aproximei minha mão para certificar do que se tratava aquele obstáculo, ao tocar, descobri logo que era um corpo sem alma, parte dele era apenas esqueleto, pedaços de carne ainda estava colada e fixada aos ossos. Farrapos de um tecido cobria parte de seu corpo. Ao balançar aquele resto de vida, caiu algo sobre o chão, era uma caixa de fósforo, era uma pequena fonte de luz, porém, no momento era o suficiente. Ao clarear o ambiente, assustei ao ver minha roupa, era uma espécie de camisola branca, utilizada em hospitais para pacientes internados. A pequena chama não durou muito, a luz terminou lentamente, parecia o farol de um carro se distanciando. Em poucos segundos, a escuridão era dominante novamente. Tinha de economizar a única fonte de luz existente.

_ Droga!!! _ gritei, criando um eco naquele ambiente sinistro, porém, o som foi momentâneo.

Do silêncio surgiu um som rouco, era um eco, parecia um grito ou gemido, um cacófato, este se repetia constantemente, aumentava cada vez mais conforme eu descia as escadarias. Não se tratava mais do meu grito.

Minhas mãos tateavam a parede úmida e gelada, era formada de grandes pedras, parecidas com aquelas utilizadas na construção de pirâmides, porém estas eram negras. Meus pés desprotegidos ardiam, deixando meus movimentos cada vez mais lentos e cambaleante, parecia um ser embriagado.

As escadas finalmente tinha terminado, abri a caixa de fósforo e ascendi para tentar observar onde estava. Fiquei em completo pânico ao ver que o local estava coberto de corpos, alguns estavam amontoados próximo a parede, vários se transformaram em esqueletos, no qual vermes esbranquiçados surgiam de seu interior, estavam em perfeito estado, parecia ter sido montado por um estudante de medicina, todos estavam cobertos por uma vestimenta branca muito parecida com a minha, assustei ao imaginar que aquilo poderia ser meu destino. Achei ao lado de um dos corpos uma vela, esta já estava um pouco gasta, várias outras estavam queimadas e gastas, transferi a chama do palito para ela, na qual as chamas seriam muito mais duradoura.

O fim da escadaria dava em um salão circular pequeno, as paredes ainda eram formadas de pedras, o mais estranho era que não existia nenhuma saída. Passei a mão esquerda sobre a parede enquanto segurava a vela com a direita. Demorei um pouquinho pra observar uma pedra, ela estava um pouco solta, sua cor também se diferenciava das outras, era um pouco mais clara, tentei arranca-la, mas seu peso impedia a ação. Coloquei a vela lentamente no chão tentando evitar a escuridão. Apoiei as duas mãos na pedra em destaque e a empurrei _ não sei de onde surgiu tal força _ a pedra começou a se mexer, era realmente pesada. Mudei de posição e precionei agora com o ombro, uma gota de suor começou a se formar no meu rosto, agora o movimento foi maior. A vela se apagou, eu não poderia demorar muito tempo. Não precisei mais de tanta força, a pedra finalmente despencou do outro lado da parede. Uma luz ofuscante invadiu o recinto, minha retina já acostumara com a escuridão.

Olhei pela fenda que formou e deparei-me com um saguão de formato redondo, era muito grande e rústico, todo revestido de pedras.

Um homem de aparência um pouco velha se encontrava abaixado próximo a uma pilastra que se localizava no centro do saguão, coincidência ou não, o velho vestia uma camisola branca e uma toca de tecido também branca, próximo dele estava um suporte de metal no qual no seu ápice balançava um frasco de soro hospitalar, este já se encontrava vazio. A claridade era formada por três velas fixas ao chão próximas à seus pés.

Encolhi um pouco meu corpo e passei pela fenda, não foi muito difícil. Já no saguão, esfreguei minha mão em meu jaleco branco, que já não estava tão branco assim. Lá também existia corpos espalhados por todo canto, aquilo já não me assustava mais.

