O BALANÇO COR-DE-ROSA (Final)

Claudio guardou para si a opinião sobre a estada de Iara na sua casa. Não havia necessidade, sua esposa já estava melhor. Porém, não disse nada. Renata demonstrava estar tão aliviada com a presença da mãe que ele não seria capaz de estragar tudo.

Mas a tormenta voltou justo na hora do jantar. Para comemorar, Renata resolveu fazer uma comidinha mais caprichada. Arrumou a mesa, distribuiu louça nova e até Maria percebeu que o clima estava bom. Durante o jantar a garotinha deu várias gargalhadas, arrancando risadas dos adultos. Tudo parecia estar se encaixando para a noite se encerrar muito bem.

- Mãe…

Foi um sussurro e Iara olhou para a filha. Surpreendeu-se ao vê-la pálida.

- O que houve, Renata? Você não está se sentindo bem?

Claudio pousou sua mão sobre a da esposa, preocupado.

- Meu bem, você está pálida.

Renata fechou os olhos e respirou fundo.

- Ela passou aqui. Atrás de mim.

Claudio largou com força os talheres no prato, assustando Maria que começou a chorar.

- Pare com isto, Renata.

Ela olhou para a mãe, implorando ajuda.

- Senti alguma coisa passando atrás da minha cadeira. Era Carol, mãe! Era ela! Sua neta veio lhe visitar! Eu não disse que seria assim?

Antes que Iara dissesse qualquer coisa, Claudio explodiu:

- Eu pensei que você tivesse parado com esta loucura!

Iara tentou contemporizar.

- Claudio, por favor...

- Sua filha precisa de tratamento. E urgente - Ele foi até a cadeirinha de Maria e a pegou no colo. - Você não percebe o quanto está prejudicando o bebê com sua loucura?

- Eu não estou louca! - berrou Renata, levantando-se bruscamente, derrubando a cadeira e fazendo um barulhão.

Maria se pôs a chorar mais forte. Renata tentou segurar a filha, mas Claudio se afastou com a criança.

- Acalme-se primeiro. Não vou deixar você chegar perto da minha filha enquanto estiver alterada deste jeito.

Ela ficou furiosa. Bateu com força a mão na mesa, sem perceber que o fizera justo em cima de uma faca. O sangue respingou na mesa e no chão quando ela apontou o dedo para o marido, descontrolada:

- Você não pode me afastar da única filha que me restou!

- Parem vocês dois! - implorou Iara, se interpondo entre o casal. - Renata, vamos para a cozinha. Eu preparo um chá para você.

Maria continuava aos berros enquanto Iara empurrava a filha para a cozinha e fechava a porta. Com a cabeça enfiada entre as mãos, Renata soluçava. Eficientemente Iara fez um chá de camomila para Renata e o colocou na mesa, a sua frente.

- Agora chega, Renata. Ou vou ter que concordar com seu marido.

Renata a encarou com os olhos lacrimejantes.

- Mãe, você tem que acreditar em mim. Eu estava sentada quando escutei os passinhos dela. Leves, como se estivesse com as sapatilhas do ballet. Você lembra que Carol foi enterrada com a roupinha do ballet?

Iara fechou os olhos. Não queria ter que lembrar daquilo.

- Eu não pude vê-la desta vez, mas tenho certeza que Carolzinha virá esta noite. Ela quer ver você também.

- Tome seu chá, querida - pediu Iara, abalada. - Acalme-se e conversaremos sobre isto depois, está bem?

- Mas você acredita em mim?

- Claro - mentiu Iara. - Beba o chá.

Elas ficaram em silêncio. Iara percebeu que os olhos de Renata se moviam de um lado para outro, atenta a algum sinal da filha. De repente, a porta se abriu e ambas levaram um susto. Por alguns instantes, Renata pensou que seria Carol.

Era Claudio.

- Maria dormiu - ele declarou, sentando a frente de Renata, que desviou o olhar.

- Claudio, ela está mais calma agora - Iara temia uma nova discussão.

- Renata, conheço um psiquiatra muito bom e…

- Não acho que eu esteja precisando me tratar - contra-atacou ela. - Não estou doente.

- Ver pessoas mortas e escutar passos não me parece coisa de gente sadia.

Renata se levantou e se serviu de mais chá. Discretamente Claudio tirou algo do bolso e guardou na mão.

- Se eu prometer que consultarei um especialista, você para de me encher o saco?

Tanto Iara como Claudio deixaram escapar um leve suspiro de alívio.

