O caminho

Sabe quando você tem a nítida sensação que querem te impedir de fazer algo, ou chegar a algum lugar? Era justamente esta sensação que tinha.

Não sei por quanto tempo estou em busca do que procuro. Tampouco sei o que procuro. Apenas sinto-me impulsionada a cruzar por esta estrada de paisagens inóspitas. E tão longa que não posso estimar por quanto tempo estou viajando.

Mais remota entre as lembranças, a saída de um imenso túnel. Lembro-me vagamente da sensação de abandonar o breu, e enfim sentir o alívio do ar irradiando meu corpo. Olhava para trás e me sentia oprimido. Justamente o oposto me vinha ao vislumbrar o horizonte longínquo, tão iluminado, tomado por um azul tão lindo como os que banhavam os jardins celestiais.

Foi naquele momento que joguei-me a caminhar.

A estrada em princípio de asfalto tão liso e incapaz de incomodar aos meus pés desnudos. Aliás, eu mesmo caminha desnudo por terras tão esquecidas. No entanto depois de tempos, estes mesmos pés caminharam sobre todo tipo de piso, e hoje sangram em meio a estas pedras.

A estrada, que reta, vez por outro mostrou-me desafios. Paredes que fizeram de mim um alpinista. Minhas mãos ganharam firmeza em cada paredão que tentou ousar distanciar-me de tal lugar, por qual perseguia.

Em outras vezes paciência foi-me exigida, como quando que por vários dias e várias noites, sentei-me a esperar a maior manada de búfalos que pude ver, cruzar cortando meu caminho. Um mar negro como barreira, que dobrou-se perante minha calma, assim como o mar vermelho certa vez fora partido ao meio.

Em outras ocasiões, porém, mais que paciência, exigiu-se de mim a força, e não menos que maia dúzia de feras monstruosas tive de derrotar. Elas claramente querendo interpor-se entre mim e meu destino, como se não fosse eu digno da glória de chegar á local tão desejado.

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A última dentre estes foi uma besta assustadora, que por sinal a mais difícil de ser vencida. A ela pertencem os arranhões que rasgam a pele de minhas costas. Vez por outra eles ardem em febre, e recordo da criatura miscigenada num misto de urso e polvo, cujos tentáculos eram providos de garras mortais. E depois de recordar, então sorrio lembrando que a mim pertence á morte de tal figura monstruosa.

Noutras vezes seja quem for que tenta me impedir, usou da tentação. É o meio mais fácil de corromper os homens. No entanto não sabiam que sou incorruptível.

E foi quando o caminho parecia-me mais ameno, e todo o campo coberto por uma macia e verde grama. Cercado por um jardim, onde todas as flores do mundo se dispunham intercaladas, num colorido magistral, o caminho era um deleite. Foi quando enviaram-na.

O negro de seus cabelos resplandecia tamanho brilho. Seu corpo nu exibia a mais perfeita tez, entre todas. Seu corpo languido exalava o perfume da paixão. Ela caminhava de tal forma que o erotismo era explícito. Mas ignorei-a. Ela, seus olhos cativantes, e seus seios clementes por afago.

E foi desta forma que tenho caminhado. E mesmo que agora caminhando sobre pedras, sei que mais próxima do fim está minha jornada. Há certeza em meu coração que depois do imenso cânion, está meu destino. O lugar enfim, tão desejado.

Os passos são mais ligeiros. Mas há ainda, uma tentativa de impedir-me a atravessar a decrépita ponte, que une o lado indesejado, aos jardins tão sonhados por mim, cujo céu emana a paz, e terra remete ao descanso. A derradeira tentativa, porém deve ser dos argumentos o mais convincente. E acredito que tal repertório esteja bem reduzido.

Então sobre uma pedra que repousa perto à cabeceira da ponte, surge o pequeno ser. Seus cabelos iluminados refletem o ouro em cada cacho. O púrpura dos olhos joga-me a um mar de saudades, e então cada vez mais familiar revela-se aquele rosto que poderia confundir-se a um anjo.

— Se cruzar esta ponte, não terá como voltar. Como as canções que nos acalmam, a voz docemente infantil e ingênua prosseguiu. — Papai eu não quero que você morra... Por favor, não morra!... Disse chorando de uma forma verdadeira que apenas as crianças, podem fazer.

Este era um bom argumento, e um excelente motivo para jogar-me pelo caminho da volta. E a luz por qual buscava, deveria estar dentro do túnel, o qual não deveria ter saído para passear.

— Papai já está indo. Disse-lhe eu tentando tocar a imagem que esvaecia na paisagem, até sumir por completo.

Enquanto caminha de regresso, a máquina então muda naquela alva sala, começou a falar novamente. Bip. Bip... Bip...

Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 08/08/2011
Código do texto: T3147036
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