A Lápide

Era o campo, um campo de plantas e flores que não tinha fim.

Meus pés descalço e pisando.

Recordo-me da chácara da vovó. A vovó Marcela, sempre ia.

Eu, meus primos, os tios e meus pais. A chácara localizava-se próximo a Monteiro Lobato.

Lá tinha árvore de jabuticaba, manga, ameixa, laranja. A gente gostava das jabuticabas. Subíamos e comíamos no pé.

- Tomam cuidado crianças, vocês podem cair.

Dizia a vovó preocupada.

Mamãe ficava apavorada vendo-me na árvore.

- Estela, sua menina travessa, desça já daí!

E eu reclamava, dizendo que estava tranqüila.

Ficávamos até o anoitecer, depois no quarto com meus primos contávamos histórias de suspenses. Meu primo Leandro sempre nos arrepiava com suas histórias. Agora sei que as histórias eram decoradas dos livros do Edgar Allan Poe. Elas não surtem o efeito que faziam na infância.

Cresci. Conheci um grande amor, o Vítor.

Amor de verdade. Casei cedo.

Mamãe adorou papai não.

Ainda pensava que eu era a menina que ia à chácara da vovó Marcela.

Papai parou no tempo.

Quando casei, chorou muito. Não se acostumou.

Vítor, meu grande amor...

Era o amor da Camila, minha prima. Filha da tia Fernanda.

Camila amava o Vítor. Infelizmente, Vítor não sentia o mesmo por ela.

Quando eu disse que ele queria me namorar, ela brigou.

- Sua megera, ladrona de namorados!

Até me bateu.

Ela tentou atrapalhar, não conseguiu.

Vítor e eu nos casamos.

Quatros anos. Sem filhos.

Esse problema latejava minha cabeça. Tinha medo de Vítor não me querer mais. Ficava construindo bobagens.

- O que você tem?

Ele perguntou quando estávamos no parque Santos Dumont.

- Estou preocupada, só isso.

- Com o quê?

- Queria dar um filho pra você.

- Está se preocupando a toa.

- Um casamento não vive se não tiver filhos.

- Quem disse?

- Eu ouvi por aí.

- Besteira.

- Não quer filhos?

- Deixe pra depois. Se não der certo, podemos adotar.

- Não. Adotar, não.

- Não gosta da idéia?

- Tenho medo de a verdadeira mãe aparecer e querer levar a criança.

- Podemos exigir sigilo.

- Não. Ainda mais não é um filho legítimo.

- Quer sempre colocar obstáculos.

Era verdade, eu colocava obstáculos.

Lembro na época que veio Adriane. Amiga da escola.

Casada com um homem que trabalhou na Embraer, recebeu uma bolada quando foi despedido. Montou uma padaria na vila Ema. Mora num belo casarão no jardim Satélite.

Adriane estava com seu filho, um menino de três anos.

- Ele não é lindo!

Ela elogiava. E tava certa, o menino loirinho, carinha de anjo.

- E quanto vai Ter filhos?

Ela perguntava e eu dava qualquer desculpa.

- É cedo para pensarmos nisso.

- Cedo? Já é tarde, menina.

Tarde mesmo. Mas se Vítor não se importava, eu iria pertubá-lo? De maneira nenhuma.

Deixei seguir e estamos felizes.

E agora caminho neste campo de plantas e flores, não sabe onde está meu marido, me perdi dele não sei em que lugar.

Certa parte da história, eu recordo.

- Estela vamos ao shopping?

- Hoje, Vítor?

- Quero comprar um livro que vi na revista.

- Vamos no Sábado.

- Sábado é lotado, gente demais.

- Tá bem, vou trocar de roupa.

Botei uma calça, uma camiseta e tênis.

Pegamos à via Dutra, numa certa distancia surgiu um clarão, depois não lembro de nada.

E aqui estou perdida sem encontrar ninguém.

Lá longe três figuras.

Espero se aproximarem.

Ao chegarem vejo que são mulheres.

Uma era japonesa, vestia quimono com desenhos de flores amarelas, o rosto pintado de pó branco, as bochechas pintadas de vermelho e a boca azul marinho, o cabelo prendido por duas pontas que pareciam tocos, usava chinelo de dedo e meias brancas, uma autentica oriental.

A outra era africana. Tinha o cabelo escondido dentro de um pano verde, os brincos nas orelhas eram argolas enormes, no seu pescoço um colar de ossos pintados de marrom e outro que chegava aos seios. Eram miçangas verdes e brancas. Seu rosto tinha os lados riscados de amarelo e preto. A saia que usava é marrom e estava descalça.

A próxima, loura de olhos azuis, vestia como uma alemã tradicional, pele muito branca, a cara gorda e rosada.

- Somos as três senhoras e viemos entregar nossos presentes. Disse a japonesa.

- Vocês podem dizer que lugar é este, onde estou? Perguntei.

- Tenha paciência, perguntas de nada valerá no momento. Disse a africana para mim.

- Precisa esperar Estela, seu marido está chegando. Disse a alemã sorrindo num riso matreiro.

- Vocês sabem onde está o Vítor? Me leve até ele.

- Seu marido está perto Estela, precisa esperar mais um pouco. Disse a japonesa numa voz calma.

- É hora de darmos nossos presentes. Avisou à africana.

- Vai amar os presentes, Estela. Disse a alemã num riso debochado.

