Entrevista na mansão

Entrevista na mansão

Nina sonhava reformar e ampliar o hotel; herança do pai. Ficava de olho nas oportunidades que lhe surgiam com possibilidade de altos salários. Já tinha se decidido, ia trabalhar uns tempos fora até conseguir o dinheiro da reforma do hotel. E ali estava ela, enfrente a mansão, um prédio antigo de tijolos vermelhos dentro de um bosque com jardins, pomar e um grande campo a perder de vista. Uma varanda impecável com poltronas de vime e almofadas coloridas circundava toda a casa. A porta de entrada de madeira maciça incrustado no meio um busto de bronze de um indígena africano com uma pesada e grossa argola presa ao seu nariz. Ela segurou a argola e bateu várias vezes de encontro à porta que gemeu fantasmagoricamente quando foi aberta surgindo na soleira um homem magro, alto, de uma palidez acinzentada, atendeu com impostação na voz.

- Sim?

- Eu vim pelo anúncio.

- Já estávamos a sua espera.

- Mas...

A jovem tentou falar, porém, o homem interrompeu-a rudemente.

- Siga-me!

Foram adentrando em sala, salões, saletas; todos decorados ostensivamente e, corredores longos ladeados com portas e mais portas fechadas. Finalmente chegaram á cozinha; no fogão de ferro alimentado por carvões uma pequena chaleira de ágata suava em abundância anunciando á fervura. De costas uma mulher alta e forte vestida de preto pensativa apoiava-se a pia.

- Gertrude, a mocinha está aqui! - Exclamou o homem.

A mulher virou-se para ela.

- Bom-dia minha criança, aceita um chá de jasmim? Ainda é o seu preferido?

- Como à senhora sabe que chá de jasmim é o meu preferido?

- Minha jovem foi pura dedução, é tão delicada, só pode gostar de flores.

- Ah! A senhora é quem faz as entrevistas?

- Não minha criança, é a baronesa.

- Baronesa, ainda existe baronesa?

- Essa vai existir até cumprir seu objetivo.

- Compreendo. Já vieram muitas candidatas?

- Não criança, você é a primeira e única. O que lhe traz aqui, nesse lugar aprisionado de lembranças perdidas no tempo, tão jovem, tão cheia de vida, por que não vai embora daqui rapidamente enquanto pode?

- O quê? Como assim ir embora, qual a finalidade de colocar um anúncio e intimidar a candidata a desistir? E o que a senhora quer dizer em eu ser a primeira e única candidata? Por acaso eu fui a única a lê esse anúncio, e se for um fato, o que a faz querer minha ausência sem ao menos eu ter a chance de expor minhas qualificações a quem de direito?

- São muitas perguntas, minha criança, não estou autorizada a lhe responder nenhuma.

- Pois eu sinto muito senhora, mas não sairei daqui sem respostas e sem fazer a entrevista com a baronesa. Também não andei de minha casa até aqui para simplesmente desistir sob suposta advertência.

- Ora não se apoquente com tão pouco minha criança. Se estiver assim tão decidida, ignore minha recomendação.

- Por que me chama de criança? Eu tenho vinte anos.

- Perdoe-me minha jovem é o hábito. Só estou tentando ajudá-la, mas vejo que continua obstinada como sempre foi. Nada do que eu lhe disser vai fazê-la desistir não é?

- Obviamente não. Por que insisti que já me conhece adivinhando minha maneira de ser ainda tenta impedir-me de fazer a entrevista com a baronesa?

Já lhe disse minha jovem, minha intenção é ajudá-la. A baronesa é uma mulher tão obstinada quanto você. É a dona desta casa e de tudo, se a jovem vacilar, ela também vai apoderar-se de seu destino.

- Ninguém se apossa do destino de ninguém, ele já vem traçado a cada pessoa. A única ajuda que pode me dá é levar-me a presença da “dona de tudo”.