- Claro, meu amor. Vamos lutar juntos. Sua mãe está aqui agora - e ele olhou para a sogra, buscando apoio, - e ela vai ajudar você também.

Maria chorou no andar de cima. Renata deu um pulo.

- Ela acordou. Vou até lá.

Iara foi junto, com medo de deixar a filha sozinha. Vendo-se só, Claudio despejou um calmante em pó no chá da esposa. Depois, tranquilamente, ele pegou a xícara e levou para Renata tomar mais tarde.

Como Claudio esperava, Renata desabou na cama 10 minutos depois de haver tomado o chá. A casa ficou estranhamente quieta. Maria dormiu novamente e Iara se recolheu ao quarto de hóspedes. Claudio leu um pouco, apagou a luz e dormiu em seguida.

Renata dormiu profundamente até às 2 horas da manhã. Ela acordou meio estonteada, sem saber onde estava. Sua filha estava aos pés da cama.

Carol lhe estendeu os braços, vestida com sua roupinha de ballet.

- Carol - disse Renata, mas nenhuma voz saiu da sua boca. Ela estendeu os braços, porém a filha continuou no mesmo lugar.

Decidida, Renata se levantou. Custou um pouco a ficar de pé, as pernas estavam pesadas. Carol recuou um pouco.

- Volte, minha filhinha, venha com a mamãe.

Claudio dormia sem imaginar o que estava ocorrendo no quarto. Carol sorriu para a mãe. As lágrimas escorreram pelo rosto de Renata.

- Fale com sua mamãe. Venha, meu bebê. Eu largo tudo por você.

Renata conseguiu dar alguns passos trôpegos na direção da filha, mas ela novamente recuou. Por que Carolzinha não ficava parada no mesmo lugar?

- Pare com isto, Carol. Deixe-me chegar perto de você.

A garotinha sorriu, amolecendo o coração da mãe. De repente ela estava de costas para a janela. Foi quando Renata escutou nitidamente a voz da filha:

- Venha morar comigo, mamãe. Fique comigo.

- Eu ficarei, meu anjo. Eu amo você...

Renata avançou em direção à janela. Finalmente Carol havia parado de caminhar para trás e ali estava, tão pertinho, lhe esperando.

Emocionada, a mulher abriu os braços como se quisesse abraçar o mundo. Como desejava sentir o corpinho quente da filha e apertá-la bem forte.

Um barulho horrível despertou Claudio. Ele acendeu a luz do abajur e se deparou com o vidro da janela quebrado e estilhaços por todos os lados. Ao mesmo tempo escutou os gritos de Iara já no corredor. Renata não estava na cama.

- Renata! - berrou ele. - Renata, onde está você?

Claudio saltou da cama, cortando os pés quando chegou junto à janela. Iara abriu a porta e encontrou o genro debruçado no parapeito, olhando para o jardim. Ele soltou outro grito, agora de dor. Iara se encostou à parede quando Claudio passou voando por ela, deixando rastros de sangue dos pés cortados. Iara o seguiu, sem querer acreditar que aquele horror estava acontecendo. Ambos chegaram praticamente juntos ao jardim e Claudio se jogou sobre o corpo da esposa, batendo no rosto dela para tentar alguma reação.

- Chame uma ambulância, Iara! Não fique aí parada!

- Agora é tarde demais, Claudio. Carol a levou para sempre.

Já haviam passado 2 semanas da morte de Renata. Aquela seria a última noite de Claudio na casa. Na verdade, desde o acidente, ele nunca mais voltara para lá. Iara estava cuidando de Maria até que Claudio conseguisse se reorganizar. Ele contratara uma equipe de mudança que empacotara tudo. As roupas de Renata tinham sido levadas pela sogra para alguma doação. Infelizmente ele tivera que ir para lá conferir se estava tudo em ordem. A intenção era sair antes do anoitecer, mas o trabalho era grande e quando ele se deu conta, estava tarde demais para pegar a estrada. Teria que dormir em cima de uma caixa de papelão que rasgara, mas isto não tinha importância. Aquilo era nada perto do inferno que sua vida se transformara.

Mal havia se acomodado quando escutou um barulho diferente. Claudio sentou. Talvez viesse do vizinho. Tentou dormir novamente, mas o barulho continuou. Levou 5 minutos para ele perceber que vinha do seu jardim.

Seria algum ladrão? Claudio se levantou assustado. Só faltava aquilo para completar sua triste fase. Silenciosamente Claudio se aproximou da janela. Rezava para não encontrar nada de anormal.

Lá fora Renata embalava Carol no balanço.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 17/03/2014
Reeditado em 02/01/2015
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