O souvenir

Eram mais ou menos umas seis ou sete horas da noite quando ela saiu caminhando da Avenida Sete de Setembro profusamente iluminada com as luzes multicoloridas dos enfeites natalinos e entrou na Rua Prudente de Moraes em direção ao Bairro do Mocambo onde residia havia poucos dias. Egressa do Distrito de Extrema, lá na fronteira com o estado do Acre, ela era nascida e criada no interior do Estado e estava encantada com Porto Velho.

Mergulhada em seus pensamentos caminhava próximo à segunda esquina da Prudente quando, com o canto do olho ela percebeu um homem relativamente jovem que, encurvado, cambaleava próximo a uma Kombi com a porta lateral aberta. Pensando tratar-se de alguém que fora assaltado precisando de auxílio, ela aproximou-se cautelosamente da possível vítima.

Foi uma das últimas lembranças que guardou quando desfaleceu.

Acordou no meio do matagal na estrada da Cachoeira de Santo Antônio nauseada com o cheiro agre de sangue ressequido que a cobria.

A outra lembrança, muito vaga, era que o homem que ela fora auxiliar, num átimo de segundo ficara ereto e com uma agilidade fora do comum cobrira suas narinas e boca com um lenço embebido com um líquido de odor muito forte.

Com a vista turva ela percebeu que o dia estava amanhecendo.

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O notebook ligado apresentava em sua tela uma imagem sendo retocada com o “fotoshop”. Na fotografia uma jovem despida e muito bonita estava deitada sobre um banco de jardim com as pernas bem torneadas semiabertas. Na junção nas coxas com os quadris, uma rosa vermelho-rubro escondia o monte Vênus com um pudor pueril.

Logo acima da rosa, saindo do meio dos pelos púbicos, o tronco da jovem ostentava um ferimento horrendo que se prolongava até a garganta também aberta de um lado ao outro do maxilar por onde o sangue escorrera em abundância espalhando-se pelos braços da jovem como pequenos rios vermelhos onde formaram uma poça tétrica aos seus pés.

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O homem fechou a porta lateral da Kombi, caminhou em direção à torneira, abriu o registro e direcionou a ponta da mangueira para a poça de sangue que estava abaixo do banco do jardim.

Enquanto lavava a sujeira ficou recordando o que fizera nas últimas horas.

“Estou ficando cada dia mais habilidoso. O corte saindo do púbis até a garganta deu um toque magistral na fotografia, mas, quando eu examinei o corte na garganta no notebook percebi que faltou mais sutileza na abertura e no final do segundo golpe, o da jugular”.

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Depois de limpar com extremo cuidado o sangue sobre o banco e jogar água em abundância sobre a grama para retirar os últimos vestígios vermelhos das folhas ele entrou na casa, sentou-se frente ao computador e ficou manipulando o programa para efetuar os últimos acabamentos na imagem macabra enquanto voltava a pensar:

“Tenho que praticar mais, com algumas vítimas eu tenho me precipitado, os golpes não têm sido aplicados com precisão. De qualquer forma acho que posso dar um desconto, essa última foi só a sétima... Creio que com mais umas quatro ou cinco eu consigo melhorar, e muito, a minha performance”.

Em seguida ele pressionou o botão direito do mouse, selecionou o ferimento no pescoço da vítima e deu um “zoom” para ampliar a área selecionada. O “zoom” mostrou que as bordas não ficaram lisas, o que demonstrava que o golpe não fora limpo, preciso, efetuado com maestria. Porém, ele afastou a autocrítica e pensou novamente:

“Exatamente, a borda do lado direito ficou com rebarba. Na próxima vez tenho que fazer um golpe com a precisão de um cirurgião”

Depois largou o mouse, colocou a mão no queixo e olhando fixamente para a imagem na tela, ficou analisando e pensando:

“A maquiagem do corte sobre a barriga e o peito ficou relativamente boa, o sangue de galinha é que não deu a tonalidade vermelho vivo que eu esperava... Acho que vou retornar ao uso do sangue de porco, ele dá mais autenticidade, tem a cor mais rubra, mais vibrante...”

Satisfeito, guardou a caixa de maquiagem estampada com o logotipo do Teatro Banzeiros e caminhou em direção à cozinha para preparar um lanche enquanto falava em voz alta:

-Será que tem mais alguém no mundo com essa mania de colecionar fotografias de vítimas de “serial killer”?

Depois ele imprimiu a fotografia da “vítima” e guardou-a cuidadosamente dentro da gaveta.