A expiação do carrasco

Não sou um assassino em crise de consciência, me recuso a enxergar desta forma.

Meu caso é pitoresco e quase custou minha vida.

Dias atrás aceitei uma proposta de cinco mil para executar um sujeitinho do centro. Trabalho fácil e sem maiores preocupações. O que me fodeu foi aquela menina.

Cruzava as ruas seguindo o tal Timóteo( o chamarei assim), ele teve a idéia infeliz de seguir por um caminho tranquilo demais. Preparei o bote, duas facadas estavam de bom tamanho.

Então notei a criança. Me olhava sorrindo.

Perdi o foco e pior. Perdi o sujeito de vista.

A guria me fez perdê-lo, consegui uma nova oportunidade somente cinco dias depois.

Vi um filme em reprise, lá estava Timóteo com seu terno folgado caminhando apressado.

Eu permanecia confiante em seu encalço e na hora H vejo a menina ali. E tinha um cara olhando também.

Perdi a atenção e fui atropelado por uma caminhonete. Me machuquei bastante, o motorista prestativo assustou-se quando peguei a faca do asfalto.

Não havia sinal da menina ou do cara.

Confesso que fiquei puto!

Nunca havia atrasado tanto na conclusão de um serviço, este escorpião em minhas costelas não é por nada!

Mas o que eu iria fazer? Um assassinato com uma testemunha vira homicídio duplo. Com mais testemunhas poderíamos ter uma chacina.

Decidi planejar melhor, achei uma brecha na rotina de Timóteo. Ele encontrava sua amante nas quintas-feiras, após a trepada aparecia na sacada para fumar.

O que me garantia cinco minutos para um belo tiro na cabeça.

Subi até o terraço do prédio em frente e esperei o senhor fodão aparecer para sua tragada. Anos de trabalho e só agora sentia algo estranho.

O calvo Timóteo apareceu na sacada, aprontei a mira e estava para disparar. Limpei o suor da testa com meu lenço e foi ai que vi, haviam pessoas em uma sacada próxima e pareciam olhar para o prédio em que eu estava.

Olhei com a mira. Eles me fitavam.

Sabia o que era a sensação estranha agora, sem dúvida, eu estava nervoso.

Decidi não desperdiçar a chance, se tivesse que matar mais três que fosse então.

Minhas mãos tremiam. Rápido, eu devia ser rápido.

Soltei o ar e fiz o disparo, Timóteo caiu dentro do quarto. Apontei para a sacada vizinha em seguida.

Não havia ninguém ali.

Serviço não terminado com as testemunhas, pelo menos havia acertado Timóteo.

É o que eu pensava. Tomava meu café na habitual padaria na manhã seguinte quando vi um fantasma na rua.

Timóteo andava apressado com um curativo na orelha direita. Eu errara o tiro, eu havia errado a porcaria do tiro.

A situação era insustentável, precisava terminar aquilo naquele momento. Eu havia baleado o cara com testemunhas olhando e agora ele ia trabalhar?

Não mesmo!

Ganhei a rua e segui Timóteo, estava ansioso segurando minha faca no bolso. Se eu o matasse tudo ficaria bem na minha cabeça.

Ele entrou no trabalho, eu esperei mais de oito horas perambulando por ali. Quando Timóteo saiu fiz sua sombra.

Na primeira rua sossegada que entrou saltei sobre ele, caímos e pude notar pernas na calçada. Tinha umas cinco pessoas olhando, me descuidei, Timóteo me tomou a faca e a enterrou perto do meu ombro.

Uma dor lancinante banhou meu corpo.

Não importava mais esfaquear alguém na rua em frente a testemunhas era de menor importância perto de um serviço mal feito. Puxei a faca em agonia e a enterrei no rosto de Timóteo.

De pronto me levantei com o 38 em punho, esperava apagar as testemunhas.

Fora o cadáver eu estava sozinho na rua.

Coisas da minha cabeça? Sei lá, na época acreditei que estava cansado.

A mente nos prega peças não é?

Ledo engano.

No dia seguinte acordei com pessoas em meu quarto.

Treinado como fui tirei o revólver do travesseiro e mandei bala. Ninguém iria me pegar desprevenido mais, fiz boa mira neles.

O problema é que só acertei paredes.

Tive de me mudar as pressas, não podia mais ficar no apartamento.

E pelas ruas parecia que me vigiavam, nas esquinas, nas janelas. Eu estava com medo?

Isso também era novo.

Escorreguei em meio à avenida e bati o joelho no solo. Caminhei mancando com uma dor fodida. A sensação de ser observado passou.

Mas não tive mais sossego. Abandonei duas outras empreitadas, via gente ou me sentia vigiado sempre. Até nos reservados em que cagava.

Não poderia abandonar o trabalho, era só isso que eu sabia fazer na vida.

Tentei novamente, iria liquidar uma velhota. Na hora de puxar o gatilho vi várias pessoas mesmo com ela sozinha em casa.

Hesitei; a velha pediu por misericórdia.

Mordi o lábio bem forte, estava muito irado. Acabei cortando a boca e como mágica todos sumiram... Menos a senhora.

Matei a anciã.

Fiquei um tempo sem matar, em um bar por ai conheci outro escorpião. Senti vontade de falar com ele sobre meu problema.

Ele zombou de mim; o esfaqueei em um beco.

E desde então tem sido assim, corto os braços, fico com ressacas terríveis para dores de cabeça, me bato etc.

Tudo isto para não vê-los e conseguir exercer meu trabalho. Não me deixam em paz se não sinto dor. Consegui reconhecer até o Timóteo entre eles outro dia.

Os "vigias" deram até para falar agora, me perguntam "por quê" enchendo meu quarto de vozes.

E são muitos, eu não imaginava que havia trabalhado tanto.

Os operadores de produção adquirem tendinite com o tempo, alguns médicos possuem insônia, cada ofício tem seus ossos. Devo lidar com meus problemas não é?

Então me acostumei a deitar nesta cama de pregos para dormir. Finalmente sozinho e em silêncio.

Afinal, alguém precisa morrer amanhã.

Raoni Barone
Enviado por Raoni Barone em 16/01/2012
Código do texto: T3444393
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