HIDROPLANO

O vento toca-lhe a face, invadindo o ambiente por duas ventarolas deliberadamente escancaradas. Um calafrio toma-lhe o peito no primeiro mergulho, seco e veloz, dirigindo-se ao imenso manto azulado. O barulhento motor do hidroplano ronca em seus ouvidos, enquanto executa manobras circulares como uma águia prestes a atacar sua presa. Pela janela embaçada pela sujeira, o gigantesco rio é imponente, e seus olhos são incapazes de ver onde se inicia ou onde termina as águas límpidas e azuis que cobrem aquele pedaço de planeta.

O avião não deseja apenas as brumas do vento doce e úmido da atmosfera. Como enamorado deixa-se a testar sua amada, provocando-lhe, beliscando as águas com a ponta do trem de pouso, preparado especialmente para ocasiões hídricas. A cada investida o metal rasga a resistência aquosa deixando para trás um rastro de espuma branca, e fazendo espirrar ao alto, gotículas refrescantes das águas violentadas.

Dentro do pequeno bólido, o homem acompanha a cada movimento do piloto. Suas mãos firmes no manche, fazendo planar sobre as águas o hidroplano que agora viaja em linha reta, sem pousar, nem arremeter. Simplesmente seguindo a linha reta do majestoso rio.

A viagem é tranqüila. O sol radiante inunda o pequeno avião, deixando a tez do homem iluminada, e o principiar de um sorriso tomar-lhe a face. Tudo isto um pouco antes de encontrarem o monumento.

A penumbra suave foi á constatação final que haviam encontrado uma anormalidade. Pela janela, o homem percebeu a luz sendo-lhe negada. Gigantescos arcos de madeira nobre cobrir-lhes como um túnel surreal, donde metros adiante, conjunções da mesma madeira com negros nódulos se uniam como se formasse um conjunto de vértebras. A visão do homem foi então desviada de sua origem por causa de um brusco movimento do piloto. Seu corpo foi jogado para os lados, e só não saltou do banco por causa dos cintos de segurança. Um tombo à direita, e um retorno brusco à esquerda. Sentiu o viajante.

Seus olhos viram a luz, que voltava a irradiar-lhes. O avião em três manobras rápidas emergia das sombras de um estranho monumento. Emergiam por um dos orifícios do gigantesco crânio de madeira. Do céu o homem admirava imponente escultura. Um esqueleto de madeira do tamanho de um prédio de onze andares repousava com metade de seu corpo submergido sob as águas esmeraldinas naquela região do rio.

O hidroplano seguiu seu vôo. E o homem jamais esqueceu aquela visão.

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Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 05/01/2011
Código do texto: T2710886
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