- Sua ironia não me surpreende crian... Minha jovem, sempre foi uma característica sua. Já que insiste, vou levá-la aos aposentos da baronesa.

A jovem seguia-lhe mal humorada, achando-lhe intrometida, pretensiosa. Imagine achar que lhe conhecia adivinhando seu caráter. Apesar de que em algumas coisas até que ela acertou.

Saíram da cozinha em direção a um dos salões, em um dos cantos ficava a escada em que subiram dando acesso a um hall ladeado de portas fechadas. A mulher bateu levemente em uma delas.

- Entre!

Quando a jovem entrou acompanhada da governanta, a baronesa impaciente as esperava.

- Fracamente Gertrude que demora!

- Sinto muito baronesa, fui servir um chá para a jovem.

- Minha criança, não se importa de esperar um pouquinho, enquanto troco algumas palavras com Gertrudes?

A jovem ficou contrariada. O que acontecia com essas mulheres que só chamavam-lhe de criança? Sentou-se numa poltrona próxima, mas não conseguiu ouvir o que elas sussurravam. A baronesa expressava um profundo aborrecimento.

- Gertrude, você tentou persuadi-la a não ficar, que ousadia!

- Perdoe-me baronesa, ela é tão jovem tem tanto para desfrutar da vida, por que não esperamos o momento acontecer?

- Não Gertrudes, não vou mais esperar um momento que nunca acontece, agora será do nosso jeito, ela é nossa!

- A baronesa sabe que ela tem que concordar como fará para convencê-la?

- Ora Gertrudes, não seja ingênua, qual sua intenção em pleitear o cargo?

- Na verdade baronesa eu não sei!

- Simples, reformar o estabelecimento que pertence à família. Com a proposta que lhe farei não haverá recusa. Agora nos deixe e não nos interrompa até que eu a chame de volta. Venha minha jovem sente-se aqui perto de mim! Está muito bonita mais até do que antes.

- A senhora me conhece de onde? Sinceramente não me lembro de sua fisionomia.

- Ah querida, é natural que não se lembre de mim após longos 173 anos, o tempo é assim mesmo, nos faz esquecer-se de muitas coisas. Mas você não mudou em nada continua exuberante com sempre foi.

A jovem lhe olhava surpreendida, a ambígua mulher devia ser louca, como ela poderia ter lhe conhecido há 173 anos, ambas não teria nem o pó? Provavelmente é uma velha solitária, carente de afetos. Quem sabe não teve uma neta e a perdeu. Pobrezinha! Vendo sua perplexidade a baronesa riu exibindo dentes amarelados e pregas mais profundas nas faces flácidas e descoradas.

- A baronesa é muito espirituosa!

- Minha querida não há espirituosidade alguma em mim, estou apenas despertando o que ficou adormecido em você por mais de uma centena de anos. Não víamos a hora de seu retorno à família.

A jovem levantou-se com firmeza.

- Desculpe-me baronesa, se é que realmente a senhora faz jus a esse título, porém não estou com ânimo para ouvir tanta asneira. Vou-me embora neste instante.

- Espera Nina, por favor!

A jovem parou estática.

- Eu não tenho mais paciência para aturar este circo, com que autoridade investigou a minha vida? Eu sequer tive a chance de lhe falar o meu nome.

- Minha criança, não há necessidade de que me fale de si. Eu sei tudo sobre você, sobre sua vida, sobre sua mãe. E Nina sempre foi o seu nome.

- Claro que Nina sempre foi o meu nome desde o nascimento, me foi dado em homenagem a minha avó materna que tem o mesmo nome.

- Não minha querida, em homenagem a sua bisavó, minha mãe, então é paterna, já que sou mãe de seu pai.

- Quê? A mãe de minha avó paterna chamava-se Mariana. Deus, a senhora é completamente louca! Passe bem baronesa, não posso dizer-lhe que foi um prazer conhecê-la.

- Sente-se Nina eu vou contar-lhe o que você esqueceu!

