O casal

Um casal de noivos estava no altar. Ela belíssima. Loira de olhos verdes, cabelos dourados e ondulados, seios volumosos e corpo de deusa. Ele, bem apanhado e de bela estatura. Chamam a atenção dos presentes na igreja de nave gótica. Ele é latino de pele morena e cabelos muito pretos. Um casal pouco convencional naquelas bandas. Parecem muitos felizes.

Umas 7 a 8 pessoas os acompanham à porta da igreja para jogarem arroz antes de saírem na limousine preta alugada.

Em frente à janela do quarto do hotel, olhando a paisagem enquanto ela ainda dorme, ele comemora em pensamento o sucesso do verdadeiro projeto que foi casar-se com uma americana e conseguir o green-card. Ainda mais “aquela mulher”. Alimenta esse pensamento até para esconder de si mesmo que sua emoção tem outra razão. Não se atreve a racionalizar, mas a emoção é envolvente demais para uma cidadania. Está imensamente feliz, mesmo tendo que lidar com um temperamento um pouco oscilante como o dela: hora cantarolando blues, hora mais compenetrada, introspectiva... Mas nada que realmente preocupe.

Ele a conheceu na saída do seu trabalho numa noite de chuva esperando a um táxi na calçada.

A atração instantânea os fez dividir o táxi de forma quase imprudente e agora estava ali sem lembrar se já tinha estado tão excitado assim antes.

Dois meses depois...

-Vamos cara, temos que comemorar. É só dois drink’s.

- Está bem, mas só vou porque esta é a 3ª vez que você me chama e vou ganhar crédito para me recusar por um ano.

- Você só precisa ir lá uma vez.

- E se eu gostar?

O bar estava enfumaçado. O som de “dancing” e as luzes reportaram-no há outros tempos em seu país.

Deixou a mesa onde estava com os amigos e foi ao banheiro. De sua entrada se via a porta de acesso ao corredor que dava nos camarins e na sala da gerência, de modo que se via funcionários e dançarinas que passavam rapidamente sem necessariamente sair por aquela via.

Deteve-se por momentos olhando o fluxo. De repente, uma mulher, vestida de preto no estilo molhado-liso / decotado / curto passa com os dois braços enlaçando o dono da casa noturna no corredor.

Seu rosto embranquece. Suas mãos suam. Sente-se fraco. Sua mente não consegue mais decifrar o que vêem seus olhos, ocupada em gravar e repassar mil vezes em um segundo aquele breve momento.

Não volta mais à mesa. Vai direto para casa. Sua mão desliza no bronze dourado e liso da maçaneta, tal a falta de firmeza e a violenta distonia porque foi tomado.

Abre a porta... E lá está sua amada sentada e com expressão de expectativa pelo seu pequeno atraso.

Abraça-a como quem quisesse desmentir o princípio que não permite dois corpos no mesmo espaço.

Embora estivesse convencido de que as mulheres não poderiam ser as mesmas algo lhe inquietava. Talvez fossem os gestos... Talvez a semelhança absurda. Não conseguiu dormir àquela noite.

No dia seguinte, aproveitando-se da ausência temporária da mulher, decidiu bisbilhotar seus objetos. Havia uma mala. Vivia trancada. Ele, quase com uma espécie de febre, a forçou e a abriu. Não percebera que havia um perfume naquela noite do bar. Um perfume que somente agora voltara a sentir. Levantou a capa do interior da mala e lá estavam: o vestido preto, outras roupas no mesmo estilo, meias com espartilho, o vidro do perfume e mais ao fundo, entre estojos de maquiagem e peças íntimas pretas um retrato em preto e branco de duas meninas loiras. Idênticas.

A frase do seu amigo veio-lhe à mente: “Você só precisa ir lá uma vez”.

Ele não percebera que ela havia chegado. Arrumou rapidamente a mala, fechou-a e arremessou-se à cama com um terremoto a sacudir-lhe as entranhas. Do quarto escutou-a caminhando pela casa cantarolando uma canção. A canção blues ouvida no bar.