Redenção, Caminho Para o Paraíso (Capítulo 9)

O clima intenso dos olhares foi abalado pelo barulho da campainha. Alguém estava do lado de fora à procura de Erakel, provavelmente. Passava pouco das dez horas da noite, o que indicou a Erakel que talvez algo de perigoso pudesse estar acontecendo. Allin e Magnus também saíram do semitranse em que estavam. Ela ainda não havia conseguido assimilar a acusação que Erakel havia feito. Não podia acreditar que Magnus, o mesmo homem que havia se deitado com ela na noite anterior havia traído seu amigo e blasfemado de tal maneira contra Christos e tudo o que ela acreditava. Mas tão pouco queria se preocupar demais com isso agora, precisava deixar sua mente aberta, para poder raciocinar melhor sobre tudo o que estava acontecendo.

A campainha tocou novamente, e os três novamente se olharam. Erakel acreditava estar diante da pessoa que havia profanado a memória de Amanda, lhe torturado e enganado todo esse tempo, aquele que ousou chamar de amigo, e o traiu da pior forma possível. Magnus olhava para um inquisidor Erakel, que parecia querer destruí-lo apenas com o olhar. Podia ver em seus olhos o ódio, o rancor e a certeza de que era realmente ele o culpado, ao mesmo tempo em que olhava para Allin, e via que a amiga, e agora algo um pouco mais, olhava incrédula para ambos, sem saber em que, ou quem, acreditar. Allin podia ver que Magnus continuava sereno mesmo diante da acusação, Erakel deixava transparecer toda a certeza do que dizia através da fúria em seu olhar. Decidiu verificar quem estava a chamar do lado de fora, saindo e deixando ambos sozinhos.

_Erakel, olhe bem pra mim, diga que não acredita mesmo no que está dizendo _ disse Magnus, sereno e calmo, escondendo o medo que trazia dentro de si.

_Estou olhando Magnus, e olhando para o ser que ousei chamar de amigo. Para o ser que profanou a memória de Amanda, que me crucificou em crua invertida, que me chamava de amigo e me traiu...

_Erakel, você está louco, tem alguém manipulando você, será que não percebe? _respondia Magnus, agora perdendo um pouco o controle sobre seus sentimentos _ Jamais seria capaz de fazer algo contra você. Posso ser um caído, mas jamais seria realmente um demônio. Ainda sou temente às leis de Demiurgo.

_Mas não é bem o que está parecendo, meu caro Magnus...

Erakel e Magnus olharam para o lado, e viram a presença onipotente de Marcos. Como sempre, o vampiro estava vestido de forma elegante e soturna, uma combinação que fazia apenas com que seus traços de caçador noturno ficassem mais evidentes a olhos acostumados com as trevas que a cidade escondia.

_Estive investigando, por conta própria claro, alguns dos acontecimentos recentes, e devo informar que as coisas não parecem muitas boas para o seu lado, Magnus, ou devo dizer apenas M? _Marcos falava com um tom inquisidor. Allin apenas olhava, silenciosa, enquanto Erakel, desconfiado como sempre, esperava o vampiro concluir seu raciocínio. _ Pelo que parece, o responsável pela morte daquela garota que você diz que ama, Erakel, foi um sujeito que atende pela alcunha de M. Me encontrei com uma garota na noite passada, que por acaso tinha as descrições da garota que você diz ter morrido, dizendo que o responsável era alguém próximo a você, e que atendia pelo nome de M. Pelo menos foi o que ela conseguiu dizer antes que desaparecesse.

_Você está insinuando que realmente Magnus é o culpado? E que Amanda está viva? _Erakel disse, deixando-se parecer um tanto surpreso quanto incrédulo.

_Você está louco seu vampiro desgraçado! Você acha que por acaso sou o único que tem o nome começado com M? Por acaso Marcos começa com alguma outra letra?

