Annie - Parte II

Como prova de minha recuperação pedi encarecidamente que meus pais me deixassem viver em um bairro humilde, minha única exigência era que a casa ou apartamento tivesse carpete grosso cobrindo o assoalho. Meu pedido fez meus pais questionarem-me até ganharem uma explicação plausível, que foi a do meu desejo de observar as pessoas, pois havia me mantido distante delas por um longo espaço de tempo, e como estudante de medicina o contato e a observação me causavam fascínio. Com o consentimento deles eu sairia do sanatório rumo ao Distrito de Withechapel, mais precisamente na Hanbury Street.

Não demorou até que a enfermeira viesse até o quarto com todos os meus documentos corretamente organizados em uma pasta. Dr. Gilbert viera atrás dela e ao longo de todo o caminho até o portão ele ressaltara a importância da conclusão do tratamento em casa. Agindo como se minha saúde o importasse mais que minha herança. Por mais bens que possuíssem, duvidava que meus pais teriam utilizado outro dinheiro que não o meu para arcar com as despesas do meu incidente inesperado.

_ Universidade somente no próximo ano, passeios curtos, por mais leves que tenham sido suas crises elas não voltaram devido ao tratamento, não sabemos exatamente o que nosso jovem teve. Entretanto creio que é melhor a ausência do diagnóstico correto do que deixá-lo exposto à possibilidades de crises intensas e não encontrar depois um tratamento que garanta a cura - meus pais não prestavam muita atenção nas palavras do tal médico formado e menos prepotente.

Por mais isolado que estivesse ainda soube do Illustrated London News, vejam essa, um jornal em Londres, e é claro que o filho de um homem da alta sociedade com problemas seria uma ótima bomba para um jornal que iniciava os seus trabalhos. Isso explicava a pressa e a pontualidade do Sr. e da Sra. Shaw. Meus progenitores. E como imaginado, a preocupação com o falatório das camadas iguais ou inferiores fizeram como que eles se afastassem me deixando apenas um endereço ao qual eu deveria enviar a correspondência. Não mudara em muito a minha vida. Só que agora estaria isolado de verdade. Vivendo na companhia dos pensamentos mais íntimos. Sem médicos, enfermeiras, sem outros pacientes me olhando ou dizendo sentenças indecifráveis por entre os dentes apertados. Este tipo de contato era por mim considerado desprezível e desnecessário. Humanos naquelas condições me davam asco, não era ali meu habitat natural, definitivamente não.

Fernanda Ferreira
Enviado por Fernanda Ferreira em 19/02/2013
Código do texto: T4149351
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.