O QUINTAL DE DONA MARIA - PARTE FINAL

PARTE FINAL

João esperou que o casal entrasse na casa para poder sair do lugar de onde estava. Na pressa, esbarrou nas ferramentas, derrubando-as no chão e fazendo um barulho tremendo. Ao perceber que a porta da frente da casa se abriu, disparou em direção ao buraco no muro e se encolheu o quanto pode, jogando os sacos com grama por cima.

Dona Maria apareceu no fundo do quintal, olhando em todas as direções. João observava quieto, mas seu corpo tremeu ao ver seu Bigode surgir após ela, com uma espingarda enorme! Os dois seguiram na direção do local onde ouviram o barulho:

- Você deve ter arrumado alguma das ferramentas de maneira errada! - Disse seu Bigode;

- Talvez; mas dificilmente elas cairiam da forma em que estão! - Ela apontou para as ferramentas no chão;

- Deixa isso aí, amanhã, a gente arruma tudo!

A mulher concordou com um gesto afirmativo de cabeça mas antes de se voltar na direção da casa, passou o olhar na direção do muro. João deitou o corpo por completo na terra e prendeu a respiração, ficando imóvel como uma pedra. O casal voltou para a casa, mas antes de entrarem, João ouviu Dona Maria falar:

- Às onze horas, vamos por um fim no restante!

- Mas por que tão tarde? - Indagou seu Bigode;

- Não quero correr nenhum risco de um vizinho ouvir alguma coisa, na hora em que matarmos as outras! - O casal sumiu casa à dentro.

João ainda esperou alguns segundos antes de sair do outro lado do muro. Ficou em pé, retirando a terra da roupa quando uma mão tocou em seu ombro esquerdo; João saltou um grito de pavor e disparou na corrida. Foi preciso ouvir seu nome sendo gritado por duas vezes para ele parar e olhar para trás:

- Sou eu seu abestado!

João ainda ofegante, olhou e percebeu que era Augustinho:

- Quer me matar do coração, Tinho? - Perguntou João assim que retornou e parou próximo ao amigo;

- Cara, desculpa! Mas você tava demorando e eu já ia entrar pelo buraco quando vi você saindo!

- Cadê o resto da turma? - Quis saber João;

- Tá lá na praça! Conseguiu gravar alguma coisa?

- Vamos nos juntar ao restante e ver se o celular gravou alguma coisa!

Os dois deram a volta no muro e seguiram para a praça. Sentaram no banco e rapidamente a turma os rodeou e sem falar nada, João apertou a configuração do celular entrando nos arquivos e pôs para reproduzir a última gravação.

A medida que eles escultavam o diálogo entre Dona Maria e seu Bigode, mas se convenciam que era preciso participar ao Delegado aquele assunto. Todos se entreolhavam espantados, com a frieza em que a mulher, repetidas vezes, pronunciava a palavra “matar”!

Ao término da gravação, João olhou para todos e disse:

- Estou indo agora falar com o Delegado! Alguém vai comigo? - Silêncio total...

- Eu vou com você! - Disse Ritinha.

- Os demais, fiquem atento pois com certeza, o Delegado vai querer falar com todo mundo, por tanto, não sumam! - Todos concordaram, enquanto Ritinha e João se dirigiam à delegacia.

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Na delegacia, o Delegado ouvia atentamente a gravação. De vez enquanto, franzia a testa, torcia a boca e olhava sério para os dois adolescentes apreensivos à sua frente. Ao terminar a gravação, ajeitou-se na cadeira e perguntou:

- Desde quando mesmo vocês estão sabendo dessa estória?

- Há uns dois dias! - Respondeu João;

- E porque só agora resolveram me contar?

- Precisávamos ter certeza do que os meninos viram! E agora, com essa gravação, não restam dúvidas! - Disse Ritinha, convicta de sí mesma;

- Mesmo assim, para comprovar essa estória, precisamos de provas materiais, ou seja, de um morto e vocês só supõe, que ela enterrou os filhos no quintal!

- Mas isso é fácil de descobrir; é só ir lá e desenterrar os dois filhos que estão debaixo da mangueira e...

