Depois da Revoada

Uma garotinha de uns cinco anos de idade estava sozinha, sentada em um velho banco da praça. Olhava os pombos bicarem o chão à procura de migalhas. Seu semblante era sereno e nele estampava-se um singelo sorriso. Suas curtas pernas, penduradas por não alcançarem o chão, cruzavam-se à altura dos tornozelos. Um homem, já idoso, que costumava se sentar ali todos os dias, observava a cena intrigado.

– Olá mocinha! Desculpe-me a intromissão, mas não é hora de uma criança tão linda estar na escola?

A menina desviou seu olhar para o velho, porém permaneceu muda.

– Seus pais não ligam de você estar sozinha no banco de uma praça em pleno horário de aula?

A garota tornou a observar os pombos.

– Eles são incríveis, não são? – Comentou o homem, sentando-se ao lado da menina – Adoro observar os pombos. Faço isto todos os dias desde que minha esposa faleceu.

A garotinha permaneceu em silêncio, admirando a bela natureza daqueles pássaros.

– Ela fora a melhor esposa que um homem poderia ter. – Falou num tom nostálgico – Pedi-lhe em casamento sentados neste banco.

Um sorriso mais aberto irradiou o rosto da menina.

– Ela tinha longos cabelos negros e pele bem alva, assim como a sua. Em quarenta e dois anos de casamento, tivemos dois filhos e estes nos deram cinco netos. Uma tem mais ou menos a sua idade.

O homem tentava de todas as formas um diálogo com a garotinha, no entanto ela insistia em seu silêncio plácido e sorridente. Ele então abriu um saco de papel que trazia consigo e começou a jogar farelos de pão aos pombos.

– Quer me ajudar a alimentá-los? – Estendendo um punhado de migalhas para a menina.

No mesmo instante, o velho senhor soltou o invólucro de papel e as migalhas espalharam-se pelo chão. Sua mão enrugada levou ao peito e sua face expressava dor. Um suspiro profundo e um breve gemido... Ele recostou-se no banco. A menina assistia à cena apreensiva.

– Não se preocupe, pequena flor! Isso não é nada. – Tentava não afligir a garotinha – É apenas coisa de velho, daqui a pouco estarei melhor.

Uma brisa suave soprou naquele momento e com ela, a revoada dos pombos. A doce criança fechou os olhos e respirou profundamente aquele ar divino.

– Está na hora. – A menininha ergueu-se e, finalmente, findou seu calar – Você está bem agora?

Ele, já se sentindo melhor, estendeu sua mão à garota e ficou de pé, mas seu corpo permaneceu caído ao assento. Um desespero lhe tomou de súbito: sua velha imagem sem vida naquele banco... Era, sem dúvida, a sensação mais aterrorizante de sua existência.

– Você é algum anjo da morte? É isso? – Perguntou temeroso à menina.

– Sou o anjo da sua vida, assim como você é o da minha.

Foi quando ele se deu conta de que não mais era um velho e que sob a jovialidade daquela linda garotinha, encontrava-se sua tão amada esposa.

– Todos nós voltamos a ser crianças após a morte, minha querida? – Perguntou ele, bem mais tranquilo.

– Não, meu amor! Não voltamos a ser crianças, porque nós dois jamais o deixamos de ser. – A paz transmitia-se em plenitude na delicada voz daquela alma menina – Para onde vamos agora, somente crianças podem ir.

Júlio A S Crisóstomo
Enviado por Júlio A S Crisóstomo em 12/04/2011
Reeditado em 20/04/2011
Código do texto: T2903476
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