MORTO
Dois pontos depois do cemitério municipal... era a referência que Francisco tinha, seis horas da manhã de um domingo chuvoso o ônibus estava praticamente vazio, motorista, cobrador e uma senhora robusta. Pela janela o cenário desconhecido passava sem dar tempo para que ele decorasse o caminho de volta, enfim, a parada solicitada, precedida de uma campainha de som agudo que lhe feriu os tímpanos.
Fora do veículo estava frio, uma neblina rala, mas fria cobria as casas, o endereço que tinha em mãos indicava uma rua estreita que seguia para uma pequena favela... invasão, é assim que ele chamava. Caminhava rápido, os becos desertos o assustava, casas cobertas por plásticos pretos, pequenos barracos de madeira velha, ele sentia o perigo a cada passo. Um grupo de rapazes conversavam em frente ao portão; o encararam, um bêbado caído acordou; o encarou, um gato cruzando a rua; o encarou. Ele pensou em rezar, mas então viu um homem que se aproximava, negro, alto, usava roupas largas e uma touca de lã preta, julgou-o um viciado... o medo lhe dominou, seu corpo se preparou para o pior, pensou em correr, em como gostaria de ter uma arma. Viu algumas pedras na beira da rua de chão batido pensou em usá-las para se defender do suposto agressor... Era só um menino/marginal vindo em sua direção, gritou... um grito rouco que ecoou pelas vielas de terra:
- MORTO.
O sangue de Francisco congelou, seu corpo ficou paralisado, e não teve dúvidas, era um código para matá-lo. E o menino continuou, sem encará-lo:
- MORTO... MORTO – passou por Francisco e deu uma olhada desconfiada para o forasteiro assustado, lhe deu as costas caminhando na direção oposta – MORTO.
Francisco certo de que preferia matar do que morrer, rapidamente pegou uma da pedras e se voltou para o menino... que dessa vez o olhou diretamente num silêncio absoluto, de longe veio na disparada um cão, grande e branco, pulou nas pernas do garoto e ele lhe afagou a cabeça. Encarou mais uma vez Francisco ali parado com a pedra na mão, pronto para atacar, com o olhar frio o menino o reprovava.
- Vem Morto – chamou o cachorro e juntos entraram em um barraco velho.
Francisco seguiu em silêncio.