- Calma lá Sherlock Holmes! Não posso invadir a propriedade de uma pessoa sem um mandato – O Delegado interrompeu a fala de João;

- Então hoje à noite, o senhor fica com a gente de tocaia, e assim que ela for matar os outros como ela pretende, o senhor pode dar voz de prisão! - Ritinha falou e esperou pela resposta do Delegado:

- Muito bem! Vamos fazer dessa forma, mas de antemão já deixo claro uma coisa: não quero nenhum de vocês por perto na hora da incursão.- Ritinha e João deixaram o celular com o Delegado, pois o mesmo o requisitara para poder ouvir por mais algumas vezes aquela gravação.

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Às vinte e duas horas, o Delegado parou a viatura na praça e olhou em direção a casa de Dona Maria. Aguardou mais um pouco e saiu juntamente com mais dois policiais. Quando caminhavam em direção ao quintal da casa, João juntamente com os demais da turma, surgiu na frente do Delegado:

- O senhor vai entrar agora?

- O que vocês estão fazendo aqui? - Perguntou o delegado;

- Como é que o senhor vai dar o flagra sem saber em que parte do quintal ela mata e enterra os filhos? Perguntou Augustinho;

- Tudo bem! Mas eu só quero que um de vocês me acompanhe, os demais, esperam aqui na praça!

- Melhor irmos pelos fundos! Vou mostrar pro senhor o local! - Augustinho seguiu na frente, enquanto que o Delegado se virava para falar com os dois policiais:

- Você fica aqui na frente da casa e você vem comigo! - Seguiu o garoto, sumindo na escuridão da noite.

Augustinho passou pelo buraco feito no muro enquanto que o delegado e o policial ficaram olhando. Alguns segundos depois, ele surgiu em cima do pé do Ipê Roxo, mostrando o galho próximo ao muro. O policial subiu com certa facilidade, enquanto que o Delegado, precisou de ajuda para escalar o muro.

Após descerem da árvore, Augustinho à passos lentos, mostrou o lugar onde vira Dona Maria enterrando (o que achava ser o corpo de um de seus filhos), e seguiu para a varanda onde ficava a mesa grande e o quarto que vivia trancado e de onde exalava o mau cheiro. Mostrou aos dois homens o cadeado na porta e os sacos de cal próximos.

De repente, ouviram vozes e passos que se aproximavam e procuraram um canto para se esconderem:

- Você pegou o facão? - Perguntava a mulher ao marido;

- Está aqui!

- Temos que ser rápidos! Procure acertar um golpe na cabeça e pronto!

- Onde vamos enterrar os quatro? No pé de manga não vai dar!

- Será que você não notou o tamanho do nosso quintal? - A mulher parou e olhou para o marido. Ele entendendo o seu olhar, não questionou mais nada!

Os dois homens observava a tudo, esperando o momento certo para dar o bote! A mulher abriu o cadeado e arrastou alguma coisa para fora e falou para o marido:

- Rápido! Antes que ele saia do lugar!

O homem ergueu o facão e quando ia se preparar para o golpe, o Delegado pulou de detrás da parede com a arma em punho e gritou:

- Alto! Polícia! - Seu companheiro imitou o seu gestou e saiu do outro lado;

Pegos de surpresa, dona Maria estava atônita sem acreditar no que estava acontecendo, enquanto que seu Bigode, permanecia na posição de estátua, com as mãos erguidas e o facão suspenso no ar:

- Com calma, abaixe as mãos e largue o facão no chão! - Disse o Delegado;

- O que... é que... está aconte... cendo? - Dona Maria balbuciou as palavras;

- A senhora se afaste da porta do quarto, e o senhor, largue este facão; eu NÃO vou repetir! - O Delegado foi mais enfático ainda.

A mulher se afastou e encostou na parede, enquanto seu marido, após largar o facão, era algemado pelo companheiro do Delegado.