- Eu não quero ouvir mais nada, nunca a vi antes, é certo que a senhora confunde-me com outra pessoa!

- Não Nina, não estou confundindo-lhe com ninguém, sei quem você é! Apenas ouça-me, depois tire suas conclusões.

A jovem voltou a sentar-se sem esconder-lhe o enfado.

- Eu sou a Baronesa Eva Callet e você é minha neta caçula, tenho mais duas netas; suas irmãs, Sofia e Tereza; seu pai é o Barão Victor Callet, meu único filho; sua mãe é a Condessa Bárbara de Salvia; Gertrude é nossa governanta e Otho seu marido e também nosso mordomo. Temos outros criados, sem relevância. Na época do império esta casa fervia com as presenças da nobreza, incluindo o próprio imperador; dávamos festas grandiosas; você e suas irmãs brilhavam pela beleza e sólida educação européia; Sofia e Tereza estavam noivas e você, minha pequena, com apenas quinze anos, já tinha inúmeros pretendentes.

No outono por tradição, tínhamos o torneio de caça; recebíamos aqui a nata da aristocracia que ficavam conosco toda a estação participando desse torneio. Numa certa manhã, nenhum deles deixou seus aposentos para o desjejum, tomados pela febre, inclusive seu pai o barão Callet. Foi chamado o médico, mas ele não sabia que doença era aquela, dias depois o médico que nos atendeu veio a falecer; trouxeram outro médico que também faleceu; em seguida os hóspedes acamados, alguns amigos que nos visitaram e alguns criados. Diante de tantos óbitos o Imperador mandou lacrar a mansão quem estivesse dentro era expressamente proibido de sair e quem estivesse fora não podia mais entrar. Uma semana após nossa prisão domiciliar, o barão partiu; dois dias depois a Condessa; logo após, Sofia e Tereza, seguidas de seus noivos, o restante dos criados, e Otho. Ficamos sós eu e Gertrude, nós duas enterramos os mortos no campo ao lado do jardim; não tínhamos um cemitério. Depois desse exaustivo trabalho, não resisti; Gertrude logo me acompanhou como ela não tinha quem a enterrasse ficou sem cova.

Mas você minha criança, quando contraímos a tal doença, encontrava-se na corte com sua madrinha, a condessa de Coutty, por esse rasgo de sorte não foi infectada. Viveu muito; casou-se, teve filhos e netos e quando partiu não veio juntar-se a nós. Durante todo esse tempo nós tentamos resgatá-la sem sucesso e hoje finalmente você está de volta.

A mente de Nina fervilhava com um só um pensamento tinha de sair dali a mulher estava louca julgando-se uma baronesa e ela sua neta. Bem que a governanta lhe alertou, também como ela ia saber que se tratava de uma demente. Precisava manter-se calma e fingir concordar com tudo. Sorrindo, aparentando uma serenidade que estava longe de sentir, fez algumas explanações à baronesa, embora não resistisse à ironia.

- Baronesa sua história é fascinante. Não posso deixar de demonstrar-lhe minha emoção em saber que após 173 anos encontrei minha verdadeira família, todos mortos! Não vejo a hora de abraçar seus pós e restos de ossos; se é que ainda existe algum; torcendo para não pegar algum vírus, bactéria, fungo ou germe. Sua mansão é deveras fantástica, repousante, como um mausoléu.

A baronesa dava risada chacoalhando os ombros descarnados e os ossos.

- Ah minha criança não ligo para sua ironia, sempre admirei este seu jeito zombeteiro de encarar as situações. Tudo foi planejado para atraí-la a nós. Vou fazer-lhe uma proposta irrecusável; eu dou-lhe a quantia que você e sua mãe precisam para reformar o hotel e você volta para nós.

- Interessantíssima sua proposta baronesa, naturalmente vai dá-me um tempo para analisá-la?

- Naturalmente meu bem, agora! Ou será do nosso jeito.