- Aceite o meu presente Estela, das terras do sol nascente.

A japonesa me entregou um crisântemo de cor roxa.

- Aceite o meu Estela, da amada África.

A africana segurava na guirlanda que colocou na minha cabeça e um colar de miçangas brancas.

- Desculpem como sabem meu verdadeiro nome?

- Ora, garota sabemos de tudo e de todos. E sabemos do seu verdadeiro nome porque está escrito aqui!

“A alemã entregou uma lápide que estava escrito:” Para Estela. Que ela esteja feliz na sua nova vida.”

- Adeus querida... Disse a alemã no seu riso debochado.

- Esperem! Isso está pesado, voltem!

E acenando desapareceram.

Não conseguia segurar a lápide. Pesada demais.

Cai com ela. Tentava levanta-la, não tinha forças.

- Estela!

Viro para saber quem era, era minha mãe brava e meu pai triste e de cabeça baixa.

- Mãe...

- Ah, Estela, que travessura você aprontou, menina!

- Mãe... Ajuda, eu não consigo levantar a lapide.

- Ela é sua, é você que deve carregá-la e não eu. O seu nome está escrito, é a sua carga de agora em diante.

- Pai...

Ele não falou. Permaneceu com seu semblante triste e cabisbaixo.

Eles foram andando.

- Adeus, filha.

- Mãe... Meu marido...

- Agüente mais um pouco filha.

E sumiram.

O que faço?

Não poderei carregar a lapide e o crisântemo ao mesmo tempo. Queria que alguém viesse. Vitor. Queria ele para ajudar.

Fico lendo a frase escrita na lapide. O que é uma lapide, mesmo? Deixa pra lá, logo descubro.

- Estelaaaa!

Alguém me chamando, voz surge num eco.

- Ô, Estelaaaa...

De novo.

Olho para o vazio e não vejo alma viva.

- Estela. Meninaaa!

São três vozes. De onde?

- Estela. Quer brincar menina?

- Estelaaa, menina arteira, você é.

Ô, Estela, quer brincar no carrossel?

E derrepente surgem três palhaços. Um alto de pernas longas, um baixinho gordo e um médio magro.

O alto tinha a roupa azul com enormes botões vermelhos, a peruca verde, os sapatões roxos. O médio, de roupa amarela dividido no branco. Sua peruca era azul, os sapatões brancos com ponta preta. O baixinho estava de roupa xadrez vermelho e amarelo, a peruca prateada, os sapatões cor de abóbora e verde.

Seus rostos pintados de um branco forte, o contorno dos olhos e as sobrancelhas de preto, as bochechas fortemente avermelhadas e os lábios de roxo.

O palhaço alto estava do lado de uma bola enorme quadriculada, o médio fazia malabarismo com três bolinhas e o baixinho sentado numa bicicletinha.

O alto sentou na bola e ficava pulando sentado.

- Olá, Estela, somos os palhaços.

O baixinho começou a dar voltas com a bicicletinha.

- Aqui estamos pra divertir.

O médio não parava de girar as bolinhas no ar.

- Somos a alegria, aproveita.

- O que deseja menina? – Perguntou o alto.

- Não sei...

- Quer mágica, muita mágica?

- Quero meu marido.

- Ah... Seu marido, a gente não pode trazê-lo. – Disse o médio jogando as bolinhas no ar ligeiramente.

- Peça outro pedido, menina. – Disse o baixinho rodando a bicicletinha ao meu redor.

- Ela vai saber escolher. – Disse o palhaço alto estalando os dedos. – Basta pedir.

Ele não parava de pular na bola, o médio ficou perto de mim, agora possuía mais bolinhas, o baixinho dava voltas ao meu redor.

- Pede menina, estamos esperando.

Disseram os três.

- Mas... Quero meu Vitor pra ajudar a carregar a lapide e o crisântemo.

Suas fisionomias ficaram amargas.

O alto saltou da bola, o médio parou de fazer malabarismo e o baixinho desceu da bicicletinha.

O alto estalou os dedos e os objetos sumiram.

- Desperdiçou sua chance, Estela. – Disse ele tristonho.

E desapareceram.

Estou sozinha novamente. Quem irá aparecer dessa vez?

- Estela!

Conheço essa voz.

Viro e vejo Vitor caminhando sorrindo de roupa branca.

- Vitor.

Abracei-o emocionada. Beijei sua boca.

- Vitor, estou aqui faz tempo, apareceu tanta gente, mulheres, palhaços, até papai e mamãe.

- Estou aqui querida.

- Onde estava, por que demorou?

- Era preciso querida.

- Vamos ao shopping, ainda ta aberto.

- Receio que não querida, esqueça o shopping.

- Mas...

- Venha, traga a lapide, eu carrego o crisântemo.

- É pesado, Vitor!

- A lapide é seu amor, cada um carrega a dele. Agora venha.

Com dificuldade fui segurando com as mãos a lapide e ia me arrastando.

- Vou te levar num lugar lindo amor, você vai adorar. Eles me deram essa roupa. Cantam a todo o momento, um canto suave a agradável de ouvir. Cantam em coro e uníssono. Vai amar.

Hei, olhe querida, o sol se pondo, não é maravilhoso!

(Rod.Arcadia)

Rodrigo Arcadia
Enviado por Rodrigo Arcadia em 25/02/2011
Reeditado em 18/01/2014
Código do texto: T2814461
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