Augustinho pôs os dedos na boca e assobiou e rapidamente seus colegas, juntamente com o outro policial, adentraram pelo quintal. João foi o primeiro a chegar mas permaneceu afastado; ainda temia aquela mulher. Ritinha posicionou-se ao lado do Delegado e o outro policial começava a algemar Dona Maria:

- Eu vou perguntar mais uma vez; o que é que está acontecendo? - A mulher olhava para os garotos com um sorriso sarcástico nos lábios;

- Não se faça de inocente; você sabe muito bem, cadê seus filhos? - Augustinho perguntou à distância:

- Calma aí meu rapaz, a lei ainda aqui sou eu! - O Delegado tomou a frente da situação;

- Pois bem, a senhora pode responder a pergunta por favor?

- Esse moleque está *ZURUÓ seu Delegado! - Respondeu ela calmamente!

- É mentira! - Disse Marquinhos, intrometendo-se na conversa;

- Eu e o Augustinho vimos quando a senhora enterrou um de seus filhos debaixo do pé de manga!

- Isso é **PARANGOLÉ! E como foi que vocês viram isso?

- No dia em que estávamos em cima do pé de manga e de jambo! - Respondeu ele;

- Quer dizer então que vocês invadiram o meu quintal? - Devolveu ela a pergunta;

- Isso não importa! - Falou o Delegado;

- E por falar nisso, no que é que o senhor ia meter esse facão? - O Delegado voltou-se para o homem e foi nessa hora que todos se deram conta que ninguém ainda tinha parado para averiguar o que estava dentro do saco no chão. Seu Bigode ficou ***PALREANDO, e não deu muita importância à pergunta do Delegado.

Todos rodearam o saco e o Delegado vagarosamente se aproximou e agachou-se; lentamente começou a desamarrar a boca do saco e um odor fétido exalou de dentro dele. Começou a puxar o saco, a tensão no ar era forte demais. De repente, alguma coisa grande, branca e amarelada, começou a sair; Ritinha deu um grito e alguns dos meninos recuaram, quando viram a grande Píton por a cabeça para fora e sair do saco.

Um olhar de incredulidade surgiu em todos, menos em Dona Maria e em seu Bigode:

- Que merda é essa? - Perguntou o Delegado;

- Essas são as cobras que eu e meu marido, estávamos tentando nos livrar! Restam quatro!

- Cobras??? - João, Augustinho e Ritinha, foram uníssonos na frase;

- Ah! Já entendi; vocês estão achando que o que eu enterrei lá no pé de manga, são meus filhos?

- Nós vimos as roupas e o boné de um deles, dentro do saco que íamos desenterrar! - Disse Marquinhos, o que tentou desenterrar o saco debaixo do pé de manga;

- Só tem um jeito de esclarecer essa estória, vamos desenterrar os sacos e ver o que tem dentro deles! - Decidiu o Delegado.

Os meninos pegaram algumas enxadas e pás, e todos seguiram para a lateral do quintal, onde estava o pé de manga. Dona Maria e seu Bigode trocaram um olhar, que somente Ritinha percebeu, mas permaneceu na dela.

Ao chegarem no local, Marquinhos pediu que alguém iluminasse o chão e juntamente com Augustinho, começaram a cavar. Não demorou muito e chegaram no primeiro saco, o odor fétido foi tão forte, que quase os fizeram vomitar.

O Delegado auxiliado por outro policial, puseram as luvas nas mãos e começaram a abrir o saco; suspenderam-no e a carcaça de uma cobra bastante grande caiu dele. O Delegado passou um olhar reprovador pela garotada e falou:

- Vamos ver o outro saco! - Imediatamente os garotos começaram a cavar em outro ponto.

A cena se repetiu e dessa vez, uma píton maior ainda estava morta dentro do saco. O Delegado coçou a cabeça e a balançou negativamente ao constatar que a história era um mal-entendido

feito pela garotada:

- Pode tirar as algemas deles! - Deu a ordem para o policial que estava próximo a Dona Maria e seu Bigode;

- Mas seu Delegado, o senhor ouviu a gravação e...

- Acho melhor vocês não falarem mais nada, já basta eu ter que pedir desculpas ao casal e vocês, terão que voltar comigo para a delegacia. Acho que temos muito o que conversarmos!