A jovem sorriu-lhe sem graça cada vez mais se convencia da loucura da mulher. Pensava se realmente ela tinha uma família e por que a deixaram chegar a esse estágio de insanidade?

- Neste caso, baronesa, eu não tenho alternativa senão concordar. Vou até a minha casa pegar meus objetos pessoais, roupas e falar com minha mãe sobre tudo isso. No fim da tarde estarei de volta.

- Então você aceita minha proposta, concorda em ficar?

- A princípio sim baronesa, no entanto preciso saber se minha mãe também vai concordar em que eu a deixe. A Senhora sabe como as mães são apegadas aos filhos.

- Ora se sei minha querida, as avós também são muito apegadas aos netos e não gostam de ver a família separada. Mas antes que se vá, quero dá-lhe o dinheiro.

A baronesa sentou-se a escrivaninha preencheu um cheque e entregou-lhe. Nina arregalou os olhos quando viu a cifra desenhada no papel.

- Baronesa eu não posso aceitar uma quantia destas, nunca conseguiremos pagar-lhe!

- Eu fico muito feliz com sua integridade minha querida, significa que lhes demos boa orientação e que sua educação europeia foi de grande excelência.

- Baronesa eu sempre recebi boas orientações dos meus pais e toda a minha educação não foi de grande nem de pequena excelência apenas normal em escolas públicas na minha cidade natal.

- Minha pequena, neste momento é irrelevante sua educação o que importa para nós é você está aqui. Quanto ao dinheiro, não é nenhum problema para mim, já estou velha não preciso mais dele, além do mais, ele é seu por direito sendo uma legitima Callet.

A jovem suspirou com uma quantia absurda desta ela podia reformar e ampliar o hotel, trocar o carro da mãe e quem sabe comprar um para ela. Seria tudo muito bom, se ela não estivesse tratando com uma alienada. Fingiria aceitar, assim que chegasse a casa devolveria o cheque pelo correio.

- Então minha criança, o que me diz aceita o que lhe é de direito? Provavelmente sua mãe vai ser contra você voltar para nós.

- Claro que ela vai qual a mãe que quer perder sua filha para uma suposta família matusalém? Mas eu sei como convencê-la e fazê-la entender. Só peço-lhe um tempo para conversar com ela e pegar meus pertences.

- Suas palavras são música aos meus ouvidos. Aleluia!

A baronesa tocou uma sineta em seguida entraram a governanta e o mordomo.

- Gertrude e Otho, minha neta concordou em ficar! Ela vai até sua casa falar com a mãe e apanhar seus pertences mais tarde estará de volta.

A governanta e o mordomo entreolharam-se com cumplicidade.

- Otho acompanhe minha neta até ao campo para que ela corte caminho e chegue mais rápido a saída.

- Perfeitamente baronesa, como à senhora está ordenando. Baronesinha acompanhe-me, por favor!

Os dois deixaram os aposentos da baronesa e seguiram na direção contrária a que ela veio até a entrada de um grande campo.

- Agora é com a baronesinha, siga em frente que logo verá a saída.

- O senhor não vai acompanhar-me até lá, este bosque é muito grande e este campo tem tantas árvores não há perigo de que eu me perca?

- Não posso acompanhar-lhe até lá baronesinha, mas fique tranquila não há mais nenhum perigo de que se perca novamente.

- Do quê está falando, eu nunca me perdi por aqui?!

O mordomo não lhe respondeu, simplesmente deu-lhe as costas indo embora.

