UMA NOITE SOLITÁRIA

O vento batia violentamente na parede da velha casa. Soprava uivante como lobos em noite de luar. Os trovões, os raios e os relâmpagos se sucediam em um espetáculo assustador, pelo menos para as mentes daqueles que não possuíam uma alma pura para enfrentar o medo proporcionado por uma apocalíptica noite. Logo começou a chover. O vento se exaltava cada vez mais, trazendo consigo os primeiros pingos violentos daquela que seria uma tempestade dantesca. Ramiro assustava-se com tudo isso. Os galhos das árvores batiam na parede, no telhado; dava-lhe a impressão de que alguém tentava derrubar a casa.

Ramiro sempre ouvira as histórias dos mais velhos a respeito das pessoas que foram atingidas por raios, por isso tremia freneticamente de medo como se fosse uma apavorada criança, embora estivesse com dezessete anos. A cada raio, pulava. Estava sozinho. Seus pais haviam saído ver seu tio, irmão de seu pai que se encontrava muito doente.

Seu tio era para ele um herói, contava muitas histórias de viagens, de passeios, de fantasmas e de lendas de tesouros escondidos. Narração que vinham seguida de uma vivacidade pungente, que o emocionava arrancando sensações mais puras e verdadeiras que somente os narradores mais eloquentes conseguem.

Vinha-lhe à mente a história do velho João, que seu tio sempre comentava como testemunho de que a alma é imortal e, o corpo é um simples abrigo desta. Dizia ele que na noite em que o velho João falecera escutou um barulho, como se algo tivesse caído. Foi ver o que era. Caminhou pela casa toda e tudo estava em perfeita harmonia, tudo estava em seu lugar. Sentiu um frio correr pelo corpo inteiro, mas dizia ele a si mesmo que estava tranquilo, “era uma reação natural dos nervos!” Voltava à velha poltrona. Lia um livro de contos de Edgar Poe. Julgava ele que tais sensações eram geradas pela temática dos contos lidos. Após alguns minutos, novamente ouviu alguma coisa cair, desta vez a intensidade do barulho era mais alta e, dava-lhe a impressão de que caiu no piso da cozinha. Pensou... “É ladrão”. Pegou a vassoura que se encontrava perto – era só o que se encontrava por perto e podia defendê-lo naquele momento pensou - e caminhou sorrateiramente. O coração em batidas violentas parecia que sairia correndo e deixaria quem dele precisava. O suor em seu rosto vertia como água salobra dos gêiseres. Tentou acalmar-se um pouco e planejava o ataque. Talvez contra um ladrão. Aproximou-se da porta da cozinha e pela fresta observou lentamente, mas nada viu. Caminhou pela casa toda e nada percebeu de anormal. Tudo em seus lugares. Olhou pela janela e tudo estava bem. A curiosidade o assombrava. Queria saber o que era. Interrogava-se, levantava hipóteses do que podia ser. Sentou-se à mesa da cozinha, ficou a refletir, pensou em rezar. Às primeiras avemarias, escutou o telefone tocar. Uma voz baixa e triste de uma mulher lhe disse: “meu irmão se foi. E, como você era muito amigo dele, lembrei-me de ligar a você.” Tudo isso lhe vinha à memória. E o pavor era cada vez maior. Falava baixinho “meus pais, meus pais”...

“Não sei por que as coisas que nos amedrontam parecem imperceptíveis quando estamos com nossos pais”, pensou Ramiro. O vento soprava, parecia-lhe cada vez mais forte dando-lhe a impressão de que a velha casa construída há mais de cinquenta anos não aguentaria. Interrogou-se se poderia gritar para espantar o horror. Pensou “estou sozinho, e as casas vizinhas ficam no mínimo a dois quilômetros”, pois morava em uma chácara. E, em um ato de desespero berrou. Berrou como o pobre personagem Eurico o presbítero - que se atirou em um ato insano contra um exército sarraceno que o perseguira com o intuito de matá-lo -. E nesse instante uma paz interior o invadiu como algo digno dos grandes heróis, ou como o silêncio que prenuncia algo pior a acontecer.

Ouvia a chuva, e, de certa forma começava a se acostumar. Já o vento não soprava tão forte, e os raios já não eram despejados com a mesma frequência. Ramiro mirava o retrato de casamento de seus pais, contemplava a face de ambos, sentindo a saudade dos solitários ermitões. Relembrou da noite anterior em que seus pais o aconselhavam para melhorar suas notas escolares.

Num abrupto instante escuta um estrondo – como jamais ouvira antes -. Algo precedido de uma imensa luminosidade que tolheu seus sentidos. Sentia-se como se estivesse gritando apavoradamente, tudo brilhava ao seu lado. Sua visão não oferecia nitidez que dá ligação do real, do lógico, ou do possível para nossas mentes racionais. Era um sonho, um devaneio, talvez o mesmo que sentiu Dante Alighieri quando viu tais céus e infernos, como ele mesmo afirma ter visto com os olhos humanos maravilhas e horribilidades que a mente depois se esvai na tentativa de relembrá-las...

Tudo se distorcia. A porta já não estava no mesmo plano em que se encontrava. Estava ela para ele à distância, era como se estivesse bem distante, talvez no horizonte, e sua magnitude era como se fosse a porta celestial. Gritava ele, mas, o som que saía parecia aos seus ouvidos algo incompreensível, quase inaudível; afinal ele nem sabia para quem gritar e o que gritar. A porta se aproxima dele. Como algo que vem automatamente, como a vida dos humanos, ou como o movimento das máquinas. Não sentia suas mãos, que aos seus olhos pareciam disformes, ora agigantadas, ora minúsculas. Seu coração batia em um ritmo descomunal, como se lhe fosse sair do peito. A saudade batia juntamente com seu peito num frenesi desvairado, galopava em sua frente sua fé com algo que ele acreditava, mas há muito havia esquecido – pela correria do seu quotidiano, ou pelo desleixo dos afazeres fúteis -.

A porta se aproxima muito mais. Alguém saiu de lá, não se apresentava nitidamente. Fecha-se a porta. Abre-se novamente e mais alguém sai de lá. Ambos revestidos de muito mais luz que o seu ambiente atual, que já se encontrava aparentemente muito iluminado.

Ramiro agora, sente-se correr para a porta em uma i-n-f-i-n-d-á-v-e-l correria, num caminho tranquilo e já não tão assustador. Olha mais para as pessoas que se aproximavam dele e, percebe-os um homem e uma mulher. Chega mais perto. Suas pernas amolecem e ele cai. Quando olha para perto de si observa duas sandálias e logo mais duas e, ouve uma voz doce e suave que diz em coro “meu filho”.

marcio j de lima
Enviado por marcio j de lima em 24/06/2012
Código do texto: T3742200
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