O Barulho na Lareira

Era final de dezembro, próximo do Natal. Minha casa estava diferente, móveis amontoados num canto, paredes cheias de remendos de massa para corrigir defeitos e garantir uma pintura perfeita. A escada de cimento ainda não tinha recebido os acabamentos de granito e nem corrimão. Fazia poucos dias que tinha sido feita, substituindo uma de ferro estreita e esteticamente horrível. Você deve perguntar por que fazer reforma nessa época do ano. É uma longa história que será contada numa outra ocasião. O fato é que comecei a reforma em setembro, mas é pedreiro que não vem, é servente que abandona a obra, é material que está em falta e por aí vai. Em toda construção é assim.

Enfim, com a casa bagunçada não pudemos armar nossa árvore de Natal, momento mais importante desse período de festas. As luzes, os enfeites, os anjos, a estrela, tudo é especial para minhas filhas e para mim. Faz anos que a enfeitamos dia quinze de novembro. Esse ano, porém, foi diferente. Nem me parece Natal. Colocamos alguns enfeites na lareira e nos poucos móveis que restaram na nossa sala de estar. A sala de jantar está vazia, com exceção de um aparador com alguns anjos e bonecos de papai noel. Até as minhas orquídeas, que amo muito, tive de tirar dali e improvisá-las na garagem e na parte superior da casa temporariamente. Nessa noite, resolvemos assistir a um filme, locado horas antes perto da casa da minha mãe, quando fui levar minha caçula de seis anos para passar a noite com ela pois no dia seguinte iriam fazer um passeio à chácara de meu irmão. Locamos vários filmes, infantis, de ação, uma comédia porque estava precisando rir um pouco e esquecer os problemas que nos afligem no dia a dia, e um de terror porque minha outra filha de onze anos, adora ficar com medo para depois poder contar para as amigas que assistiu ao filme inteiro sem fechar os olhos. Ela esquece apenas de informar que a mãe está o tempo todo ao seu lado a abraçando e no final do filme está com o braço todo marcado dos apertões que levou nas horas mais assustadoras. Mas, tudo bem, ser mãe tem dessas coisas. Ainda bem que a comédia deveríamos entregar no dia seguinte e assim optamos por assistí-la, e não ao filme de terror senão não sei o que tería acontecido, devido aos fatos ocorridos naquela noite.

Estávamos só nós duas, ah e o Bolty. Sim , praticamente toda casa , hoje em dia, tem cachorros. Não poderíamos fugir à regra. Temos a Polly , uma rotweiler, o Spaik um mestiço labrador, a Lili , pequena sem raça definida, e o Bolty. Ele é um shi-tzu de dois anos preto e branco que adora chocolate. Gosta também de uva, manga, maçã e cenoura crua . Em casa todos devem comer comidas saudáveis, também. Voltando ao filme, sentamos num sofá pequeno de dois lugares, é o único que temos no momento. Compramos um novo mas precisamos terminar a reforma para poder colocá-lo. A sala é para dois ambientes e como está quase vazia produz ecos. É melhor mesmo não assistir a filmes de terror à noite, pelo menos por enquanto. Moramos afastadas da cidade , em área rural, sem vizinhos, apenas a natureza, aves, animais e seus sons. Quem que no campo não faz barulho? É só escutar os animais noturnos. Uma sinfonia.

Sentamos no sofá, ligamos o DVD e começamos a comer uns sonhos que compramos justamente para o filme. Ah! O Bolty estava junta partilhando dos sonhos. Mal começamos a assistir , ouvimos um barulho estranho. Parecia um ronco, um chiado, não sei precisar. Foi muito rápido. Fiquei um pouco assustada e disse:

Você ouviu isso, Gi?

Ouvi mãe. Estou com medo. O que será?

Talvez seja o vento. Estava ventando forte e fazia barulho nas janelas. Não deve ser nada.

Voltamos a assistir ao filme. Passado alguns minutos ouvimos novamente o barulho. Quase me afoguei com um pedaço do sonho.

Rooooooooonnnnnnnnnn!

