Caçado
 
Dizem que os homens carregam a culpa de seus atos e ela os persegue até o fim dos seus dias, querendo o pagamento negado as vitimas de suas ações ao longo da vida. Bem, com certeza eu estava sendo seguido, mas com certeza não era a culpa que o fazia, pois isso eu não tinha, não, a culpa não me pertencia, nunca me senti culpado de nada, tudo que fiz foi em sã consciência, nunca me arrependi, pois nunca achei ter feito algo errado. Mas a sociedade é mesquinha, ela cria suas próprias e retrógadas regras e quer que todos as sigam, mas eu não, eu era um reacionário, um cidadão mal compreendido cujo único erro era o de agir de acordo com minha natureza. E agora um bando de fantoches pau-mandados estava em meu encalço.
- Ele está ali! – ouvi um dos homens gritar e logo cães preencheram a noite com seu ladrar estridente.
“Malditos”, pensei e continuei a correr em meio ao labirinto do que deveria ser uma fábrica abandonada, “Não me pegarão assim tão fácil!”.
Ao dizer isso empunhei minha pistola e atirei na direção do grupo que me perseguia, conseguindo atingir um dos homens.
- O miserável acertou o Souza! – ouvi outra pessoa gritar.
Menos um para incomodar, mas em retaliação eles atiraram também, me vi em meio a uma chuva de balas enquanto tentava buscar abrigo, mas de repente eu senti a dor de uma bala penetrar e queimar a carne de minha perna esquerda.
“Droga!”
Levei as mãos ao ferimento e senti o sangue escorrer, mas não podia nem me lamentar, atrás de mim os cães sentiram o cheiro do líquido fresco e quente que vazava do meu corpo e vinham em debandada atrás de sua presa.
“Não vão provar dos meus ossos não seus vira-latas!”
Com dificuldade subi por uma escada enferrujada tentando alcançar o andar superior da fábrica. Enquanto subia minhas mãos se cortavam no aço podre e corroído da estrutura, deixando mais sangue a marcar minha passagem.
Essa era minha sina, deixar um rastro de sangue por onde passava, a diferença agora era que o sangue derramado era meu e não de outra daquelas pessoas imundas que só faziam poluir o mundo com sua existência depravada e das quais alguém deveria dar cabo, e como ninguém se apresentava para a tarefa eu me dispunha a fazê-la, mas agora vejam como me retribuíam o grande favor prestado!
Estava quase alcançando o nível superior da construção quando sinto dentes afiados rasgarem minha perna já machucada.
“Volta pros infernos seu cão do demônio!”, gritei e atirei ouvindo um ganido enquanto o cachorro soltava sua bocarra horrenda de minha perna, consigo finalmente vencer a escadaria, mas logo em seguida outro cão aparece do nada e voa em direção a meu braço, a dor é tamanha que solto minha arma.
Luto com a fera, rolando com ela no chão até que nós dois atingimos um vão no piso e despencamos no vazio. Mesmo em queda livre o maldito cachorro ainda mantém os dentes afiados cravados em meu braço enquanto seus olhos selvagens encontram os meus, vejo naquele olhar um brilho bestial. E na breve queda que tivemos o tempo parece parar e me lembro do olhar perdido e desesperado daquelas pessoas infelizes que levavam vidas igualmente infelizes e sem sentido, vidas das quais eu era o único a compreender, o único a proporcionar momentos de prazer antes do fim, mas como disse antes meus atos eram mal compreendidos. Os pensamentos me abandonaram, levados para longe assim que a queda terminou e meu corpo se preocupou apenas da dor lancinante que o tomava, o cão que me abocanhava ainda mantinha seus dentes cravados em meu braço, mas ele estava em pior estado do que eu.
“Cachorro do caralho! Vê se morre de uma vez!”, disse enquanto soltava meu braço e deixava o cachorro gemendo no chão. Tentei me levantar, mas era inútil, senti que vários de meus ossos se partiram, então me arrastei pelo chão em busca de abrigo.
- A arma dele ficou aqui em cima! – ouvi alguém dizer.
Era isso que eu queria, levei a mão na cintura e tirei de lá um pequeno revólver, que pensassem que eu estava desarmado, teriam uma surpresa aqueles abutres.
- Ele está lá! – alertaram.
Olho para cima, de onde cai, vejo os homens apontarem para mim e sem hesitar eu atiro novamente. Não havia motivo para ter pena, não daqueles robôs programados por uma sociedade dominadora, aliás a sociedade como um todo não merecia pena, pois vivia uma farsa, impedindo os homens de expressarem seus instintos mais básicos.
- Cuidado, o Oliveira foi atingido!
Souza, Oliveira, apenas nomes, menos dois a contaminar o solo da Terra com seus corpos imprestáveis. Mas não importava, essa era minha missão, limpar o mundo e se eu não pudesse cumpri-la que eu morresse tentando!
E foi assim, fazendo o que achava certo, que senti um novo impacto, dessa vez não na perna, mas no peito. Senti o mundo girar, as vistas escurecerem e o corpo fraquejar.
“Merda”, eu disse apenas, senti que o momento havia chegado. A minha frente vários vultos iam surgindo, alguém chuta minha mão e sinto a arma ser lançada longe. Meu coração ainda teima em pulsar, minha respiração vai ficando cada vez mais acelerada, o suor escorre pela testa, a realidade vai se rasgando e aos poucos ouço gritos ao longe, eu os conheço, já os ouvi antes, são daqueles a quem abreviei a existência, deveriam estar gratos por isso, mas ao contrário eles não me agradeciam e sim me trucidavam com palavras ásperas e me arrastavam junto com eles para o abismo.

O grupo de policiais cercava o homem caído no chão, tinham estado atrás dele a noite toda.
- Não deveríamos chamar uma ambulância? – diz um soldado.
- Não seja tolo – responde outro – ele matou o Souza e o Oliveira, sem falar naquele monte de gente que ele violentou e esquartejou. Esse cara é um psicopata, um maníaco dos mais perversos, agia sem pena e sem dó e ainda achava que fazia o certo.
- E além do mais – disse outro policial – se for preso vão alegar insanidade mental e em alguns anos estará nas ruas de novo, matando novamente. Essa é a natureza dele, matar.
Então o grupo apenas observava a agonia do assassino, sofrendo da mesma morte lenta e vagarosa imposta às vitimas de sua mente doentia.


 
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Luciano Silva Vieira
Enviado por Luciano Silva Vieira em 24/09/2012
Reeditado em 25/09/2012
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