O velho virou-se repentinamente em minha direção, agora sim assustei ao ver seu rosto maltrapio, seu olho direito estava tampado com um grande curativo, surgiam por baixo de sua toca longos cabelos brancos que cobriam seus ombros, se tratava de um homem estranho e assustador.

_ Olá, quem é o senhor? Onde estamos?_ perguntei.

_ Não venha atrapalhar meus estudos_ pronunciou o velho com uma voz rouca _ Somente um sairá vivo desta prisão.

_ Que prisão? Estamos presos a onde?_ realmente não entendia nada do que estava acontecendo.

Por todas as paredes do aposento podia-se observar escritos e fórmulas matemáticas, pareciam datas e contas geométricas, estas estavam sendo escritas através de arranhões produzidos por uma agulha.

Mais ao fundo do saguão se encontrava um livro, este estava fechado sobre uma pequena pilastra, na qual tinha um metro de altura aproximadamente. O livro parecia ser bastante antigo, possuía uma capa de couro marrom e já apresentava um sinal de decomposição. Porém este livro não estava a disposição de qualquer leitor, ele estava no centro de uma enorme gaiola de aço redonda. Era realmente um objeto ou artefato de grande valor.

Ao me aproximar da gaiola, escutei um grito rouco.

_Este livro me pertence, saia de perto dele.

_Por que este livro está neste lugar isolado? Porque está trancado?

_Apenas um sairá vivo desta prisão_ repetiu o velho.

Todas aquelas escritas realizadas, eram enigmas, possivelmente seria a chave para abrir aquela gaiola.

_Quanto tempo o senhor está preso?

Não tive respostas, mas parecia não ser pouco tempo. Observei as velas, estas estavam acesas e não diminuíam seu tamanho e não existia nenhuma outra vela para ser substituída.

_ Aqui o tempo é estático _ disse o velho _ Não envelhecemos, não morremos, não existe ar muito menos vida.

Soltei algumas curtas gargalhadas_ Agora além de preso estou com um velho caduco_ pensei.

_Não precisa acreditar em mim seu intruso, um dia sairei daqui para rever minha família.

_Como existe vento sem ar? É impossível

_Aqui quase tudo é fruto de nossa imaginação, os ventos os ratos até mesmo o silêncio.

_ A quanto tempo está preso aqui?

_ Não sei, aqui não conseguimos diferenciar dia e noite, como já lhe disse, não existe tempo. Não faço a menor idéia de quantos verões ou invernos estou preso neste inferno.

_Quem são estas pessoas mortas?

_Como já lhe disse, um só sai vivo desta prisão, o outro apodrecerá.

Aproximei da gaiola e comecei a procurar alguma forma de abri-la, perto dela estava preso em uma das grades um pequeno dispositivo com quatro botões, onde podia-ser colocar numerações, o último era diferente tinha um formato esférico e possuía uma cor vermelha. Era realmente um cofre.

_Não consigo decifrar este código_ o velho jogou a agulha ao chão.

Observei o teto do aposento nele estava escrito “Apenas um ser poderá fecundar o óvulo”, formava um circulo descrevendo todo o teto. Então a gaiola representava o óvulo, somente um poderia abri-la.

O velho ficou como o tempo, em uma estática repentina. Ele se levantou e retirou um pequeno tubo de plástico do bolso da camisola, era o tubo que pertencia ao aparelho de soro.

Aproximou rapidamente em minha direção após pegar o suporte de ferro que suspendia o frasco de soro. Com um golpe, senti o choque do metal sobre meu ombro esquerdo, cai de encontro à grade, pude sentir o segundo golpe, agora sobre meu ombro direito, agora ambos estavam doendo, era uma dor profunda porém suportável.

Estava abaixado gemendo de dor quando lembrei de um simples detalhe, lembrei das palavras do velho: “Aqui quase tudo é fruto de nossa imaginação, os ventos os ratos até mesmo o silêncio”. Quem sabe a dor também seja fruto da imaginação, levantei rapidamente, parecia um jovem atleta.