Respirou o ar do campo, sentia-se como tivessem tirado um peso de seus ombros finalmente ela livrara-se da loucura da baronesa. Nunca mais voltaria a mansão, queria mesmo era a distancia daquele lugar. De repente ela surpreendeu-se de ver tantas cruzes de madeira rústicas fincadas na terra. O que era aquilo tudo, um cemitério? Ela estava atravessando um cemitério? Olhou para trás já não via a mansão, significava que já tinha andando muito, nem percebera que o dia findava. Apressou o passo, queria sair dali antes da noite chegar, mesmo por que o pânico lentamente dominava-lhe e nem sequer vislumbrava a saída, continuaria em frente, como recomendara o mordomo, logo estaria fora de todo esse emaranhado de loucura nem que para isso tivesse que passar pelo cemitério. Por curiosidade tentou ler os epitáfios meio apagados das cruzes que estavam próximas a ela, á proporção que ia lendo, as letras tomavam cor. Entre as tantas que já havia lido chegou a alguma de nomes bem familiares que lhe deixou apavorada. Barão Victor Callet 1840–1889; Condessa Bárbara de Salvia Callet 1845–1889; Sofia de Salvia Callet 1861–1879; Tereza de Salvia Callet 1862–1879. Sentia-se sufocar, então a velha não era louca, os nomes que ela lhe falou estavam todos naquelas cruzes. Agora se lembrava de que ela também lhe falara de um campo onde enterrou os mortos. Seria este? Se fossem as mesmas pessoas das quais ela lhe falou, todas elas estariam enterradas ali há 173 anos. Seriam verdadeiramente seus parentes? Gertrude, Otho também se tivessem vividos na mesma época, já teriam virado pós. Sendo assim, como ela os teria visto, falado com eles? Nem todos vêem fantasmas e ela seguramente não possuía esse dom. Que coisa louca! Jamais ela poderia ser a tal neta que a baronesa procura há 173. De repente topou em algo e caiu sobre uma cruz, deu um grito lancinante, era a cruz da baronesa, com os olhos embaçados pelas lágrimas ela leu o epitáfio. Baronesa Eva Callet 1808-1879. Gritou histérica parecia também ter enlouquecido. Não podia ser a mesma pessoa com quem conversara por horas. E tal Gertrude ofereceu-lhe um chá que ela tomara e era bem real. Arrastando-se dali tentou erguer-se, sem perceber apoiando-se numa outra cruz que a soltou como se fosse brasa viva, era a de Otho. Gritou tão alto e forte que as veias de seu pescoço esticaram como cordas de violão.

- Seus malditos! Querem enlouquecer-me, mas não vão conseguir, eu não tenho medo de vocês!

Todo seu corpo tremia em convulsão, banhado pelo suor, o medo transpirava pelos seus poros. Compreendeu tarde demais, que a baronesa o tempo todo lhe dissera a verdade; uma verdade que não lhe interessava. Ela não queria pertencer a uma família morta a mais de cem anos, era jovem e queria ter sua vida normal ao lado de Diva, sua verdadeira mãe, proprietária de um hotel que um dia elas reformariam sem precisar do dinheiro de uma baronesa morta. Começou a gritar.

- Socorro alguém, ajude-me!

O silêncio foi à resposta ao seu apelo. Uma mão de ferro oprimia seus pulmões impedindo-lhe de respirar, sentia o coração crescer em seu peito e a dormência apoderar-se de seu corpo, no esforço sobre-humano conseguiu ficar de pé andava trôpega. A voz da baronesa em seus ouvidos aterrorizou-lhe ainda mais.

- Não lute Nina, você aceitou-nos, concordou em ficar, não há mais volta!

Ela deu um grito lacerado e caiu desmaiada. Na queda sua bolsa foi lançada longe se abrindo deixando cair seus pertences, a folha de cheque que recebeu da baronesa flutuava ao vento; um mero papel em branco. Otho carregou-lhe nos braços de volta a mansão. Gertrude cavou uma cova depositando com delicadeza seu corpo e o cobriu com terra fincando uma nova cruz: Nina de Salvia Callet 1993–2013.

Com Nina inconsciente em seus braços, o mordomo chegou triunfante diante da baronesa, porém no mesmo instante, ela desapareceu. Contrariada a baronesa ordenou-lhe:

- Vá homem, traga-a de volta, não a deixe escapar novamente!

