Medo

A penumbra da rua ofereceu-me gratuitamente o medo. Passava das dez horas da noite e as lâmpadas quebradas dos três postes que se seguiam ampliavam a sensação de desconforto.

Ainda da esquina mal iluminada avistei na outra extremidade um vulto de um homem sendo engolido pela escuridão. Vacilei na dúvida de continuar ou de ficar por ali, sob o ilusório escudo dos últimos vestígios de claridade, a fim de verificar se o perfil do desconhecido era de risco ou não. Havia também a opção de voltar, pois acabara de sair da faculdade e com certeza lá estariam muitas pessoas à espera de suas caronas, mas essa alternativa me dava o estigma de covarde, e isso eu não sou. Na hesitação entre os pensamentos escolhi prosseguir. Com medo, porém atento.

Logo que fui sendo envolvido pelo breu tratei de desligar a música, arrancar o fone e enfiá-lo junto com o celular dentro do bolso. Era o que eu tinha de valor no momento e caso viesse a ser assaltado não poderia ceder com tanta facilidade. Quis tirar os óculos para impor uma feição de perigoso, só que desistir ao lembrar que minhas roupas não dariam vida ao personagem e que, pior, sem os óculos estaria ainda mais vulnerável.

No trecho em que estava agora não havia mais residências, as duas únicas já se distanciavam junto com a luz. Do meu lado direito um terreno baldio se alongava, e do esquerdo um galpão comercial que nunca fora alugado, construções inacabadas e matos, muitos matos. Quando se permanece algum tempo no escuro seus olhos se acostumam a passam a ver o que não viam, foi assim que vi o cara suspeito próximo às construções tomadas pelo matagal. Continuei andando. Curvei a cabeça com receio de intimidar meu antagonista, porém não pode deixar de vê-lo mover uma das mãos lentamente até a barriga por debaixo da camiseta. Levantei num reflexo a cabeça e o encarei por um breve instante, ele percebeu e retirou a mão.

Estávamos nos aproximando. O camarada olhou para todas as direções. Repetiu a vasculha como se pretendendo confirmar a inexistência de mais alguém ali. Parecia tenso, feito quem está prestes a fazer algo decisivo. A mão foi novamente à altura da cintura e ali permaneceu.

Também conferi à minha volta, mas com um desejo bem diferente. Ninguém. O meu coração palpitava no ritmo que os corações assustados palpitam. Os olhos bateram e ficaram na mão do meu quase algoz, ainda naquele lugar de onde assassinos tiram suas armas. Estremeci. Estávamos quase rentes. O cara parou. Eu ainda dei mais algumas passadas largas e rápidas. Pensei no celular, pensei se as luzes fariam diferença, pensei em tiros, pensei que estava tão perto de casa. O desconhecido vistoriou mais uma vez a rua que insistia em ficar deserta, fez menção de tirar a mão de lá, mas não fez e me surpreendeu com uma voz embarcada e trêmula:

- Ei, mano!

Cambaleei, dei mais um passo e parei. Estávamos cara a cara. Fosse como fosse não adiantaria correr, se o que estivesse na cintura daquele infeliz fosse um revólver sabia que não chegaria longe com minha fuga. Fitei os olhos esbugalhados do estranho à minha frente, a mão na barriga, a construção e os matos, a rua escura e vazia... Não disse nada, fiz uma prece qualquer no meu íntimo e entreguei-me ao destino para ouvir as seguintes palavras do homem nas sombras.

- Será que eu posso dá uma cagada aqui?

Uma risada formou-se nas minhas entranhas, quase me explodi em gargalhadas, mas contive-me em respeito ao desespero do companheiro e a delicadeza daquela situação.

- Claro, mano, vai tranquilo.

Respondi de forma amigável e empática e caminhei em direção à luz enquanto ele se perdia nos escombros e matagais obscuros.