O velho veio em minha direção novamente agora segurando o tubo de plástico, tentava me enforcar talvez. Consegui me esquivar a tempo e segurei seus braços virados pra traz, com o tubo, amarrei fortemente seus pulsos e deitei-o no chão, ele gritava e se debatia. O suporte de ferro foi jogado longe, o pequeno frasco soltou-se e caíra próximo da grande gaiola.

Após imobilizar o estranho, aproximei da gaiola. No frasco de soro, pude observar uma pequena citação, HOSPITAL MUNICIPAL DE LONDRES, QUARTO 707. Coloquei esta numeração nos botões da gaiola, eram exatamente três botões, logo em seguida apertei o botão vermelho...

De repente a grade se abriu, um grande estrondo podia-se ouviu, parecia um forte tremor, o lugar parecia desabar, pensei em levar aquele velho idiota, mas como ele disse, “apenas um sairá vivo desta prisão”. Corri para dentro da gaiola que fechou-se repentinamente após minha passagem. Ouvi uma voz ao fundo:

_ Parabéns rapaz, levei tempo para tentar descobrir o que era realmente esta gaiola, foi em vão _ o velho dizia de forma séria e sincera _ meu nome é Edwin king, ao sair daqui, tente encontrar minha família e diga que um dia irei encontra-los.

Abri o livro e nele possuía uma pequena imagem retangular, parecia se tratar de um portal. Olhei novamente para o velho, agora sentia tristeza e pena, seus olhos estavam fechados, agora pude entender o porque de tantos corpos estendidos ao chão. Aproximei lentamente a mão direita sobre a imagem retangular que me puxou rapidamente para dentro do livro.

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Abri os olhos lentamente, o aparelho do eletrocardiograma começou a produzir um barulho com uma freqüência maior e contínua. Senti uma lisa e leve mão acariciar meus pés descalços, abaixei o rosto e vi minha esposa, fiquei assustado ao vela com os olhos vermelhos de choro. Eu estava deitado sobre uma cama de hospital, me apresentava vestindo uma camisola branca e uma toca de tecido. Todos os presentes assustaram-se com a minha aparência repentina, meus olhos abertos dava um novo sinal de vida aquele corpo inerte.

Foram todos correndo e gritando pela presença de um médico.

Uma mulher que aparentava ter uns cinqüenta anos aproximou de meu leito e começou a sorrir enquanto escorria algumas lágrimas em seu rosto. Em seu pescoço estava pendurado um crachá de identificação, seu nome era Agatha King.

Aquele sobrenome não me era estranho, declinei meu rosto para a esquerda e observei o leito ao meu lado, nele estava deitado um homem de aparência velha, tinha longos cabelos brancos e um grande curativo no olho direito, na base de baixo da cama, próximo ao seus pés tinham três velas acesas. Um suporte de ferro sustentava um frasco de soro ao lado de seu leito.

Olhei em direção a porta, nela tinha uma pequena placa QUARTO 707.

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Fiquei internado por mais alguns dias. Os momentos do acidente começou a surgir em minha mente, não sei como ainda estava vivo naquele momento. Fiquei em coma profundo por um dia. O velho que encontrava no leito a minha esquerda não teve a mesma sorte, morreu subitamente, os médico deram como falência generalizada dos orgãos. Fui lembrando aos poucos do sonho que tive durante o coma. Aquele quarto era realmente um pouco misterioso e estranho, imaginei se seria um portal para um mundo paralelo, acho que já estava exagerando um pouco.

Levantei lentamente do leito, meus músculos estava rígidos e contraídos, era dia de voltar para casa, voltar para a vida. Olhei para a parede, e pude observar um quadro, este estava fixado entre os dois leito, sua imagem era um livro aberto, uma luz surgia de seu interior, existia uma grande torre como pano de fundo.

Peguei uma flor branca que estava descansando em uma jarra de vidro junto a cabeceira de meu leito e coloquei-a no bolso da camisa, esta estava aberta e bela, parecia estar renascendo para a vida.

MOSTARO RC
Enviado por MOSTARO RC em 08/09/2006
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