Embaixo do terreno Nina acordou de seu desmaio no mais profundo desespero sufocando-se com a terra, na ânsia de sobreviver a empurrava para cima com mãos. Já quase sem fôlego e sem forças uma de suas mãos se libertou do chão, tateando achou algo comprido meio solto no solo, segurou firme o objeto impulsionando o corpo para cima, com a outra mão ainda no terreno ela ia afastando a terra até que seu corpo emergiu. Puxou o ar dos pulmões com força obrigando-os a funcionar, firmou-se na beira da cova e saiu de dentro tropeçando em sua própria cruz. Deu um grito desumano afastando-se dali de gatinhos esfolando os joelhos, com as pernas tremulas consegui ficar de pé andava aos tropeços o corpo ferido, seu ar rareado, com terras sob as unhas, em sua boca, em seus ouvidos, escorrendo pelos seus cabelos e turvando sua visão, mas ela não sentia nada, só queria chegar viva em casa. Ao longe bruxuleava a saída, ela estava salva podia voltar para sua casa para os braços protetores de sua mãe, só tinha que alcançá-la. Lentamente seu esforço foi recompensado, embora sua alegria durasse pouco. A baronesa, Gertrude e Otho, de braços abertos para sugá-la vinham a sua direção recitando um mantra.

- Venha Nina, venha para nós Nina você pertence-nos. Venha Nina, venha para nós Nina você...

Nina gritava alucinada.

- Não, não me deixem em paz, vão embora, por favor! Eu não quero pertencer a vocês eu os odeio, eu não quero voltar!

- Nina, Nina, filhinha acorde, você está tendo um pesadelo meu bem!

Sacudia-lhe dona Diva.

Nina com o pijama molhado de suor, com a respiração ofegante, abriu os olhos e viu a mãe, chorando em desespero abraçou-lhe

- Mãe, mãezinha, diga que ainda estou viva que eu estou aqui em minha cama, em seus braços?

- Minha filha, claro que você está viva, meu bem! Eu estou sentindo o calor de seu corpo em meus braços, tente acalmar-se foi apenas um pesadelo! Deus faz alguns segundos que eu tento acordá-la. Agora está tudo bem! Levante-se querida, você não tem uma entrevista de emprego hoje? São seis e quarenta e cinco.

- Tenho sim mamãe.

- Enquanto se arruma eu vou preparar seu café.

Nina levantou-se ainda trêmula pegou sobre a cômoda o jornal com o anúncio do emprego. “Precisa-se de uma moça que possa dormir no local de trabalho. Se paga muito bem. Estrada da Espinheira sem número.” Arrepiou-se toda. Jogou o jornal no cesto de lixo. Desceu para o café ainda de pijama.

- Nina filha, ainda de pijama! Não vai atrasar-se em seu compromisso?

- Eu não vou mais mamãe, sinto que não devo ir.

- Está bem minha filha, você sabe melhor do que eu o que lhe serve. Aproveite o dia e descanse um pouco.

Nina voltou para seu quarto, deixando a mãe ás voltas com o hotel.

Alguns minutos depois, uma amiga de Nina, Sara, entra na recepção com um pacote e mostra-lhe.

- Chegou para Nina.

- De quem?

- Não sei dona Diva, um homem esquisito o entregou.

- Esquisito como Sara?

- Alto magro de uma palidez acinzentada, de poucas falas. Só pediu-me que o entregasse a Nina.

- Nina, venha aqui filha, alguém lhe trouxe uma encomenda!

- Que encomenda mamãe, eu não encomendei nada!

- De onde veio esse pacote filha, é para você?

- Não tenho a mínima ideia mamãe!

Abra então filha vamos ver o que é!

Nina abriu o pacote ficou lívida! Deu um grito dilacerado sob os olhares atônitos da mãe e da amiga. Jogou o pacote ao chão espalhando seu conteúdo: uma folha de cheque em branco, sua bolsa e seus sapatos cheios de terras...

Berná Fiuza
Enviado por Berná Fiuza em 26/08/2013
Código do texto: T4452248
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