A Blitz!
 
            Existem horrores que por si mesmo nos torturam, sem a necessidade de fantoches e enfeites. E as piores situações, quando nos atingem, podem começar de modo corriqueiro e casual.
            Foi assim, comigo, ao procurar aquele endereço. Era um dia de domingo, calmo e manso como os lagos do interior. Procurava a casa de um amigo em um setor desconhecido. Havia apenas casas e muros sem jardins com suas calçadas severas e tristes. O asfalto, cravado por buracos, denunciava o descaso do setor público com nossos investimentos coletivos.
            Com a ajuda do GPS, cheguei à rua precisa faltando poucas quadras para atingir o objetivo final. Nisso, dei de cara com uma viatura policial interditando a via. O policial, severo, aproximou-se e intimou-me a abaixar o vidro com um gesto típico de mão. Fi-lo rapidamente:
            - Bom dia, Senhor Policial.
            Não deu resposta e questionou-me:
            - O que o Senhor faz aqui?
            - Vim visitar um amigo, o Borges, a algumas quadras adiante.
            Sem querer saber de mais nada, ordenou:
            - O Senhor terá que voltar. Não pode passar.
            - Como?
            - Está tudo interditado. Daqui ninguém passa.
            Olhei para a frente, para os lados e pelo retrovisor. As ruas pareciam mortas e não havia viva alma, o que seria comum em manhãs de domingo como aquela, mas também não ouvia sons das casas e nem via outros veículos. Também não vislumbrei nenhuma obra adiante e nada que justificasse a interdição.
            Procurei argumentar com o policial, o que se demonstrou inútil. Ele, rispidamente, ameaçou:
            - Ou o Senhor retorna ou irei prendê-lo.
            Sei que não havia motivo, mas ele poderia inventar qualquer coisa e me embaraçaria para sempre. Fiquei irritado e ainda questionei:
            - Posso deixar o carro aqui e ir andando?
            - O Senhor ainda não entendeu que daqui ninguém passa?
            Resolvi engatar a ré e efetuar uma manobra evasiva. Pararia na próxima esquina e telefonaria ao amigo esclarecendo que perderia o churrasco. Ao descer pela via, novamente, uma outra viatura interditava o trânsito. Outro policial com a mesma história.
            - Senhor, – argumentei – fui impedido de seguir adiante e agora sou impedido de voltar. O que os Senhores querem que eu faça?
            Mandou-me esperar por um instante e foi consultar no rádio. Demorou um bocado. Naquele momento procurei telefonar para o amigo. Disquei e ele atendeu. Ouvia-o perfeitamente, mas ele não conseguia falar comigo. Por mais que falasse, percebi que seu áudio estava mudo. Desliguei e esperei que retornasse. Atendi e, por incrível que pareça, não conseguia ouvir-lhe a voz. Estávamos isolados.
            O policial voltou intimando-me:
            - Preciso apreender o seu celular. – Relutei, mas tive que ceder quando apontou-me a arma.
            Em pouco tempo a via foi toda cercada por policiais que desceram dos veículos armados até os dentes.
            - O que o Senhor faz aqui? – Perguntou um com ares de oficial em seu uniforme preto. Expliquei-me por mais de uma vez. As horas avançavam e a fome já me apertava. O estranho é que naquele meio tempo não vi alma nenhuma além dos policiais. Até mesmo um helicóptero desfilou por ali. Em dado momento ouvi um deles comentar:
            - Maldito civil!
            Em dado momento, sem que tivesse escolha, quando fora do veículo conversando, colocaram-me um capuz e me jogaram dentro de uma viatura. Senti uma picada de agulha no braço e desfaleci. Despertei, no dia seguinte, na porta da garagem da minha casa com um gosto de guarda-chuva na boca. Tratei de verificar a data no celular e vi que era segunda-feira. Perdi o domingo, perdi o churrasco e jamais soube o motivo certo. Contei a história ao amigo que não acreditou. E você acreditaria?
 
            

(O autor esclarece que essa é uma obra de ficção e qualquer semelhança com fatos e pessoas reais são mera coincidência).