_Acho que você não está entendendo, seu caído chorão e ignorante. Trata-se de uma pessoa próxima dele que está por trás de tudo, e como você bem sabe, não sou próximo de nenhum de vocês, principalmente de alguém tão lamuriante como você...

Magnus era agora apenas ódio por dentro, mas devia se conter. Olhou para Allin, buscando um pouco de apoio ou consolo, no entanto, o que viu foi apenas um olhar frio e inquisidor. O amor, a compaixão, o carisma da anjo foram substituídos pelas suas características de caçadora, de arma celestial. Erakel olhava, tanto para marcos quanto para Magnus, encarando ambos como um lixo, da qual tinha de se desfazer rapidamente. Um breve silêncio reinou no ambiente, cortado pela voz firme e decidida de Allin.

_Marcos está errado, e eu acredito que Magnus não tenha feito nada disso. Ele estava comigo todo este tempo, e não saiu de perto de mim em momento algum. Como ele poderia ter capturado Erakel e o torturado daquela forma? Isso teria levado bastante tempo, o que ele, com certeza, não teve.

_Hora, eu estou errado? Pois bem, permita-me saber onde me encontro errado? _desafiava Marcos, querendo entrar em mais um de seus jogos sombrios _ O que poderia eu ter dito que soe errado a tão bela feição?

_Você disse que o responsável era Magnus, e, no entanto, não tem nenhuma prova substancial, a não ser sua palavra, o que se tratando de um vampiro, não é digna de confiança.

Marcos se riu por dentro. A garota era esperta, tão esperta quanto bela, e estava entrando em seu jogo. Deveria continuar com calma, ou perderia terreno cedo demais. Mas a arte da dissimulação e do engodo eram características muito bem aprimoradas, e que lhe serviriam muito bem agora. Começou a bater palmas para a garota, entraria em seu jogo.

_Bravo, bravo!! _dizia, ainda batendo palmas _ Uma garota tão bela quanto você certamente deveria também ser muito esperta e inteligente. Pois bem, concordo com você, não tenho prova alguma de que o chorão ali possa ser o responsável _disse, apontando para Magnus _ mas, certamente, creio que me interpretou mal, minha cara. Em momento algum disse que ele era o culpado, mas sim apenas demonstrei como seria difícil para ele demonstrar o contrário, quando todas as evidências estão contra seu amigo, não concorda?

Allin estava surpresa. O desgraçado era esperto, e sabia do que estava falando. Provavelmente tinha as respostas que todos estavam querendo, mas iria ficar ali, com esse jogo estúpido, até ter certeza que conseguiria o que estava procurando. Não era hora para jogos e brincadeiras. O tempo estava correndo, e algo precisava ser feito.

_Tudo bem, tudo bem, é hora de acabar com esse jogo. O que você quer afinal de contas, seu sanguessuga arrogante?

_Bem, acreditava que os anjos que ainda não haviam caído eram mais educados, mas tudo bem... _ Allin olhou com desprezo para o vampiro. Tinha pavor dessas técnicas ridículas de insultos _ Sei que você está aqui para uma missão importante, e sei que precisa cumprir. Bom, acontece que eu estava pensando em, digamos, um pequeno favor em troca de tudo o que eu sei e posso vir a saber em muito pouco tempo.

_Hahahaha!! Esse realmente é o mesmo Marcos de sempre. Uma mão lava a outra, não é mesmo nisso que você acredita? _ Erakel olhava e ria para o vampiro, e este sabia que, se dependesse do maldito caído, não conseguiria nada do que pretendia.

_Bom, posso lhe garantir, Erakel, que Amanda não está morta, como essa linda anjo aqui já deve saber... Magnus também não tem, a princípio, nada a ver com o que está acontecendo no momento.