- Será que ela pode então, só responder a mais uma pergunta? - Ritinha encaminhou-se para Dona Maria:

- Onde estão os seus filhos, todos eles???

- Eu preciso mesmo responder a ela? - Dona Maria se dirigiu ao Delegado;

- É melhor para tirar esta ideia ABSURDA, da cabeça dessa garotada! - Frisou o Delegado;

- Estão na casa de minha mãe, na cidade vizinha!

- Está satisfeita? Vocês todos estão satisfeitos? - O Delegado ralhou com os meninos;

- Ainda não; como a senhora pode provar que eles estão realmente lá? - Insistiu Ritinha;

- Vamos telefonar para ela! - Respondeu Dona Maria.

- Não precisa! - O Delegado já estava ficando irritado com a situação de vexame que sentia;

- Não, não! Eu faço questão! Vamos lá em casa e eu ligo para minha mãe!

Todos seguiram Dona Maria em direção à casa. Em poucos minutos, ela discou alguns números:

- Mãe? Sou eu! Os meninos estão bem? Não, é só um mal-entendido que está acontecendo aqui em casa. Um minuto só por favor... - Dona Maria estendeu a mão oferecendo o telefone para o Delegado.

Ele ainda resistiu mas como ela permanecia com a mão estendida, ele se viu obrigado a pegar o telefone:

- Alô!.. Não, tudo bem senhora..., as crianças estão com a senhora..., ah! Todo final de semana eles ficam com a senhora..., tudo bem, tenha uma boa noite e me desculpe por tudo! - O Delegado devolveu o telefone para Dona Maria. Ela se despediu da mãe e desligou o aparelho.

Fez-se um silêncio mortal na sala da casa. Todos se olhavam e um por um foi saindo aos poucos de dentro da casa. O Delegado pediu desculpas ao casal, sem antes não ouvir a queixa de Dona Maria e o pedido de que os meninos ficassem longe da casa dela, sob pena dela apresentar oficialmente denúncia de invasão de propriedade.

O Delegado corroborou a sua palavra de que aquilo não mais aconteceria, mas também frisou a ela que aquele assunto morreria por ali mesmo, sob pena dele também, não a denunciar pelas mortes dos animais à Policia Ambiental, e voltou para o carro.

Ao saírem, Ritinha olhou para trás e viu Dona Maria sorrindo e dando tchauzinho para ela com um sorriso sarcástico nos lábios, como se estivesse desdenhando deles:

- Que papelão vocês me fizeram passar! - Disse o Delegado assim que chegou a onde a turma se encontrava;

- Não tinha como nós adivinharmos que se passavam de cobras! - Disse Marquinhos.

Dona Maria permaneceu em pé na entrada da casa juntamente com seu Bigode até ter a certeza que todos foram embora. Entraram e fecharam a porta:

- Foi por pouco! - Finalmente o homem que permaneceu por todo tempo calado, falou;

- Eu sei..., eu sabia que aqueles garotos tinha visto alguma coisa e por isso, resolvi mudar o plano... - Respondeu ela;

- E agora, onde vamos terminar o serviço? - Perguntou ele;

- Do jeito que começamos..., restam quatro. A cada noite matamos um e deixamos as meninas por último!

- Você pensa em tudo..., a jogada com minha irmã se passando por sua mãe, foi fenomenal.

- Vá olhar como é que está as crianças e aproveite para preparar a mesa para o sacrifício desta noite, já perdemos muito tempo com essa intromissão indesejada!

O homem deu as costas para a mulher e subiu as escadas da casa para olhar as crianças trancadas em um quarto. Ela ficou a observá-lo por um tempo e depois suspendeu o tapete da sala, deixando aparecer o alçapão que estava escondido sob ele. A mulher sorriu de satisfação e falou consigo mesma:

- Jamais aqueles garotos ou alguém vai descobrir onde enterramos os corpos dessas crianças que encontramos pelas ruas e sacrificamos...

EMANNUEL ISAC

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*ZURUÓ = Amalucado / Adoidado

**PARANGOLÉ = Conversa fiada

***PALREANDO = Articulando sons vazios de sentido / charlar