Paramos o filme pela segunda vez e levantei do sofá. A Gi disse:

Mãe , o barulho veio da lareira.

Da lareira? Perguntei engolindo um pouco de água por causa do sonho que havia ficado entalado pelo susto. Com o coração disparado, respondi:

Deve ser um morcego. Já aconteceu de morcegos caírem na lareira, entrando pela chaminé. Aqui tem muitos morcegos, alguns bem grandes.

A Gi desligou o aparelho DVD, pegou o Bolty no colo e começou a subir a escada me chamando:

Vem mãe. Vamos subir. O bicho pode sair da lareira e vir nos pegar.

Não se preocupe Gi, respondi sem muita convicção. Se for morcego ele vai voar pela casa, nós corremos para o quarto e ficamos lá até de manhã, quando ele for dormir. Vamos terminar de ver o filme. Temos de devolvê-lo amanhã. Devemos estar imaginando coisas.

Sentamos novamente, ligamos a televisão , paramos de comer sonhos, porque poderia ser perigoso caso o barulho acontecesse novamente. Não estávamos tranquilas e volta e meia desviava o olhar para a lareira na iminência de ver alguma coisa sair da chaminé. Mas não havia sujeira caída dentro da lareira. A Gi cada vez apertava mais o meu braço. Fiquei imaginando se estivessemos assitindo ao filme de terror. Com certeza não sobraria pele em meus braços.

Comecei a relaxar porque não ouvimos mais nada de diferente. Passado algum tempo, novamente o barulho:

Rooooooooooonnnnnnnnnnn!

Meu coração disparou. A Gi levantou chorando do sofá.

Mãe o bicho vai nos pegar. Vamos fugir.

Pegou o Bolty e sumiu pela escada. Com o coração querendo saltar pela boca, desliguei a televisão, o aparelho de DVD. Respirei fundo, sem fazer barulho, fui à cozinha, peguei um copo d'água, o celular, santo celular, qualquer coisa eu ligo para meu marido que estava trabalhando, pensei. Desliguei as luzes e escutei a Gi gritando no alto da escada:

Vem logo mãe, sai daí. Vem ficar comigo.

Só estou pegando água e o celular. Acho que vou ligar para o teu pai e ver o que ele pensa e que bicho pode ter caído na chaminé.

Para acalmá-la disse:

De uma coisa eu tenho certeza, não é o Papai Noel.

Parecia mais uma alma perdida procurando uma luz, um caminho.

Ao subir os degraus dei uma última olhada para a lareira e vi uma luz piscando fraca num objeto na parte de cima dela. A lua estava nascendo e fazia uma luz pálida clarear uma parte da sala que estava sem cortinas ainda. Ao chegar ao quarto comentei com a Gi:

-Acho que o aromatizador automático de ambiente está ligado.

Não fui eu que liguei. Passamos o dia juntas no teu trabalho, lembra?

Será que foi a Juju que ligou?

Não sei mãe. Mas ela está na vovó e é tarde para perguntar.

O barulho que ouvimos seria o aromatizador? Me perguntei. Ele nunca fez um barulho assim antes.

Será que a pilha está fraca e ele está “roncando” por causa disso? Vou descer e dar uma olhada.

Não vá mamãe. Pode ser um bicho na lareira mesmo. Não vá.

Eu vou ver Gi. Talvez seja isso e nós poderemos finalmente assistir ao restante do filme.

Desci as escadas com cuidado , acompanhada pelo Bolty, acendi a luz da sala, peguei o aromatizador e constatei que realmente estava ligado no máximo. Desliguei-o e coloquei-o novamente na lareira. Não sabia precisar há quanto tempo estava ligado. Talvez a fragrância tivesse acabado e por isso do barulho estranho. Liguei a televisão e o DVD , a Gi relutantemente desceu as escadas, se agarrou em mim e assistimos ao restante da comédia, que a essa altura estava mais para dramalhão que qualquer outra coisa,

Se foi o aromatizador ou outra coisa qualquer que fez o barulho não sei. O fato é que nunca mais deixamos o aromatizador ligado.

Catleya
Enviado por Catleya em 02/01/2014
Código do texto: T4633848
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