Allin viu-se pega de surpresa. Nem mesmo Magnus sabia de tal informação, e a ela foi dito, quando estava recebendo a missão, que somente revelasse tal fato se realmente necessário. Como o desgraçado havia descoberto isso com tanta certeza? NO começo acreditava que fosse apenas uma suposição, visto que realmente não a conhecia, no entanto, agora, tinha certeza de que o vampiro não mentia. Seria capaz de perceber se ele estivesse fingindo conhecer a verdade. Erakel olhava para Allin, e se imaginava se era essa a informação que ela estava prestes a lhe passar, alguns minutos atrás, antes de toda essa discussão começar.

_Do que... como você sabia disso? Onde conseguiu essa informação? _Allin estava nervosa e confusa.

_Bem, um mágico jamais revela seus truques, minha cara. Saiba apenas que eu sei como e com quem conversar. Mas, e então, temos um pequeno acordo?

Erakel não deu tempo para que Allin nem mesmo considerasse tal proposta, e interrompeu a conversa com Marcos.

_Bem, digamos que seja verdade, então façamos um acordo. Sei que você, além de vampiro, também é um bruxo das trevas. Troquemos conhecimento por conhecimento, o que acha? Você me passa tudo o que sabe sobre essa história, e eu te transmito todo o conhecimento sobre magos e magia que eu possuo.

Magnus e Allin olharam espantados para Erakel, mas este concentrava seu olhar nos olhos de Marcos. O vampiro analisava friamente a proposta do caído. Como anjo, e agora como demônio, era capaz que realmente tivesse um acesso maior aos antigos conhecimentos sobre magia e rituais que tanto almejava conseguir, mas também era possível que fosse apenas um blefe. Ele havia proposto rápido demais, e concentrava muito seu olhar nos do vampiro. Isto estava cheirando a enganação para Marcos.

_Sinto muito, mas eu creio que não caio tão facilmente nessa sua jogada, Erakel. Mas você se saiu bem, eu quase acreditei que fosse verdade.

Magnus analisava bem a situação. Mesmo parecendo odiar-lhe ao extremo, Erakel iria até o fundo disso tudo para descobrir a verdade, e somente então agiria. Allin também estava disposta a arriscar até mesmo sua situação como anjo para ajuda-lo, mesmo que isso significasse sua queda. Podia ver nos olhos da anjo que ela estava quase cedendo a proposta do vampiro. Pensou profundamente, e analisou sua situação. Fosse como fosse, o principal suspeito era ele, e se sentia responsável de alguma forma, por tudo o que estava acontecendo. Não tinha escolha, se alguém precisava arriscar algo, preferia que fosse ele.

_Está certo então, Marcos. Eu faço um trato com você. Faça tudo o que estiver ao seu alcance para ajudar o Erakel a descobrir a verdade, e em troca...

Marcos olhava surpreso para Magnus. Tempo antes, havia tentado fazer um acordo com o caído, mas este havia recusado a proposta inicial, e, ao invés disso, lhe havia cedido uma parte de sua alma. Mas parecia que agora, o caído estava disposto a aceitar...

_Eu... eu me torno seu escravo...

Erakel e Allin mal podiam acreditar no que tinham acabado de ouvir. O maior dos pecados, sendo anjo ou anjo caído, que uma criatura criada nos céu podia cometer, era jurar servidão à outra criatura que não fosse o Demiurgo. Qualquer outro pecado, mesmo um que infringisse um dos Dez Mandamentos Sagrados, que o Demiurgo havia revelado a Moisés através de uma pedra. Não podiam acreditar que o anjo caído que, para eles, era mais obcecado em obedecer às leis que os próprios responsáveis por policiá-la, estava disposto a cometer tal pecado para ajudar um amigo a descobrir a verdade.

_Está bem, trato feito. Temos como testemunha uma anjo, que não poderá mentir para lhe defender, e também o que você diz ser seu amigo. Acho que agora é hora das verdades aparecerem...

Eduardo Setzer Henrique
Enviado por Eduardo Setzer Henrique em 14/11/2006
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