6 - O Corvo

6 – O Corvo

Em cima do hotel, letreiros em néon anunciaram o seu nome: HOTEL CALIFORNIA. Pouco movimento, exceto por uma mulher se aproximando a pé. Um corvo deu um rasante ao lado do seu pescoço, fazendo seus cabelos esvoaçar.

A chuva havia parado. O asfalto ainda estava molhado e restos d’água eram escoados por canaletas. Ela deu uma olhada geral, para ver se encontrava alguém, mas estava sozinha. Ela jogou um aparelho de telefone sem fio no chão. Chegou onde queria.

Kelly, antes de sair da casa de Mosar, pegou não só a caderneta de telefones dele, mas também o telefone e rastreado a ultima ligação que ele fez. Hotel Califórnia. Talvez encontrasse alguma resposta. Tinha ligado meia hora antes, para saber de que quarto era a ligação. Numero 17. Kelly caminhou até o quarto. Ninguém apareceu. Ela olhou sobre o vidro, mas estava na penumbra lá dentro, exceto por algumas luzes de velas e um som de gemido feminino. O corvo voou para o outro lado do quarto, para ter uma visão melhor.

Uma prostituta dançava sensualmente diante da cama. E na cama, estava um homem frio e musculoso, coberto por tatuagens indígenas. Seus olhos têm certo tom lunático que deixaria qualquer um amedrontado. Seu cabelo era cortado estilo moicano e um A de anarquia tatuado ao lado da cabeça. Ele assistia a dança da mulher indiferente, bocejando algumas vezes. Um corvo pousou na janela olhando atentamente para ele. O moicano não percebeu a presença da ave. Pegou a sua machadinha de baixo do travesseiro e avançou em direção a mulher, golpeando-a na aorta. A prostitua caiu, ainda viva, sobre seu próprio sangue. Os jatos molharam o moicano e ele sorriu hediondamente, passando a mão sobre o rosto. A prostituta nem teve tempo de gritar.

Kelly se assustou com o ataque repentino desferido pelo moicano. Ela vira toda a cena através dos olhos do corvo. Com um potente chute ela arrombou a porta e levantou as duas armas de fogo contra o lunático. Ele olhou para ela, sem compreender nada, mas logo em seguida, como um lobo diante do perigo, ele se agachou e se jogou pela janela, estilhaçando-a. Kelly disparou diversas vezes, mas ele caíra e correu por entre os arbustos do deserto. Ela entrou no quarto, escutando os gemidos da mulher que se tremia convulsivamente. “Com os tiros alguém virá logo. Vou atrás desse desgraçado”. Ela saltou sobre a janela e correu seguindo o rastro do índio pelo deserto.

A lua brilhava intensamente iluminando o deserto que ela corria. As duas armas em punho, Kelly vasculhava cada arbusto, cada pedra, cada cacto a procura do índio assassino. Ela parou por um momento perto de um riacho. Observou ao seu redor escutando os barulhos da noite. Sentiu uma leve deslocação no ar, algo metálico em atrito com o vento ao seu redor.

Kelly foi atingida por uma machadinha certeira no meio de seu peito. Um filete de sangue escorria de sua boca, molhando seus lábios. Deixou-se cair de joelhos na areia do deserto, olhando hipnoticamente para a machadinha. As duas armas de fogo caíram ao lado do corpo. Ela escutou passos se aproximando e uma voz gélida trazida pelo vento:

- Quem é você? Uma policial?

Kelly olhou ao redor com a dor sufocada na garganta.

- Não sei como me achou, mas não vai viver depois do que você me viu fazer. O que fiz chama-se “purificação do lobo branco”. Torna-me imortal, fazendo com que eu me vingue sempre dos meus inimigos.

- Isso não vai salva-lo de mim. – respondeu Kelly, olhando para o chão.

- Ah, é mesmo? – ele riu postando-se na frente dela. – você já está morta, sua cadela! Não adianta resistir.

- Foi Mosar quem fez a ligação para você, não foi? – ela tossiu, deixando o sangue molhar a sua boca. – ele quem ligou desesperado para você enquanto era perseguido pelo seu assassino.

- Como você sabia disso! – zangou-se o moicano puxando os cabelos da nuca dela e, com a outra mão, mexendo cruelmente na machadinha. – diga-me ou vai morrer de forma terrível.

- Eu sei disso por que eu o matei.

Um corvo apareceu do nada e pousou no galho de um arbusto. Deu um pio alto, chamando a atenção do índio. Ele olhou para o pássaro não compreendendo a situação. Voltou a olhar para Kelly e encontrou um sorriso em seus lábios.

Ela se levantou, tirou a machadinha do peito e o golpeou na testa, fazendo-o cair para trás com um grito de dor. De sua testa fez-se um corte profundo e o sangue escorria cobrindo seu rosto.

- Sua desgraçada! – ele gritou, com uma das mãos na cabeça. – você era para estar morta!

- Era para eu estar morta há muito tempo atrás, mas eu voltei para me vingar.

Kelly se jogou em cima dele, desferindo golpes em forma de arco contra o índio. Ele tentou se proteger com o antebraço, que ficou com cortes profundos e negros, cobertos de sangue. Ele a abraçou na cintura como um urso, jogando-a no riacho. Ela arremeteu um golpe com a navalha nas suas costas, com um movimento de açougueiro tirou a navalha e investiu outro golpe. Ele gritou, com a boca molhada de sangue. A água do riacho se misturava com o vermelho viscoso saindo do corpo de ambos. O moicano apanhou uma rocha com as duas mãos e desceu-a de vez, golpeando a cabeça dela. O som abafado de osso contra rocha causou calafrios em Kelly. Com a vista turva, ela golpeou de qualquer jeito para cima, tentando tirar o enorme peso do moicano de cima dela. O índio desferiu o golpe mais uma vez, com as forças de seus braços exauridas. Os dois golpes pareceram sincronizados. As duas mãos do moicano sobre o rosto de Kelly e a mão dela com a machadinha por entre os braços dele.

O moicano olhou para sua barriga. Um corte profundo deixando parte de suas tripas para fora. Ele vomitou sangue e bile sobre si, levantando-se com dificuldades e dando alguns passos tortos para trás.

- Desgra... Desgraçada... – ele disse, entre espasmos de dor e sangue expelidos pela boca.

O corvo se aproximou pousando numa rocha. O índio deu alguns passos, olhou para a sua barriga e tentou colocar as tripas de volta.

- Não posso morrer... – ele riu, olhando debilmente para a massa gosmenta que não queria entrar pelo corte. – não posso morrer. Não posso. Eu sou imortal.

- Imortal? – uma voz feminina disse, vindo de trás dele. – então vamos testar sua imortalidade.

Quando o moicano estava se virando, Kelly arremessou a machadinha nas costas dele. Seu olhar encontrou a escuridão opaca da morte. Com um baque surdo, caiu no chão do deserto morto.

davifmayer
Enviado por davifmayer em 24/03/2007
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